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@thiagoilustrado

Faltam ferramentas de análise de dados para as eleições 2024

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Em meio a um ano eleitoral intenso, a Meta anunciou o fim do CrowdTangle, uma ferramenta de análise de dados utilizada por pesquisadores e jornalistas para monitorar e estudar o Facebook e o Instagram. A decisão da bigtech de encerrar a funcionalidade –  com previsão para 14 de agosto – levanta receio de um apagão de dados às vésperas das eleições brasileiras e de outros países.

Como alternativa, a empresa está oferecendo o acesso à Biblioteca de Conteúdo e à API da Biblioteca de Conteúdo. Será por meio delas que os pesquisadores poderão ter acesso a informações como conteúdos postados em perfis, páginas e grupos no Facebook e no Instagram. Porém, tais soluções possuem limitações.

Os inscritos no CrowdTangle, por exemplo, não vão migrar automaticamente para as novas funcionalidades. Para ter acesso a elas, os acadêmicos precisarão solicitar o acesso ao Consórcio Interuniversitário para Pesquisa Política e Social (ICPSR) da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, responsável por administrar a base de dados disponíveis aos pesquisadores. A solicitação é feita a partir de um formulário com informações sobre a universidade a que se é vinculado e o projeto de pesquisa em andamento.

Mais de 100 organizações do terceiro setor no mundo todo, encabeçadas pela Mozilla, pediram que a Meta deixe sua ferramenta de análise de dados CrowdTangle no ar em 2024, em vista de diversas importantes eleições que serão realizadas neste ano. Entre as reivindicações estão:

  • Mantenha o CrowdTangle em funcionamento até janeiro de 2025;
  • Integre rapidamente todas as organizações atualmente no CrowdTangle que estão focadas na integridade eleitoral à Biblioteca de Conteúdo, incluindo organizações da sociedade civil, pesquisadores e veículos de notícias qualificados – diretamente ou por meio de um processo de candidatura acelerado;
  • Participe de consultas regulares com a comunidade global do CrowdTangle para garantir que a Biblioteca de Conteúdo atenda às suas necessidades, incluindo manter a funcionalidade completa do CrowdTangle, antes que a ferramenta seja descontinuada;
  • O mais rápido possível, tanto a Biblioteca de Conteúdo quanto o CrowdTangle devem adicionar dados sobre quaisquer rótulos relacionados a eleições que sejam anexados ao conteúdo público pela Meta, especialmente verificações de fatos e interferência eleitoral.

O pesquisador e professor da PUC-Rio, Marcelo Alves, comenta que a bigtech está implementando a mudança sem incentivos fortes para que a comunidade acadêmica seja inserida no novo sistema. “Na prática, a Meta deixa de ser uma plataforma que tinha os serviços mais abertos e acessíveis aos pesquisadores depois do fechamento [da API] do Twitter, pra ser uma das piores, com um modelo de acesso mais complicado e problemático”, avaliou Marcelo.

Outro pronto, desta vez destacado pelo coordenador de projetos do NetLab-URFJ, Bruno Mattos, é a corrida para que os pesquisadores se cadastrem a tempo das eleições brasileiras, programadas para o mês de outubro. “[O cadastro] envolve um período considerável para que interessados preencham seu formulário de intenção de uso, sejam aceitos para utilizá-la e possam se adaptar a ela”, comentou o pesquisador.

Além disso, a centralização do acesso às ferramentas em uma universidade do Norte Global pode trazer empecilhos aos pesquisadores fora desse eixo econômico. “A avaliação de aceite fica a cargo de um consórcio de pesquisadores associados à Universidade de Michigan, que não necessariamente estão familiarizados com as demandas e urgências do Sul Global”, ponderou o pesquisador do NetLab. 

As projeções de médio prazo sobre acesso a dados a partir do novo cenário não são positivas.  Atualmente, apenas o YouTube e o Telegram possuem API pública de dados para pesquisa. Ano passado, o TikTok lançou uma ferramenta de acesso a dados, mas restrita a pesquisadores na Europa e dos Estados Unidos. Já o X (antigo Twitter) fechou a API gratuita, considerada referência pela área acadêmica, no primeiro semestre de 2023.

“O que vai acontecer é que vamos ter menos pesquisa de qualidade, com boa metodologia, para apontar os problemas e o que acontece nessas plataformas”, projeta o pesquisador e professor da PUC-Rio Marcelo Alves

O que se perde com o fim do CrowdTangle?

Por meio do CrowdTangle, é possível analisar e criar relatórios sobre conteúdos publicados no Facebook e no Instagram, redes sociais da Meta. O serviço é utilizado pelos pesquisadores e jornalistas para acompanhar em tempo real as discussões e descobrir os assuntos quentes que estão ganhando fôlego nas plataformas. A ferramenta também permite seguir palavras-chaves e links específicos, sem limite de perfis analisados.

Bruno Mattos explica que a interface do CrowdTangle ajuda aos usuários que têm pouca ou nenhuma experiência em programação a conduzir análises de dados, além de permitir a exportação de dados para a realização de análises computacionais mais profundas e sistemáticas.

É essa ferramenta ampla e acessível que os pesquisadores e jornalistas perderão acesso a partir do dia 14 de agosto. Ainda segundo Bruno, a nova ferramenta proposta pela Meta não permite qualquer tipo de coleta de dados, apenas buscas e análises em um chamado ‘ambiente online de acesso controlado’, gerido pelo ICPSR.  “O que inviabiliza uma estrutura de monitoramento recorrente do Facebook e do Instagram e limita muito as possibilidades das análises que podem ser feitas sobre os dados de ambas as plataformas”, comenta o pesquisador.

Porém, avanços são esperados nessa nova alternativa proposta pela Meta em relação ao CrowdTangle, como estatísticas referentes ao alcance das publicações e o acesso a informações de perfis variados. “O CrowdTangle também limita consideravelmente o que pode ser encontrado por meio dele, apenas retornando dados de publicações feitas por páginas com alto engajamento, enquanto a nova ferramenta promete um acesso a todo o arquivo de conteúdo público do Facebook e do Instagram, o que é muito positivo”, avaliou Mattos.

E como ficam os jornalistas e a checagem de fatos?

Outro setor que será diretamente impactado pelo fim do CrowdTangle são os jornalistas e checadores de fatos que utilizam a ferramenta para monitorar as redes e acompanhar o debate público. No site divulgado pela Meta, que descreve as condições para a solicitação de acesso à nova API, não há menção desses profissionais.

Natália Leal, diretora executiva da Agência Lupa, diz que a ferramenta é utilizada pelo veículo para enxergar caminhos de viralização de conteúdos e fazer buscas que auxiliam na construção de matérias jornalísticas. “É um desastre a gente perder o acesso a qualquer ferramenta que possa nos ajudar a enxergar um pouco melhor o que tá acontecendo no ecossistema digital”, avaliou a jornalista.

Leal também destacou como os veículos jornalísticos estão, neste momento, com poucas ferramentas que tenham os mesmos recursos que o CrowdTangle e que sejam disponibilizadas de forma gratuita aos profissionais. “As organizações que monitoram o ambiente digital e que se dedicam ao combate à desinformação têm muitos desafios financeiros”, afirmou.

Entenda o desmonte do CrowdTangle

O desmantelamento da ferramenta vem acontecendo desde 2021, quando a Meta começou a pôr em prática o plano de encerramento da plataforma de pesquisa, como mostrou uma reportagem publicada pela Bloomberg. Naquela época, a big tech dissolveu a equipe responsável pela ferramenta, remanejando ou demitindo os profissionais relacionados ao projeto, como o próprio fundador e ex-diretor executivo do CrowdTangle, Brandon Silverman, que deixou o grupo em outubro 2021.

De acordo com funcionários da Meta, menos de cinco engenheiros da equipe de integridade do Facebook de Londres estavam trabalhando para manter a ferramenta viva. Antes do desmonte, atualizações e novas funcionalidades eram apresentadas mensalmente e pesquisadores e jornalistas costumavam receber uma newsletter apresentando essas novidades e estudos com dados da plataforma. Além disso, desde janeiro de 2022 a ferramenta já não recebia o registro de novos usuários. À época, a Meta afirmou que tal decisão se deu justamente por pouco pessoal alocado no projeto.

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