Nesta quarta-feira (6), começa a valer o chamado “tarifaço” de Donald Trump, que impõe tarifas de 50% sobre produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos. Publicado na semana passada, o decreto oficial apresenta quase 700 exceções, incluindo setores estratégicos como o de aviação e produtos como suco de laranja, o que revela o caráter político do movimento mais do que seu impacto econômico direto.
O texto do decreto cita a suposta perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro como parte das motivações para a medida, reforçando o uso do tarifaço como instrumento de pressão geopolítica em um cenário de crescente tensão entre os dois países.
Mais uma vez, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas à atuação das plataformas digitais estadunidenses no Brasil foram alvo de duras acusações por parte do governo de Donald Trump. Entre as principais, estão:
- Emissão de ordens judiciais para remoção de contas ou conteúdos pertencentes a cidadãos dos Estados Unidos;
- Bloqueio da capacidade de arrecadação de fundos por esses cidadãos em plataformas digitais;
- Imposição de mudanças nas políticas de moderação de conteúdo, práticas de execução ou nos algoritmos de plataformas, com potencial para censurar publicações e contas de norte-americanos;
- Compartilhamento de dados de usuários com as autoridades brasileiras, o que, segundo o governo Trump, teria facilitado o direcionamento de críticos políticos dentro dos Estados Unidos.
Embora o decreto não detalhe quais ações teriam motivado essas alegações, é possível relacioná-las a decisões recentes do STF como as suspensões do Rumble em fevereiro, e do X, em agosto do ano passado, por descumprimento de ordens judiciais. Também houve pedidos de bloqueio de perfis que propagavam desinformação ou atacavam instituições brasileiras.
Soberania digital em debate: governo recua e negocia com big techs após tarifaço
As sanções impostas por Donald Trump despertaram um intenso debate público sobre a soberania nacional e digital do Brasil. O próprio governo federal passou a evocar essa narrativa como forma de enfrentar a ofensiva norte-americana e justificar suas reações. Ainda assim, como estratégia para tentar conter os impactos econômicos da crise, o Planalto optou por abrir uma frente de negociação com as big techs, mesmo após ter declarado que a regulação das plataformas seria inegociável.
O vice-presidente Geraldo Alckmin lidera as conversas com empresas como Google, Meta, Amazon e Apple. Em pauta estão desde críticas à decisão do STF que responsabiliza plataformas por conteúdos ilegais até pedidos por isenções fiscais e previsibilidade regulatória.
Os pontos levantados pelas plataformas passaram a ser discutidos em uma mesa específica de trabalho e podem influenciar dois projetos de lei em elaboração: um voltado à regulação de conteúdo e outro com foco em medidas para limitar o poder de mercado dessas empresas e estimular a concorrência.
Para o professor David Nemer, especialista em estudos de mídia na Universidade da Virgínia, esse movimento revela uma contradição do governo. “Ao mesmo tempo que levanta o discurso de soberania nacional, o Estado brasileiro continua altamente dependente das tecnologias dos EUA e gasta recursos públicos com elas, inclusive com plataformas que agora tenta regular”, afirma.
Ele cita como exemplo o projeto de Política Nacional para os data centers, que prevê isenção total de tributos federais por um ano para componentes usados na construção de centros de processamento, beneficiando diretamente essas empresas. Nemer também aponta que o governo abriu margem para incorporar pleitos das big techs nos projetos de lei que estão sendo redigidos.
Para o pesquisador, a postura dos EUA é uma tentativa de chantagem, visando colocar o Brasil em posição de subserviência aos interesses norte-americanos, especialmente diante da aproximação com o BRICS e com a China. “Felizmente, o Brasil tem mantido uma postura firme e pública em defesa da sua soberania”, conclui.
Alexandre de Moraes no centro da investida
O ministro Alexandre de Moraes, relator das ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF) que investigam Jair Bolsonaro, aliados e apoiadores envolvidos na tentativa de golpe e nos ataques de 8 de janeiro de 2023, é citado nominalmente no documento da Casa Branca. O ministro é acusado de “abusar de sua autoridade judicial para visar oponentes políticos, proteger aliados corruptos e suprimir dissidências”, incluindo cidadãos norte-americanos, e de ter autorizado ações como prisões, apreensões de passaporte e bloqueio de contas bancárias “por motivos políticos”.
O documento afirma que o ministro teria exigido “ordens secretas” para censurar milhares de postagens e suspender contas de críticos do governo brasileiro, além de impor multas, ameaçar executivos com processos criminais e exigir entrega de dados.
O presidente Donald Trump considera que essas ações, justificadas no Brasil pela necessidade de conter conteúdos antidemocráticos e ataques ao Estado de Direito, configurariam violações à liberdade de expressão nos EUA, atingindo diretamente cidadãos e empresas do país.
Além disso, o texto menciona de forma crítica o andamento dos processos judiciais que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro, apontando uma suposta “perseguição política” promovida pelo STF e alegando que isso colocaria em risco a realização de eleições livres no Brasil em 2026, apesar das denúncias contra Bolsonaro estarem ligadas à sua atuação durante o processo eleitoral de 2022, à disseminação de desinformação institucionalizada e à tentativa de golpe investigada na Corte.
A ofensiva norte-americana contra Moraes culminou na sanção, em julho, de medidas baseadas na Lei Magnitsky, mecanismo dos EUA que permite punir autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou violações graves de direitos humanos. As sanções incluem o bloqueio de bens sob jurisdição americana e a proibição de entrada nos Estados Unidos.
Pressão internacional contra Moraes ganha força na Europa
No contexto da sanção contra Moraes, um grupo de 16 deputados europeus também pediu à União Europeia medidas contra o ministro do STF. Em carta endereçada à Alta Representante para Relações Exteriores da UE, Kaja Kallas, os parlamentares, liderados pelo polonês Dominik Tarczyński, do grupo Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), acusam Moraes de ferir direitos humanos, a liberdade de expressão e o Estado de Direito no Brasil.
Os signatários afirmam que Moraes conduz uma “campanha opressiva de censura” e concentra funções de investigador, promotor e juiz, violando o devido processo legal. A carta denuncia ainda a suposta imposição de prisões arbitrárias, bloqueio de bens, cancelamento de passaportes e ordens de censura a opositores, dentro e fora do país, críticas que se alinham ao discurso do governo Trump.
Protestos nas ruas e no Congresso elevam tensão política em torno de Bolsonaro
Manifestações convocadas por apoiadores de Jair Bolsonaro ocorreram neste domingo (3) em várias capitais do país, com maior concentração na Avenida Paulista, em São Paulo. Organizado pelo pastor Silas Malafaia, o ato teve como motes principais críticas ao ministro Alexandre de Moraes, pedidos de impeachment, ataques ao presidente Lula e apelos por anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Discursos de lideranças como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) reforçaram a narrativa de perseguição política e idolatria a Bolsonaro.
O que acabou motivando uma nova penalização a Bolsonaro, vinda na última segunda-feira (4), no entanto, foi sua aparição em vídeo e viva-voz durante os protestos em São Paulo e no Rio de Janeiro, contrariando medidas cautelares determinadas pelo STF. O gesto foi interpretado como tentativa de participação ativa em evento político. A Justiça determinou então a conversão das medidas em prisão domiciliar, com monitoramento por tornozeleira eletrônica.
No dia seguinte a essa decisão a oposição ao governo federal levou os protestos ao Congresso Nacional. Parlamentares do PL e de outras legendas bolsonaristas ocuparam nesta terça-feira (5) a Mesa Diretora da Câmara e do Senado e fizeram um ato simbólico colando esparadrapos na boca, em protesto contra a medida do STF.
Os senadores afirmaram que só deixariam o local quando o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), colocasse em pauta pedidos de impeachment contra Alexandre de Moraes. A mobilização levou ao cancelamento das sessões nas duas Casas. Em resposta, Alcolumbre classificou a ação como um “exercício arbitrário das próprias razões” e defendeu a retomada do diálogo. Já o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que decisões judiciais devem ser cumpridas.
Disputa de narrativas: como direita e esquerda reagiram às sanções dos EUA
A repercussão das sanções norte-americanas ao Brasil provocou intensa mobilização política nas redes sociais e nos grupos de mensagem.
Segundo o Instituto Democracia em Xeque, o campo conservador dominou a produção de conteúdo sobre a crise tarifária, impulsionado pela defesa de Bolsonaro feita por Donald Trump e pela leitura de que a medida seria uma retaliação ao STF, especialmente ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo que envolve o ex-presidente. Já a esquerda leu o episódio como tentativa de interferência eleitoral e exaltou a resposta institucional de Lula, que reforçou a soberania nacional e denunciou “traidores da pátria”.
Nas redes de parlamentares, a disputa também foi intensa: o PL liderou o engajamento, seguido pelo PT, com narrativas polarizadas sobre os motivos e os efeitos das sanções.
Após a formalização da medida, a consultoria Palver detectou um aumento expressivo de mensagens nos grupos bolsonaristas de WhatsApp e Telegram. Curiosamente, metade delas defendia o STF e criticava a imposição da Lei Magnitsky a Alexandre de Moraes.