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jul 1, 2022 | destaques, notícias

Fim do CrowdTangle pode impactar eleições brasileiras

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Os jornais norte-americanos anunciaram que o fim do CrowdTangle parece ter sido decretado. Segundo a Bloomberg, a Meta começou um processo interno em fevereiro deste ano para encerrar o CrowdTangle, mas resolveu esperar após o início da aprovação da lei europeia, a Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act, em inglês). Essa lei histórica prevê transparência sobre como as plataformas amplificam o conteúdo que gera polarização. O plano, porém, continua em pé, disse uma fonte à Bloomberg. De acordo com uma fonte da Meta, alguns engenheiros do Facebook já haviam sido recrutados para encerrar a ferramenta.  O processo de desmonte não é novo. Mesmo com um número reduzido de funcionários para o padrão da Meta, a equipe CrowdTangle foi dissolvida dentro da empresa mãe ao longo de 2021. Como reportado aqui no *desinformante, dezenas de funcionários foram remanejados para novas áreas em outras partes da empresa do grupo ou demitidos, como o fundador e ex-diretor executivo do CrowdTangle, Brandon Silverman que deixou o grupo em outubro 2021. Silverman passou a advogar por mais transparência das plataformas e foi consultado pela comissão europeia e senado norte-americanos sobre o tópico. 

Os pesquisadores brasileiros alertam que o possível fim do CrowdTangle, em meio às eleições brasileiras, pode ter um grande impacto no país. “Com possíveis mudanças no CrowdTangle, inclusive o não aceite de novos pesquisadores, as plataformas tornam ainda mais opaca uma conduta que já é bastante duvidosa no que toca ao combate à desinformação. A falta de resposta e a criação de estratégias efetivas nas plataformas digitais e aplicativos de mensagem são ainda mais críticas em período eleitoral”, defende Marília Gehrke, pesquisadora da Universidade da Dinamarca do Sul (SDU), utilizadora da ferramenta para pesquisas no campo da desinformação.

“Nossas pesquisas utilizam muitos dados do CrowdTangle, já que é nossa única fonte de dados do Facebook”, explica Wilson Ceron, pesquisador do Observatório da Mídias Sociais e Sociedade (DMSO) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que utiliza a ferramenta. “Nosso grupo [DMSO] concluiu recentemente um estudo que mostra a relação de discursos coordenados sobre vacina em grupos do Facebook através de dados obtidos dessa ferramenta. Sem ela, não sei como poderemos ter dados sem ferir os termos de uso da plataforma”, defende o pesquisador. 

“Por vezes, a desinformação é uma estratégia de campanha para manter a base de seguidores alinhada e inflamada. Via Crowdtangle, se consegue ao menos ter uma ideia do impacto de uma publicação, tornando essa uma ferramenta útil para mapear a circulação de conteúdo falso”, explica Marília Gehrke

“As plataformas têm grande responsabilidade na publicação e distribuição de conteúdo online, em que informação de qualidade e ruído se misturam. Ainda assim, é muito difícil para que pesquisadores obtenham dados detalhados para ajudar a explicar fenômenos complexos como a desinformação. As redes sociais digitais costumam ser bastante fechadas em relação aos seus procedimentos internos e também são bastante restritivas em relação ao conteúdo que pode ser acessado e utilizado nas pesquisas”, analisa Gehrke.

O CrowdTangle é uma das melhores ferramentas que os pesquisadores têm, segundo Gehrke. Além de permitir a extração de dados sem conhecimento de programação, a ferramenta provê algumas análises dos dados. “Por questões de privacidade e regras explícitas de uso, plataformas como o Facebook e Instagram impõem várias restrições na raspagem e na coleta de dados inclusive em páginas públicas. A ferramenta Crowdtangle, portanto, costuma ser uma alternativa para obter insights e apontar dados quantitativos sobre desempenho de um post, visto que engajamento é uma métrica importante para saber em que medida uma postagem repercutiu entre os apoiadores de um determinado político em sua página pública, por exemplo”, explica a pesquisadora.

 

Meta deixou de investir no CrowdTangle 

Segundo a Bloomberg, a Meta cancelou um subsídio de 40 mil dólares que concedia a dois parceiros para conduzir estudos sobre a discussão pública em torno da pandemia de Covid-19 usando dados do CrowdTangle. Em janeiro deste ano, a Meta encerrou a inscrição de novos usuários na plataforma, alegando falta de equipe, sem contratação de gente para ajudar na provisão de acesso à ferramenta. Isso gerou muita discussão e mistério sobre os futuros planos da empresa para a CrowdTangle.

De acordo com funcionários da Meta, menos de cinco engenheiros da equipe de integridade do Facebook de Londres estavam trabalhando para manter a ferramenta viva. Nenhuma novidade foi adicionada à ferramenta em mais de 16 meses. Antes do desmonte, atualizações e novas funcionalidades eram apresentadas mensalmente. Pesquisadores e jornalistas costumavam receber uma newsletter apresentando essas novidades e estudos com dados da plataforma. 

O CrowdTangle passou a ter pouco suporte para as milhares de organizações e profissionais que usam a ferramenta diariamente, o que inclui as organizações de verificação de fatos como Lupa e Aos Fatos, parceiras do Facebook no programa de combate à desinformação. Centenas de pesquisadores, veículos de mídia e ativistas de direitos humanos também estão sem suporte à ferramenta, que era conhecida por oferecer treinamentos personalizados para equipes sempre que necessário. 

“Para ter acesso à ferramenta, além de submeter uma proposta de pesquisa, nós passávamos por um treinamento com uma profissional da equipe, que estava à disposição para esclarecer dúvidas e oferecer treinos adicionais. Antes de encerrar o pedido de acesso a pesquisadores e profissionais, a Meta estava apenas enviando um vídeo para a equipe assistir”, conta Wilson Ceron. 

 

Novas ferramentas e o acesso exclusivo de checadores

Ceron defende que esse fim pode ser temporário: “Há muita esperança nas leis que a União Europeia está promovendo para maior transparência, como o Digital Markets Act (DMA) e Digital Services Act (DSA)”. Para ele, a Meta terá de abrir os dados, sejam com CrowdTangle ou outra forma. “O problema é que nesse tempo, estaremos nas mãos da Meta”, reflete Ceron. 

Ceron não está errado. De acordo com a Bloomberg, provavelmente uma nova ferramenta será lançada com algumas das características do CrowdTangle, porém com maior restrição. A empresa designou sua equipe de transparência de dados para trabalhar nessa ferramenta substituta que forneça dados de forma mais segura e respeite a privacidade dos usuários. Desde março de 2021, pesquisadores também podem pedir acesso a uma nova interface de programação de aplicações (API) destinada à pesquisa acadêmica. Apesar de ser uma opção, pesquisadores comentaram que não é fácil de usar como o CrowdTangle e o acesso ainda é restrito a universidades com recursos. 

Ontem, Silverman comentou pela primeira vez sobre o assunto no Twitter. Um dos pontos levantados foi que jornalistas e a sociedade civil têm um papel importante em defender a democracia. A limitação do acesso aos dados da plataforma coloca em risco seus papéis. Além disso, Silverman destacou que tem receio que a equipe da Meta tenha uma ideia diferente sobre academia e a sociedade civil, o que pode acabar construindo uma ferramenta mais focada nos consumidores do que nos interesses desses grupos.

 

 

 

Meta responde 

Em resposta à Bloomberg, Meta disse que está consciente de um potencial problema no serviço do CrowdTangle e o abordará o mais rapidamente possível. A empresa também informou que fornece outra ferramenta dedicada a verificadores de fatos parceiros, permitindo rastrear conteúdos falsos e enganosos em suas diferentes plataformas ao mesmo tempo que podem rotular esses conteúdos quando for o caso. Segundo os checadores, essa ferramenta é aberta apenas a empresas parceiras e serve para controlar quantas checagens o parceiro realizou, já que os valores são feitos com base em um limite máximo de checagem por mês. Todas as checagens feitas além das estabelecidas em contrato não são pagas pela Meta. Em anônimo, os checadores disseram que dificilmente ultrapassam muito da quantidade estabelecida, já que não tem equipes suficientes. 

A Meta, então Facebook, comprou o CrowdTangle em 2016. Na época, a empresa tinha divulgado uma campanha da Rússia para influenciar as eleições presidenciais americanas. No anúncio da aquisição, Meta apontava que a ferramenta iria ser útil para editores de jornais monitorarem o desempenho de seu conteúdo nas plataformas do grupo, como Facebook e Instagram, e adotarem melhores estratégias. A ferramenta acabou sendo útil para pesquisadores também, já que após o escândalo da Cambridge Analytica, o Facebook criou políticas ainda mais restritivas de uso de dados da plataforma, principalmente através de extração por ferramentas computacionais. Isso limitou a extração de dados por parte dos pesquisadores apenas aos disponíveis no Crowdtangle.

Quando o público debateu a disseminação de informações falsas no ambiente digital, o CrowdTangle tornou-se uma das principais ferramentas para a percepção das estratégias de manipulação das mídias sociais. Isso gerou desconfo para Meta, que utilizava muitas vezes contestava publicamente as conclusões que os jornalistas e pesquisadores chegaram a partir de buscas no CrowdTangle. 

Os pesquisadores já haviam detectado uma discrepância entre os dados fornecidos pela plataforma e os dados que divulgados publicamente através de seu relatório de conteúdo amplamente visualizado. O CrowdTangle ajudou a resolver parte do caso. Parte dos dados fornecidos tinham deixado de fora cerca da metade dos usuários americanos do Facebook. Os executivos não suportavam mais uma característica que resultou em tantas crises de relações públicas para a empresa.

 

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