“Se a gente está num Estado de Direito, como assim a gente vai naturalizar que uma pessoa seja perseguida? A gente não tem um sistema de Justiça que nos proteja e isso pra mim é muito gritante”, Renata Souza, 40, jornalista e deputada estadual.
A relação de Renata Souza com as plataformas de mídias sociais se transformou em 2018, assim que ela foi eleita deputada estadual do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Os votos terminaram de ser apurados em um domingo e, logo na segunda-feira, ela foi alvo de ataques virtuais nas suas contas de Facebook, Twitter e Instagram.
“O número de seguidores nos meus perfis subiu absurdamente. Foi um ataque coordenado em todas as minhas redes. A gente teve que entrar rapidamente em contato com Facebook e Instagram, e foi ali que nós certificamos as nossas páginas. Se não, seríamos derrubados pela própria plataforma”, Renata Souza.
Nascida e criada na Favela da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, Renata atua na defesa dos direitos humanos há mais de 12 anos. Em 2016, com a eleição da então vereadora Marielle Franco, assumiu a chefia do gabinete do mandato e também atuou como coordenadora de comunicação da campanha.
Após o assassinato de Marielle, em 2018, Renata acompanhou de perto todo o processo de ataques que se sucedeu após o crime que vitimou, além da vereadora, o motorista Anderson Gomes.
“Antes do assassinato, não havia ataques coordenados. Depois, as redes dela começaram a ser muito atacadas. Só que nunca foi um ataque coordenado. Tanto que até hoje, por exemplo, a família preserva o Facebook dela”, Renata Souza.
A ameaça de cassação do mandato
Em maio de 2019, um novo episódio marcou a vida política da deputada: após denunciar Wilson Witzel, então governador do Rio de Janeiro, pela violência cometida pelo Estado nas favelas cariocas, para a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos), Witzel passou a perseguir Renata e, publicamente, pediu aos deputados que compunham sua base de apoio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que o mandato da deputada fosse cassado. Na época, um episódio ficou famoso: com os braços erguidos e a mão suspensa, o governador chega de helicóptero no fim de uma ação policial que terminou com a morte de Willian Augusto da Silva, um jovem de apenas 20 anos, morto por um sniper da polícia do Rio de Janeiro. O homem havia sequestrado um ônibus com 39 pessoas na ponte Rio-Niterói, que liga a capital fluminense ao município vizinho. Ao mesmo tempo, um helicóptero da polícia jogava bombas nas ruas da Cidade de Deus.
“O uso de helicópteros do jeito que foi feito é proibido até em países em guerra. A gente sabia que ele era o candidato do Bolsonaro aqui no Rio. Então, quando eu o denunciei, os ataques voltaram. É importante dizer que até em países em guerra é proibido o uso de helicóptero como plataforma de tiros. O ato é considerado crime de guerra. Mas aqui no Rio o governador usou e ainda se vangloriou disso”, Renata Souza.
Posteriormente, mas ainda naquele mesmo ano, a Alerj aprovou a abertura de um processo de impeachment contra Wilson Witzel, por suspeita de corrupção nas compras de respiradores e contratos superfaturados com organizações sociais para a construção de hospitais de campanha utilizados no enfrentamento à pandemia de Covid-19.
Na época, Renata, outros deputados e até a imprensa alegaram e mostraram que Witzel tentou manipular a Alerj inteira, barganhando o apoio de deputados para não ser retirado do cargo. Sem sucesso, Wilson Witzel foi condenado na Alerj de forma unânime e se tornou, no dia 30 de abril de 2021, o primeiro governador cassado por processo de impeachment na história da República.
“Ele foi eleito pelo bolsonarismo. Depois, mais tarde, foi abandonado. Por quê? Porque roubou na pandemia e a cassação dele na Alerj era inevitável. Além disso, aquele processo fez com que a lógica dos ataques na internet operada ali naquele momento se tornasse muito simbólica e evidente”, Renata Souza.
O impacto das fake news na vida pessoal e política
Em 2020, Renata voltou a ser alvo dos ataques ao se candidatar à prefeitura do Rio de Janeiro. Após a desistência de Marcelo Freixo, ela foi indicada para concorrer ao cargo por ter sido a deputada estadual de esquerda mais votada na eleição anterior, com mais de 63 mil votos, e por já ter um mandato com grande expressão na defesa dos direitos humanos.
Naquele ano, em meio à campanha, os ataques contra Renata se multiplicaram. Uma publicação teve repercussão especial: ela trazia uma foto e o suposto endereço da deputada com a seguinte mensagem: “Renata mora neste prédio, onde coloca na janela da sua casa uma caixa de som para gritar ‘Fora Bolsonaro’. Ela é a grande estimuladora deste movimento na zona sul do Rio de Janeiro”.
Desde que foi eleita, em 2018, Renata precisou sair da casa em que morava no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, por conta da sua segurança. Desde então se mudou para a Zona Sul.
Após aquela mensagem, largamente difundida em meio à campanha eleitoral, Renata viu sua segurança novamente em risco e a desinformação teve um grande impacto na sua vida: moradores do prédio começaram a se sentir inseguros por conta da sua presença e possíveis atentados e esse foi um dos elementos que fez com que em 2021 ela tivesse que se mudar novamente.
“Depois de tudo que aconteceu comigo, a gente procurou o sistema de Justiça e a resposta foi: ‘ela é uma pessoa pública e está sujeita a isso’. Então você também não tem um sistema de Justiça que te proteja. Isso para mim foi muito gritante. Eu não consegui tirar das redes e aquele post continuou rodando”, diz.
Posteriormente, as plataformas removeram o conteúdo. No entanto, o estrago já estava feito e o impacto daquela montagem já tinha sido muito grande, causando grande prejuízo na vida pessoal de Renata, da sua equipe e familiares.
As eleições de 2020 ainda reservaram outros episódios de violência para Renata. Durante uma live de lançamento da sua candidatura, a reunião virtual foi invadida por bolsonaristas, que conseguir violar a plataforma digital em que o encontro estava sendo realizado e começaram a compartilhar imagens do presidente na tela. Como se tratava de uma plataforma ainda pouco conhecida pela equipe de Renata, ninguém imaginava que aquilo poderia acontecer. Mais do que isso, a única forma de combater e denunciar aquele ataque era enviar um e-mail para o endereço que a plataforma disponibilizava em seu site.
Desde que entrou para a vida pública, Renata é uma das pessoas mais atacadas pela máquina de desinformação que, lamentavelmente, tomou conta das campanhas políticas no Brasil. Nas eleições de 2022 não foi diferente. Esta campanha eleitoral, que ainda não teve fim, já pode ser considerada uma das violentas da história. Casos como o do assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT (Partido dos Trabalhadores) em Foz do Iguaçu, se somaram a outros episódios que tornam evidente a necessidade de ação do Estado para este segundo turno.
“Eu aumentei a minha segurança para essas eleições e não fui nas áreas de milícias. A minha agenda não foi publicada nas redes sociais e olha que problema: eu sou uma candidata. As pessoas precisam saber onde estou, mas eu não posso falar. Não temos mais liberdade de ir e vir. A minha circularidade está impedida, restrita e limitada”, Renata Souza.
As redes sociais se transformaram no ambiente perfeito para a proliferação da política do ódio, da violência e para a reprodução da desinformação. Apenas uma lei ou iniciativas isoladas jamais serão suficientes. Mais do que nunca, é preciso criar uma política pública transversal, que passa por um processo pedagógico, pela ação das instituições do Estado, pelos meios de comunicação e também por iniciativas dentro das próprias redes.
“É muito complexo e por isso não tem solução imediata. O poder judiciário também vai ter que se adaptar a essa realidade e coibir que esses crimes se perpetuem sem uma ação que dê conta da responsabilização dos autores do crime. É um complexo de ações que precisam ser operadas e hoje não há qualquer vontade política para fazer algo nesse sentido”, Renata Souza.
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