“As fake news tornam a violência mais intensa e incentivam que os nossos corpos se distanciem desses espaços. O impacto nas redes sociais e o impacto midiático corroboram, inclusive, para o aumento e crescimento dessas violências que são cotidianas nas nossas vida”, Benny Briolly, 30, 1ª trans eleita vereadora no Rio de Janeiro.
Aos 28 anos de idade, Benny Briolly se tornou a primeira mulher trans a ser eleita para um mandato como vereadora na Câmara Municipal de Niterói, no Rio de Janeiro. Para ela, sua chegada ao poder representa, acima de tudo, uma possibilidade de enfrentamento da velha política conservadora, fascista, distante do povo que vive na favela e que não se enxerga nos espaços de poder.
Nascida e criada em Niterói, Benny viveu até os 20 anos de idade na zona norte do município. Sua carreira política se iniciou em 2013, ano em que se filiou ao PSOL. Por ser uma mulher trans, negra e da periferia, Benny é um corpo que carrega muita diversidade em um país que continua violando os direitos humanos de grupos minorizados.
Um exemplo disso é que no mesmo ano em que se tornou vereadora, 175 foram assassinadas, segundo o Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras 2020, produzido pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Até hoje, o Brasil continua a ser o país que mais mata pessoas trans no mundo.
Ao ocupar uma vaga tão relevante na Casa Legislativa de Niterói, Benny mostrou que é possível trilhar um novo caminho, em que sua história não é resumida apenas pela violência que sofre cotidianamente. Isso, claro, não significa que ela também não teve que reunir forças para enfrentar a LGBTfobia do mundo político.
O ataque do deputado bolsonarista
Durante a campanha eleitoral, Benny foi vítima de ataques e até de ameaças de morte em suas redes sociais. Mas foi no dia 17 maio de 2022 que um episódio marcaria a sua vida política: a vereadora foi vítima de racismo e transfobia pelo deputado estadual Rodrigo Amorim durante uma sessão ordinária na Alerj.
Três dias após o ataque, Benny registrou a ocorrência na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Enfurecido pela denúncia, Amorim enviou um e-mail com ameaças de morte, caso ela não retirasse as acusações contra ele. A ameaça foi feita para o endereço de e-mail que Benny disponibiliza para atender a população. De acordo com a parlamentar, Amorim também teria usado palavras de baixo calão, feito ofensas à vereadora no gênero masculino e com termos racistas.
No mesmo e-mail, Amorim se refere a Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018, de maneira ofensiva e admitindo que quebrou a placa com o seu nome. Por ser um aliado político do presidente Jair Bolsonaro (PL), ele disse ter a certeza de que não seria punido pelos seus atos.
Benny seguiu com a denúncia na Justiça e, em agosto deste ano, o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) tornou réu o deputado por violência política de gênero, sendo este o primeiro caso em que um deputado irá responder pelo crime no Brasil.
“A violência contra a população LGBTQIA+ é gigante no estado do Rio de Janeiro, que teve a primeira mulher travesti eleita e continuo sendo a única. O caso da violência política de gênero que torna réu um deputado por praticar uma violência política de gênero baseada em fundamentos transfóbicos é importante. Significa que a sociedade está avançando no sentido de corrigir as desigualdades e tornar os nossos corpos historicamente apagados dentro da política brasileira”, Benny Briolly.
A saída do país e a resistência em prol da luta social
Devido às ameaças e às violências de gênero que vinha sofrendo, Benny tomou a decisão de sair do Brasil em 14 de maio. Na época, ela gravou um vídeo cobrando respostas do Estado brasileiro sobre a situação que estava passando e lamentou por ter que se afastar do mandato provisoriamente.
“O meu corpo representa na política um projeto de sociedade que não é o Brasil escravocrata, da LGBTfobia e do genocídio da população negra. O meu corpo é contra tudo isso e a minha política reivindica uma sociedade que não é a sociedade nos pilares do capitalismo brasileiro”, Benny Briolly.
Para ela, sua saída forçada do país trouxe à tona o fato de que o Brasil continua a ser desigual com determinados corpos, mesmo quando se chega aos espaços e estruturas de poder. A vereadora também diz que as chamadas fake news (notícias falsas, em tradução livre) agravam os processos dessas violências.
“Elas tornam a violência mais intensa e incentivam que os nossos corpos se distanciem desses espaços. O impacto nas redes sociais e o impacto midiático corroboram, inclusive, para o aumento e crescimento dessas violências que são cotidianas nas nossas vidas”, Benny Briolly.
Benny retornou ao país no dia 31 de maio. A vereadora avalia que os crimes de ódio e as violências são fatores cruciais que afastam as pessoas trans da política, mas que também o não-reconhecimento e a invisibilidade histórica são uma forma de apagamento, silenciamento e, principalmente, de violência.
De acordo com o levantamento “Candidaturas Trans em 2022”, produzido pela ANTRA, houve um novo recorde de candidaturas trans no país em 2022, com um total de 76 candidates. O aumento foi de 44% em relação a 2018, quando havia 53 pessoas trans na disputa eleitoral.
Deste total de candidaturas, 67 (88%) são de travestis e mulheres trans; cinco (7%) são homens trans; e quatro (5%) são de pessoas com identidades não binárias. 36 estão disputando com o nome social. Apesar do avanço no número de candidaturas, também é preciso estar atento aos projetos de lei que são contra os direitos da população LGBTQIA+.
Segundo pesquisa realizada pela Escola de Gêneros, foram listados 247 PLs (Projetos de Lei) que estão em tramitação no Congresso Nacional, sendo 12 no Senado, e 245 na Câmara dos Deputados. Outro levantamento, este produzido pela Agência Diadorim, aponta que em 3 anos, deputados apresentaram mais de 120 PLs anti-LGBTI+ nos estados.
Além de combater a violência estrutural dentro do espaço político, a vereadora afirma que muitos candidates trans precisam lutar por espaços dentro dos próprios partidos políticos, como o apoio através do fundo partidário e a garantia de segurança.
“Quantas pessoas trans estão dentro dos partidos e dos pleitos disputando uma narrativa de uma política justa e igualitária? Com amparo institucional para promoção da diversidade, da igualdade e da equidade sobre os seus corpos dentro da política? Isso ainda é raridade. A gente sabe que no Brasil que a gente vive, ainda não conseguimos alcançar marcos para a democracia a partir da narrativa dos corpos das pessoas trans, principalmente dentro do espaço institucionais”, Benny Briolly.
Pelo fim da violência, Benny é esperançosa e reforça que um dos primeiros passos é reconhecer como corpos trans corroboram para os avanços na nossa sociedade.
Segundo a ANTRA, as travestis e transexuais do gênero feminino continuam sendo um grupo de alta vulnerabilidade à morte violenta e prematura no país. Enquanto a população geral tem uma expectativa de vida na média de 75 anos, desta população é 35.
“O reconhecimento é um primeiro passo. Inclusive, dentro da esquerda brasileira, para que os nossos corpos sejam visíveis e que a equidade possa ser algo oficial e não só a partir do discurso e de uma narrativa eleitoreira. Quando de fato nós tivermos um entendimento que os corpos trans ainda estão para trás de muitos processos no que se refere à igualdade na política institucional brasileira, nós vamos fazer com que esses corpos sejam validados e que essas políticas comecem a propor mudanças na sociedade”, Benny Briolly.
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