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Especial: Violência política mudou cenário eleitoral

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O que é violência política, quais os impactos e o que dizem os estudos

O medo da violência política pode afastar até 9% do eleitorado brasileiro no dia 2 de outubro. O dado, apontado em recente pesquisa do Datafolha, mostra as consequências do sentimento retratado também no estudo “Violência e Democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022 – Percepções sobre medo de Violência, Autoritarismo e Democracia”: 67,5% dos brasileiros têm medo de serem agredidos fisicamente em razão de sua escolha política ou partidária. 

A violência política é um conceito bastante disputado. De acordo com Clarice Tavares, coordenadora da área de Desigualdades e Identidades do InternetLab, pode-se entender violência política como um ato organizado ou individual que busca intimidar e evitar que um candidato, pessoa ou até pauta avance. “É esse movimento de tentar barrar, chantagear, ameaçar e intimidar determinadas pessoas”, explica.

Para a pesquisadora, é importante ter em mente que a violência política pode ser colocada de diversas formas, como um discurso de ódio nas redes sociais ou uma agressão física. “Pode chegar ao extremo que é o caso da Marielle Franco, que chegou a assassinato”, afirma Clarice Tavares. O mesmo alerta foi apontado no relatório Violência e Democracia: “O discurso de estímulo à agressividade política e institucional tem sido comum, chegando à violência letal, por parte de civis, em episódios recentes”.

Apenas no segundo semestre deste ano dois crimes aconteceram após divergências ou discussões políticas. Apesar de a Polícia Civil do Paraná descartar motivação política no assassinato de Marcelo Arruda, em julho, a provocação inicial feita pelo assassino Jorge Guaranho se deu a partir de divergências políticas no aniversário de Arruda que tinha como tema o Partido dos Trabalhadores. A mesma divergência tirou a vida de Benedito Cardoso dos Santos, em setembro deste ano, em Mato Grosso. “O que levou ao crime foi a opinião política divergente. A vítima estava defendendo o Lula e o autor defendendo o Bolsonaro”, disse o delegado.

A pesquisa Violência e Democracia, realizada realizado pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), destaca que 3,2% dos entrevistados afirmaram terem sido vítimas de ameaças pela sua escolha partidária no último mês. “Se extrapolarmos esse percentual para a população brasileira com 16 anos ou mais, isso equivale a cerca de 5,3 milhões de brasileiros ameaçados por suas escolhas políticas ou partidárias apenas no último mês”, aponta o relatório.

A polarização exacerbada desperta esse medo de também fazer parte da estatística: 49,9% dos entrevistados sentem muito medo de serem agredidos fisicamente pela sua escolha política ou partidária, enquanto 17,6% sentem pouco medo, indica o relatório ‘Violência e Democracia’. Já em relação à sensação sobre as eleições deste ano, 40% dos entrevistados na pesquisa Datafolha acreditam ser grande a probabilidade de violência política no dia das eleições e 27% acreditam que o risco é médio.

Nas ruas e no WhatsApp, clima de silêncio e medo 

O acirramento do debate público eleitoral – e a violência política advinda disso – tem gerado silêncio nas manifestações individuais este ano. Tanto na campanha que se vê no cotidiano das ruas como nas conversas dos grupos de aplicativos de mensagens, muita gente tem preferido não se manifestar.  

“Vivemos há quatro anos sob tensão, essa é a verdade, então queremos nos livrar disso, mas com medo de uma manifestação mais explícita”, afirma o médico carioca Afonso Simões*. Eleitor confesso de Ciro Gomes, ele acha que a polarização performada pelos dois primeiros candidatos tem deixado constrangidos os que optam por outros candidatos, por exemplo. “Virou uma eleição do bem e do mal e isso é muito autoritário e opressor”, define.

“A questão da violência me incomoda muito. O meu chefe é bolsonarista roxo, evito qualquer comentário, qualquer conversa política com ele. Porque ele não vai me convencer e nem eu a ele”, conta a gestora cultural Valéria Rocha*, para quem as pessoas “perderam a mão” no debate político e estão entendendo mal a liberdade de expressão. 

A psicóloga Anne Louise Siqueira de Azevedo, exibindo adesivos de candidatos do campo progressista no peito, analisa: “Vivemos agora um embate psicológico, tem um componente psíquico do medo e da agressão que acaba refletindo em silêncio”. Diante deste cenário, ela decidiu que deveria expor sua opção nas ruas e afirma que tem encontrado empatia dos que compartilham o mesmo espectro político e respeito de quem tem opções divergentes. 

A fisioterapeuta Regina Célia retirou a bandeira de Bolsonaro da sua janela com medo de retaliações por parte dos vizinhos do prédio em  Botafogo. “Notei que muitas pessoas no prédio são contra Bolsonaro. Achei melhor votar sem exibir o meu voto”. 

Se nas redes sociais o discurso de ódio e desinformação são constantes, nos grupos familiares dos aplicativos de mensagem a política é um assunto evitado. Muito por conta da experiência de 2018 em que o aplicativo foi usado para espalhar desinformação e acirrar o debate a ponto de provocar rompimento de laços familiares. E não menos importante, a exaustão em relação ao volume de informação e desinformação que circula nas redes.

Uma pesquisa realizada pelo InternetLab com a Rede de Conhecimento Social mostra essa nova política nos grupos de WhatsApp desde as últimas eleições. Os dados de 2021 mostram que 58% das pessoas dizem  estar se policiando mais em relação ao que fala nos grupos (era 40% em 2020), enquanto 64% evitam compartilhar mensagens que possam atacar valores de outras pessoas (57% em 2020) e 50% dizem evitar falar de política no grupo da família para fugir de brigas.

Tal cenário de polarização e casos de violência política é impulsionado pelas plataformas digitais, como indica a coordenadora do InternetLab, Clarice Tavares. “Com a centralidade que as plataformas digitais ganharam nesses últimos anos para a discussão política, elas acabam virando, também, esse palco central da violência política como consequência.”, afirma.

# Os nomes Afonso Simões e Valéria Rocha são nomes fictícios. Os entrevistados preferiram não se identificar. 


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