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mar 17, 2022 | destaques, notícias

Metaverso já é real, com suas virtudes e problemas

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O metaverso nunca esteve tão em alta. Desde que o Facebook mudou o nome da empresa para Meta, em outubro de 2021, em meio a uma crise de imagem, as buscas pelo termo cresceram, como mostra o Google Trends. Com irresistíveis novas possibilidades de interação, o metaverso pode trazer também muitos desafios para as empresas de tecnologia, como a moderação eficaz que impeça conteúdos violentos e desinformativos. 

Buscas sobre o metaverso aumentaram nos últimos meses

A desinformação está em todo lugar e, com as lacunas existentes e as novas possibilidades que o metaverso propõe, não é de se esperar que a realidade virtual seja uma exceção. João Victor Archegas, pesquisador sênior de Direito e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio),  aponta que essa interseção pode ser aflorada pela falta de moderação e pela capacidade de qualquer pessoa criar o universo que quiser nesses espaços, impulsionando ainda mais as bolhas virtuais, por exemplo. 

A fim de testar a moderação de conteúdo no espaço, a equipe do Buzzfeed News realizou um experimento no Horizon Worlds criando uma sala repleta de desinformação. O espaço privado foi nomeado de “The Qniverse” em referência ao QAnon e nele foram reproduzidos slogans como “Trump venceu a eleição”, “vacinas causam autismo” ou até “Covid é um boato”.

Sala criada pela equipe do Buzzfeed no Horizon World. / Reprodução Buzzfeed

“O objetivo do nosso teste foi avaliar se os sistemas de moderação de conteúdo que operam no Facebook e Instagram também operam no Horizon. Pelo menos no nosso caso, parece que não”, relatou o site. A conclusão se deu porque a sala foi criada e após 36h ainda não tinha sido removida. Ao final do período, os repórteres fizeram denúncias e receberam a resposta de que o conteúdo não feria a política de conteúdo.

António Castro Baía Reis, pesquisador na área de Mídia Imersiva da Universidade de Passau (Alemanha), prevê que o problema da desinformação pode ser aprofundado pela falta de responsabilização nesses espaços e pela possibilidade de os usuários se esconderem por avatares – que podem ser, literalmente, o que o usuário quiser.  Outro ponto é que o metaverso busca fazer tudo se parece muito real, ou seja, é muito mais palpável do que só ler ou ouvir algo. Isso torna-o mais persuasivo. Justamente pela proximidade e interatividade que permite, “o potencial de impacto de uma fake news no metaverso é gigante”, decreta Reis. 

Nesses espaços também existe a possibilidade de disseminação de deep fakes, as sínteses de imagens, sons ou vídeos criados por inteligência artificial que reproduzem humanos e estão cada vez mais populares no mundo digital. Nas eleições para prefeito de Nova York em 2021, o candidato Andrew Yang fez um avatar no Roblox (uma plataforma de jogo online) que foi utilizado na sua campanha no metaverso. Para Reis, da mesma forma que o ambiente está sendo utilizado para isso, ele também pode ser usado para criar avatares falsos com o intuito de ludibriar os usuários. 

Desafios de regulação e moderação no metaverso

O metaverso traz muitas novas experiências sociais. Empresas já criaram suas lojas virtuais no mundo virtual, como a Samsung. Conferências estão sendo realizadas nesses ambientes e trazem um grande grau de realidade. Além disso, essa “nova” vida digital abre novos horizontes para o próprio entretenimento. No ano passado, a cantora Ariana Grande foi uma das atrações de um jogo online.

O metaverso pode não ser acessível nem tão popularizado, mas já é real, assim como seus problemas. Na corrida para regulá-lo ou entendê-lo, ainda temos tempo.  “Agora a gente pode se antecipar no sentido de já exigir transparência, exigir a otimização desses processos antes, mas sem necessariamente regular a tecnologia em si, porque ela vai mudar”, adverte o pesquisador do ITS. 

Archegas acredita que o maior desafio é a moderação de conteúdo no metaverso. Ele lembra que até hoje não foi resolvido o problema de moderação de conteúdo em plataformas digitais (já se passaram mais de 20 anos desde as primeiras redes sociais). “[A moderação] só se torna mais complexa a cada ano e a gente não consegue pensar em como resolver vários problemas, como desinformação, discurso de ódio e outros problemas que já deveriam estar resolvidos há muito tempo”, argumenta.

Em plataformas,  como Facebook, Youtube, Twitter, os moderadores precisam lidar com apenas três dimensões do conteúdo: texto, imagem e áudio. Elas podem ser sobrepostas, se considerarmos os vídeos. 

No metaverso, a moderação é tridimensional e precisa ser em tempo real. Por exemplo, gestos e movimentos dos avatares devem ser objetos de atenção. O Horizon Words, o metaverso experimental no grupo Meta, começou a funcionar em período de testes, mas já protagonizou uma denúncia de assédio no ambiente. A plataforma decidiu criar um espaço mínimo,  entre os avatares, que pode ser desabilitado caso o usuário autorize, para “garantir” a segurança nesse ambiente. “Eles não poderiam ter antecipado isso? Assédio sexual não é um problema tão óbvio no ambiente tridimensional?  Esse tipo de caso  me faz pensar que talvez os mesmos erros vão ser cometidos novamente, infelizmente”, diz.

Já Reis relata que casos de assédio são comuns nesses espaços virtuais, principalmente de jogos. O argumento foi confirmado por ele e seus alunos com experiências realizadas dentro desses espaços, que mostrou inclusive que o assédio a avatares partiu de crianças, mostrando a falta de regulação etária de alguns ambientes. 

O Núcleo mostrou alguns trechos que trazem os desafios do moderador de conteúdo no metaverso da Meta. Eles atuam como ‘monitores’ das salas, regulando o comportamento abusivo de alguns usuários – nesse caso, a maioria crianças. 

Para Archegas, a regulação desses espaços virtuais é um desafio. Ele se pergunta se ela acontecerá em tempo real ou  serão gravados para avaliação. Esse último ponto já esbarra na privacidade do usuário. O pesquisador explica que algumas soluções foram pensadas: quando há uma denúncia no metaverso, os últimos três minutos da experiência são gravados ou o usuário tem a possibilidade de convocar a presença de um moderador na sala.

A mudança do nome da empresa, segundo Reis, foi um golpe publicitário que quis aproveitar o momento para lançar, mas que não houve tempo para se estruturar. Agora é esperar os próximos anos para ver se serão capazes de criar mecanismos que garantam um ambiente seguro e com informação confiável para o usuário.

Histórico

Apesar do súbito interesse, a ideia de um metaverso não é nova. O termo foi criado  em 1992 por Neal Stephenson no livro de ficção científica Snow Crash. Na obra, o autor busca utilizar a nomenclatura para descrever uma realidade virtual onde a interação ocorre por meio de avatares, algo que ultrapassaria as plataformas bidimensionais disponíveis até aquele momento.

“O conceito de metaverso vem se desenvolvendo desde então, mas o que mudou do ano passado para cá parte de uma convergência de novas tecnologias, que tornam a visão da empresa Meta muito mais plausível”, destaca  Archegas, 

Essa convergência diz respeito ao avanço da tecnologia móvel e das conexões que permitem que o metaverso se aperfeiçoe e se torne mais palpável. 

Mas, afinal, o metaverso é palpável?

O primeiro passo para compreender o metaverso é capturar a ideia de que se trata de uma experiência imersiva, em que você tem a possibilidade de “entrar” em um mundo digital e interagir de forma efetiva com elementos tridimensionais e outras pessoas por meio de avatares, por exemplo. 

Mas, assim como o nome, o conceito de ter uma segunda vida na internet também não é necessariamente atual. O conceito de um metaverso, inclusive, pode ser facilmente encontrado em diversos jogos online que já fazem uso de tecnologias imersivas para que os jogadores interajam entre eles. No início dos anos 2000, jogos como o  Second Life e The Sims criavam ambientes virtuais em 3D que simulavam a vida real. Hoje jogos como o Fortnite também adotam essa lógica de simulação de um mundo virtual.

Reprodução second life

Para António Reis,  o que caracteriza o metaverso é justamente essa interação dentro do digital. “A realidade virtual agora é profundamente social, ou pelo menos tem esse potencial. Isso faz com que tudo aquilo que seja viver em sociedade, no mundo físico real, possa ser replicado para o digital, como conferências online com óculos de realidade virtual, por exemplo”, explica Reis.

Portanto, outro ponto que é necessário para entender o metaverso é que ele, na verdade, já existe. A própria empresa Meta já possui o seu, que se chama Horizon. O fato é que cada espaço que compreende essa experiência digital pode ser entendido como um.

O que não existe ainda é uma integração de todos esses metaversos. Essa nova forma de vida totalmente integrada ao mundo digital ainda é, para António Reis, uma ideia. 

Essa ideia, no entanto, vai sendo alimentada com o avanço e criação de mecanismos como criptomoedas e NFTs (do inglês, non-fungible token). Essas evoluções tecnológicas permitem a realização de transações nesses ambientes e obtenção, por exemplo, de direitos exclusivos sobre itens virtuais.

Apesar de já existir, Archegas acredita que demore cerca de  dez anos para esse universo se concretizar. O mesmo tempo  previsto pela Meta. “É o tempo que a gente precisa para fazer algumas tecnologias avançarem, inclusive protocolos de interoperabilidade dos diferentes metaversos. Dessa forma, você poderia ter um avatar em um determinado metaverso com os seus criptoativos [representação digital de valores transacionados, como as criptomoedas], com as suas NFTs, e poder trazer aquilo contigo para outro metaverso. Então você terá essa flexibilidade, essa fluidez entre espaços dentro desse grande pluriverso que vai existir na internet”, explica o pesquisador.

Para a criação de um pluriverso, como é chamada essa conexão entre  diferentes metaversos, é preciso avanço tecnológico e barateamento de recursos e componentes. Reis defende que: “a ideia de metaverso ampla só se tornará real quando existir infraestrutura suficiente e espalhada em nível global de forma suficiente para isso”. Além disso, para uma experiência instigante, é importante o uso do óculos de realidade virtual, acessório ainda caro no Brasil. “Para que a maior parte da população tenha acesso é preciso haver um barateamento e massificação dessas tecnologias”, explica Reis.

O famigerado óculos não é um requisito para adentrar o metaverso, às vezes, um celular ou um computador com um processador adequado podem funcionar.  Porém, o uso do óculos deixa a experiência mais interativa e real. “Existem diferentes metaversos e alguns vão ser mais acessíveis do que outros”, explica João Victor. Com isso, algumas  experiências serão de forma diferente nesses diferentes metaversos, algumas não serão tão imersivas quanto uma realidade virtual, mas não vai deixar de ter a interação social,  acrescenta o pesquisador.

 

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