Não era uma novidade que a pauta da regulação das plataformas digitais iria ocupar o centro do debate em 2023. Ainda em campanha, o agora presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, já demonstrava a prioridade com que iria tratar o tema, o que já pode ser comprovado pela atual estrutura de sua administração. O coro foi endossado pelo Judiciário, principalmente na figura do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, após as ondas de desinformação durante as eleições. O tema se tornou ainda mais urgente depois das invasões golpistas de 8 de janeiro.
Com tamanha atenção, a pauta começou, ainda neste início do ano, a surgir nos mais diversos espaços e órgãos do Executivo, Judiciário e Legislativo. As propostas são as mais diversas e dividem opiniões de especialistas e dos próprios atores envolvidos. O *desinformante sintetizou abaixo o que está sendo avaliado a respeito da regulação das plataformas digitais nesses primeiros 45 dias do ano.
Por que é importante: a regulação das plataformas digitais é uma das saídas mapeadas pelo *desinformante para combater a desinformação. Além disso, não há atualmente uma legislação que trate de forma específica as responsabilidades das big techs no contexto brasileiro. Leis sobre o tema estão sendo tratadas e discutidas em todo o mundo e o Brasil busca acompanhar este debate. |
PL 2630 (o das fake news) revive
O texto mais debatido sobre o tema é o chamado PL das fake news. O projeto de lei 2630/2020 surgiu no Senado Federal em maio de 2020 e seguiu para a Câmara dos Deputados em julho, onde teve um debate aprofundado com diversas e amplas audiências públicas durante 2021. A expectativa era que o texto pudesse ser votado em 2022, mas sofreu derrota na votação para a tramitação em regime de urgência em abril, parando o seu andamento. Apesar da possibilidade de voltar à pauta, o texto ficou engavetado.
Mesmo com divergências sobre seu teor e sobre se deveria ser considerado ou não, pesquisadores e atores da sociedade civil concordam em afirmar que é o projeto mais trabalhado sobre o tema. O próprio tema, no entanto, não é consenso. O PL nasce com uma ideia de combater a desinformação – tentando inclusive conceituá-la – e se desloca para algo mais voltado à regulação de plataformas, mas acertando – de acordo com alguns especialistas – em um texto direcionado à autorregulação regulada.
O projeto de lei, que parecia esquecido nos últimos meses, voltou com as últimas movimentações políticas no país. Após acenos do Executivo para propor medidas de responsabilização das plataformas digitais [veja a seguir], o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira defendeu a volta do PL ao debate. No próprio dia em que foi eleito, Lira disse que o tema estaria na pauta legislativa. “A internet não pode ser terra sem lei”, colocou.
Em entrevista ao Jota, no entanto, Arthur Lira não indicou um prazo para que o PL volte a ser apreciado. Para o jornalista e pesquisador integrante da Coalizão Direitos na Rede, Jonas Valente, o debate sobre regulação das plataformas precisa considerar o projeto de lei para “não partir do zero”. “O Congresso já vem debatendo o tema, o projeto avançou em uma série de aspectos, o que não significa que seja perfeito”, defendeu Valente no debate ‘O Governo está no caminho certo sobre regulação de plataformas?’, promovido nesta quarta-feira (15) pela Coalizão.
Executivo entra no debate por Medida Provisória
Os ataques no 8 de janeiro aceleraram um movimento que já parecia certo na nova gestão federal: propor uma regulação das plataformas. Amplamente defendida pelo presidente Lula, o tema esteve, inclusive, em pauta no encontro que teve com o presidente estadunidense Joe Biden.
No entanto, o primeiro passo mais concreto para a uma regulação – ou responsabilização das plataformas – se deu com um texto de Medida Provisória proposto no chamado ‘Pacote da Democracia’ do Ministério da Justiça. O texto em si não foi divulgado, mas o que foi vazado pela imprensa causou preocupação em especialistas.
A MP proposta, de acordo com o que saiu na imprensa, pretende responsabilizar as plataformas digitais por publicações que violem a Lei do Estado Democrático de Direito. As empresas de tecnologia adotariam o “dever de cuidado” para impedir a disseminação de conteúdos que peçam a abolição do Estado Democrático de Direito, encorajem a violência para deposição do governo e incitem animosidade entre as Forças Armadas e os poderes constitucionais.
No evento realizado pela Coalizão Direitos na Rede, a jornalista e pesquisadora Bia Barbosa relembrou a Medida Provisória proposta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em setembro de 2021, que buscava alterar o Marco Civil da Internet para dificultar a moderação de conteúdo por parte das plataformas. No extremo oposto, a MP ventilada pelo atual Ministério da Justiça busca aumentar o poder das redes para essa moderação. “Opostas, tão problemáticas quanto”, opinou Barbosa.
Para Paulo Rená, co-diretor da AqualtubneLab, o atual governo “não entendeu o acúmulo que o governo anterior construiu com o Marco Civil da Internet” e é necessário reajustar a rota para a regulação.
“O governo está no caminho errado porque ele propõe uma Medida Provisória que formal e materialmente não é a melhor forma de resolver esse problema, ele reforça uma lógica punitivista de que o direito penal é o melhor caminho para sanar essa questão que não é individual. E o pior aspecto é aumentar o poder das plataformas privatizando ainda mais as soluções dessas questões”, explicou Rená.
Como o *desinformante já informou, a estrutura do novo governo abrange o digital e espera-se que haja uma articulação de outros setores para a construção dessa proposta regulatória. “O governo precisa se coordenar”, defendeu Jonas Valente. No entanto, para ele e os outros integrantes da Coalizão, essa coordenação precisa ser feita em constante diálogo com a sociedade civil.
Judiciário também quer espaço no debate digital
O Poder Judiciário foi um ator protagonista no combate à desinformação nas eleições de 2022 e já se manifestou aberto e interessado em contribuir com o debate da regulação das plataformas. O ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, afirmou no início de fevereiro que pretende entregar ao Congresso uma proposta para regulamentar as redes sociais e combater a captura das plataformas por políticos populistas de extrema direita.
Moraes já se colocou favorável a mudar o entendimento em relação às mídias sociais. Para o ministro, as plataformas não podem ser consideradas apenas empresas de tecnologia, elas devem ter a mesma responsabilidade de empresas de mídia tradicional. “”A responsabilização por abusos na divulgação, na veiculação de notícias fraudulentas e discursos de ódio não pode ser maior, mas também não pode ser menor que das restantes mídias tradicionais”, defendeu em uma conferência.