Você é pesquisador vinculado a universidades brasileiras ou de outros países do Sul Global e quer fazer pesquisa com a API do TikTok? Temos uma notícia ruim: isso não é possível. Desde o ano passado, a plataforma chinesa de vídeos disponibiliza o acesso a sua API acadêmica apenas para cientistas de universidades da Europa e dos Estados Unidos.
No site do TikTok para desenvolvedores, a empresa deixa claro as restrições geográficas para o uso da API, que fornece dados públicos relacionados a perfis e os conteúdos compartilhados. Embora afirme na página que está “trabalhando para fornecer maior acesso à API de pesquisa no futuro”, a atual limitação já dificulta, por exemplo, pesquisas brasileiras que têm a plataforma chinesa como objeto de estudo.
Giulia Tucci, vinculada ao Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e do International Center for Tropical Agriculture (CIAT), foi uma das pesquisadoras brasileiras que tiveram o trabalho científico impactado pela decisão do TikTok. De acordo com ela, o projeto que faz parte já havia desistido de estudar o X (antigo Twitter) após Elon Musk acabar com a gratuidade da API, considerada até então como uma referência para o campo acadêmico, e cobrar preços altíssimos para informações limitadas.
Ao decidirem migrar o estudo para a plataforma de vídeos, Giulia descobriu que, por não estar vinculada a uma universidade europeia ou norte-americana, não poderia solicitar informações à empresa. “Tive uma porta fechada na cara logo quando abri o site da plataforma”, explicou. Com a limitação, decidiu então estudar o Telegram, que ainda possui API gratuita, acessível e estrutura para a academia.
A situação, ainda de acordo Giulia, faz com que pesquisadores do Sul Global precisem utilizar formas alternativas, como programas de extração de dados, para conseguir informações das plataformas, o que requer muito mais trabalho e até mesmo conhecimento de programação. “O dado vem com menos informação, menos volume, além de precisar de mais tempo e esforço do pesquisador para conseguir essas informações”, explicou.
Além disso, com as dificuldades encontradas, os profissionais acabam deixando de priorizar essas plataformas com API restritas, limitando ainda mais as análises sobre o que acontece nesses ambientes digitais no Brasil. “Nós já temos desigualdades econômicas entre esses países [do Norte e Sul Global], agora há ampliação também das desigualdades de acesso a dados”, avaliou a pesquisadora.
Marcelo Alves, pesquisador e professor da PUC-Rio, também afirma que as diferenças entre as condições de pesquisa entre países do Norte e do Sul Global já existem e são reforçadas por decisões de limitação de acesso a dados, como a do TikTok. “O que ocorre é que não somente a desigualdade [de condições de pesquisa] é intensificada, mas também o processo de pesquisa passa a se tornar completamente inacessível a pesquisadores, que passam a ser pesquisadores num grupo ‘abaixo’, pois não têm o direito a acesso a dados e a autonomia pra conduzir seus processos de pesquisa”, explicou Marcelo.
Para Marcelo, estamos passando por um processo “cada vez mais severo de retrocesso” no acesso e compartilhamento de dados por parte das plataformas digitais. Como contou o pesquisador, havia anteriormente um movimento global de construção de ferramentas acadêmicas abertas, como o Netviz. “Hoje, todas essas ferramentas deixam de funcionar e acaba se criando ferramentas internas das plataformas de maneira bastante desigual e inconstante entre os diferentes grupos”, comentou.
A API é a sigla em inglês para Application Programming Interface, cuja tradução significa Interface de Programação de Aplicações. Na prática, a API funciona como uma espécie de abertura fornecida pelas empresas de software para que terceiros tenham acesso a partes do código da infraestrutura, tanto para extração de dados como para criação de funcionalidades e programas específicos.
PL 2630 prevê obrigação de acesso a dados para pesquisadores brasileiros
A abertura da API do TikTok para os pesquisadores da Europa foi anunciada em julho passado, dias antes do início da implementação da Lei europeia de Serviços Digitais (o DSA, na sigla em inglês). O texto legislativo determina que as plataformas concedam acesso aos dados internos para pesquisadores devidamente habilitados pela Comissão europeia. Nos EUA, mesmo sem aprovação de regulação, a funcionalidade está disponível desde o início de 2023.
No Brasil, o acesso aos dados está previsto no texto do Projeto de Lei 2630/2020, também conhecido como “PL das Fakes News”, e que atualmente aguarda votação no Congresso Nacional. O documento pontua que os provedores viabilizem o acesso gratuito a instituições científicas, tecnológicas e de inovação a dados, inclusive por meio de interfaces, como as APIs.