Chegamos ao segundo semestre de 2025 com o Congresso pressionado a dar forma a uma agenda digital que já não cabe mais nos rascunhos. Depois de um primeiro semestre marcado por audiências públicas, lobbies intensos e decisões judiciais emblemáticas, deputados e senadores voltarão do recesso parlamentar – que começa na próxima quinta-feira (17) e se estende até o dia 1o de agosto – com uma pilha de projetos que prometem redefinir a relação entre plataformas, usuários e poder público.
No topo da lista estão dois textos que saíram do Senado com força política própria: o PL 2.628/2022, que cria um protocolo de segurança para crianças e adolescentes na internet, e o PL 2.338/2023, primeiro esforço nacional de pôr limites à inteligência artificial de alto risco. Ambos devem receber parecer ainda este trimestre e podem ser levados diretamente ao plenário, caso se confirmem os pedidos de urgência.
Ao mesmo tempo, a Câmara discute se dará fôlego ao PL 4.691/2024, focado na moderação de conteúdos e na chamada “Lei de Proteção às Liberdades Constitucionais na Internet”, tema que volta à cena impulsionado por deepfakes e ataques políticos nas redes.
A arena econômica também está em ebulição: propostas que tratam da concorrência entre marketplaces, da responsabilidade por produtos falsificados e da transparência em anúncios online dividem o corredor das comissões. Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal firmou nova tese sobre o Marco Civil da Internet, que deve orientar julgamentos semelhantes e influenciar o Congresso.
Apresentamos um panorama das propostas, com o status da tramitação e a possibilidade de avançarem e serem aprovadas ainda em 2025. Confira:
1) Crianças e adolescentes no centro do debate
Aprovado por unanimidade no Senado, o PL 2.628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), cria um marco legal para proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais. O texto obriga plataformas a adotarem medidas como verificação de idade, controle parental, padrões de segurança por padrão, proibição de perfilamento para publicidade e remoção imediata de conteúdos nocivos, como pornografia infantil e cyberbullying.
O projeto está na Comissão de Comunicação da Câmara, sob relatoria de Jadyel Alencar (Republicanos-PI), com expectativa de parecer nas próximas semanas. Um pedido de urgência já foi protocolado por parlamentares, o que pode levar o texto direto ao plenário da Câmara, sem passar por novas comissões.
A percepção de que o projeto atende a uma demanda ampla da sociedade, envolvendo famílias, educadores, empresas e o próprio Estado, tem ampliado sua adesão entre diferentes espectros políticos. “É uma oportunidade importante de dar um passo em direção a um ambiente digital mais seguro para os seus usuários mais vulneráveis”, avalia Ana Bárbara.
Organizações da sociedade civil acompanham de perto o debate. Para o Sleeping Giants Brasil, é crucial que o PL trate a moderação e a recomendação algorítmica como prioridade, dada a vulnerabilidade de crianças e adolescentes. A entidade alerta para os riscos à saúde mental e integridade física causados pela exposição desenfreada a sistemas automatizados: “Nos preocupa o crescimento de casos envolvendo atentados à integridade física e à saúde mental dos jovens expostos a recomendação algorítmica desenfreada”.
A nova tese do STF sobre o artigo 19 do Marco Civil reforça a importância do tema ao impor às plataformas o dever de cuidado, com atuação preventiva na remoção de conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes. Ainda não há data definida para a aplicação da medida.
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2) Marco da IA avança sob pressão e expectativa
O PL 2.338/2023, de autoria de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), propõe um marco regulatório para o uso ético e responsável da inteligência artificial no Brasil, com foco na centralidade da pessoa humana. O texto classifica sistemas de IA por grau de risco, proíbe os de “risco excessivo” e impõe regras de transparência, supervisão e não discriminação para tecnologias de alto impacto.
Aprovado no Senado, o projeto está em análise na Câmara dos Deputados, sob relatoria de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e presidência de Luisa Canziani (PSD-PR), em comissão especial para acelerar a tramitação. Três audiências públicas já foram realizadas; a próxima ocorre em 15 de julho, sobre governança. O cronograma prevê seminários e votação até o fim do ano.
A expectativa entre especialistas é cautelosamente otimista. Para Paula Guedes, pesquisadora do Núcleo Legalite da PUC-Rio, o cronograma e a condução técnica indicam ser possível aprovar um bom texto até dezembro. Ela alerta, no entanto, para a crescente pressão de big techs com argumentos “enviesados e pouco atualizados”. E reforça: “Se quisermos um marco regulatório equilibrado, será essencial garantir maior participação da sociedade civil, com diversidade de vozes e real representação de raça, território e gênero”.
Na leitura do Sleeping Giants Brasil, o PL 2.338/2023 tem chances concretas de avançar no segundo semestre, justamente por tratar de um tema que tende a gerar mais consenso entre diferentes espectros políticos. A organização expressou confiança na atuação do Parlamento e defendeu que o debate prossiga de forma célere, sem retrocessos. “As discussões já colocadas representam um caminho importante que o Brasil vem construindo na regulação de temas digitais”, pontuou.
3) Pressão por regras para as plataformas
Entre os projetos que miram a responsabilização das plataformas digitais, o PL 4.691/2024, de Silas Câmara (Republicanos-AM) e Dani Cunha (União-RJ), tem ganhado destaque na Câmara dos Deputados. A proposta institui a chamada “Lei de Proteção às Liberdades Constitucionais na Internet”, e busca garantir a liberdade de expressão, restringir o anonimato e responsabilizar plataformas com base na identificação de usuários. Também propõe deveres de moderação, transparência, relatórios periódicos e uma contribuição de 5% da receita bruta das plataformas ao FUST.
A expectativa de avanço no segundo semestre é considerada média, segundo analistas. Para Ramênia Vieira, do Intervozes, o projeto pode ganhar fôlego por conta de um novo fator: o desconforto de parlamentares com ataques e conteúdos manipulados por inteligência artificial nas redes, o que pode gerar pressão para um retorno do debate regulatório antes das eleições de 2026. Ainda assim, a proposta enfrenta resistência das big techs e críticas de entidades da sociedade civil, sobretudo pela baixa participação pública no processo e pelo descarte de pontos acumulados no debate do PL 2630/2020, relatado anteriormente por Orlando Silva (PCdoB-SP).
Paralelamente, o governo federal também articula uma proposta própria: o Marco Legal de Proteção de Usuários de Serviços Digitais, ainda em discussão na Casa Civil, sem data prevista para ser apresentado formalmente ao Congresso.
Disputa econômica: concorrência e responsabilidade
O avanço das plataformas digitais têm pressionado o Brasil a discutir regras mais claras para concorrência, publicidade e responsabilidades comerciais no ambiente online. Tramitam hoje no Congresso diferentes projetos que buscam equilibrar o jogo entre big techs e pequenos comerciantes, proteger o consumidor e reforçar o papel do Estado na regulação econômica digital. Veja os principais:
Concorrência entre plataformas (PL 2.768/2022)
De autoria do deputado João Maia (PL-RN), o projeto busca impedir práticas anticoncorrenciais por parte de grandes plataformas, como o favorecimento de seus próprios produtos e serviços frente a vendedores independentes. O texto prevê ainda um fundo de fiscalização, taxas regulatórias e ampliação dos poderes da Anatel para atuar no setor.
Especialistas alertam para o risco de o projeto ser desidratado por emendas pró-big techs e criticam a escolha da Anatel como reguladora, por sua estrutura frágil. Segundo Ramênia Vieira, a proposta tem apoio de pequenos comerciantes e do Sebrae, mas enfrenta lobby pesado. A chance de aprovação é considerada média, especialmente se for incorporada a um projeto econômico mais amplo do governo.
O PL está em tramitação na Câmara dos Deputados e deverá passar por diversas comissões antes de ser votado.
Produtos falsificados no comércio online (PL 3.001/2024)
O projeto de Júnior Mano (PL-CE) torna plataformas de e-commerce solidariamente responsáveis pela venda de produtos falsificados quando houver lucro, exigindo medidas como verificação de vendedores e canais de denúncia. Com apoio de entidades de defesa do consumidor e apelo popular, especialistas avaliam que há chance de avançar na Câmara. O texto está desde março na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, aguardando parecer do relator, deputado Gilson Marques (NOVO‑SC).
Regras para anúncios digitais (PL 4.103/2023)
De autoria de Ciro Nogueira (PP-PI), o projeto altera o Marco Civil da Internet para reforçar a transparência e a segurança em anúncios de plataformas que intermediam vendas entre usuários. A proposta ainda está em fase inicial e, segundo especialistas, tem baixa chance de avançar isoladamente, mas partes do texto podem ser incorporadas a outras iniciativas legislativas. O PL está desde novembro de 2024 na Comissão de Comunicação e Direito Digital da Câmara, onde ainda aguarda a designação de relator.
Nova proposta econômica do governo
Paralelamente aos projetos legislativos, o governo federal trabalha na elaboração de uma proposta própria de regulação econômica de plataformas digitais, coordenada pela Casa Civil e baseada em estudos da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda. A proposta visa fortalecer o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e está alinhada a experiências regulatórias da União Europeia e dos Estados Unidos. A expectativa é que o tema seja uma das prioridades econômicas do governo entre 2025 e 2026.