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Por que o resultado do primeiro turno ficou tão diferente do apontado pelas pesquisas?

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A divergência entre as pesquisas eleitorais e o resultado das urnas em alguns cargos foi um dos temas mais comentados no dia seguinte às eleições. As pesquisas, que já eram alvo de ataques principalmente por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, ficaram ainda mais na mira em razão de discrepâncias. 

No dia anterior ao primeiro turno, por exemplo, o ex-presidente Lula acumulava 50%, 49% e 51%, de acordo com o Datafolha, o Quaest e o Ipec, respectivamente. Já Bolsonaro marcava 36%, 38% e 37%. As pesquisas possuem margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Nas urnas, Lula conquistou 48,4% e Bolsonaro 43,2%.

Tal diferença causou questionamento nas redes em todos os espectros políticos:

“Os institutos de pesquisa acertaram Lula, ele teve 48% dos votos e os institutos estavam nessa faixa, de 48 a 51%. Então as pesquisas acertaram um candidato, o outro candidato estava abaixo nas pesquisas e de repente sobe e os dois que estavam abaixo, Ciro e Simone Tebet, caem”, analisa Roberto Olinto, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Para Olinto, esse cenário pode ser explicado por dois fatores.

O primeiro deles é a defasagem do censo demográfico do IBGE, cujo objetivo é contar os habitantes do território nacional, identificar as suas características e revelar como eles vivem. O último censo da população brasileira foi realizado em 2010 e deveria ter sido realizada uma contagem da população em 2015 para atualizar alguns dados populacionais. Essa contagem não foi realizada por cortes orçamentários e o novo censo, que deveria ter sido refeito em 2020, foi adiado pela pandemia e por outros cortes de orçamento e está sendo realizado agora em 2022 com coleta de dados até dezembro.

Tal atraso e defasagem pode ser um dos fatores que resultam na imprecisão das pesquisas eleitorais. “Essas pesquisas todas, e outras pesquisas por amostragem no Brasil, usam como referência o censo. Mas você não tem hoje um retrato da população brasileira que possa dar o peso de cada um dos extratos da população e o peso é fundamental para fazer uma pesquisa, porque é exatamente o que dá a importância de cada grupo”, explicou Roberto Olinto.

Nesses últimos 10 anos, destaca o ex-presidente do IBGE, a pirâmide demográfica do Brasil mudou. Houve uma mudança na faixa etária da população votante e na renda, por exemplo. Além disso, o número de brasileiros evangélicos cresceu nos últimos 12 anos, o que não está necessariamente retratado no censo nem em dados mais recentes.

Cada instituto de pesquisa utiliza uma metodologia própria, fazer pesquisa via telefone, na rua ou na casa das pessoas, por exemplo. Isso pode trazer diferenças entre os resultados de acordo com o método. 

Migração na reta final 

No entanto, há um outro fator apontado por Olinto para a diferença entre as pesquisas eleitorais e o resultado. “Existe um segundo problema que é o seguinte. No final, houve uma migração dos dois candidatos Ciro e Tebet para o Bolsonaro. Isso não é só erro estatístico, algo aconteceu aí que deveria ser olhado qualitativamente”, aponta.

Tal perspectiva foi também levantada por Felipe Nunes, diretor da Quaest Consultoria. Em entrevista ao portal UOL, o CEO do instituto de pesquisa indicou o percentual de votos que Ciro Gomes perdeu para Bolsonaro, o que teria sido um movimento de última hora dos eleitores em relação à postura do candidato do PDT na reta final da campanha.

O CEO do AtlasIntel, Andrei Roman, em entrevista ao jornalista Guilherme Amado, também apontou a mudança do eleitorado no último momento como um dos motivos da discrepância e destacou possíveis movimentos em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, que levaram o instituto a erros nas disputas estaduais.

Em nota, o Ipec destacou que “as pesquisas eleitorais medem a intenção de voto no momento em que são feitas” e que “não são prognósticos capazes de prever o número exato de votos que cada candidato terá”. 

Roberto Olinto indica também a heterogeneidade do Brasil e mudança de opiniões. “A pesquisa faz um recorte do Brasil, mas no momento estamos vivendo em um país heterogêneo, polarizado e com as pessoas acreditando em tudo. É muito fácil você ter esse retrato mudando fortemente nos últimos dias”, aponta. “As pesquisas erram razoavelmente até em países muito mais estáveis e politicamente definidos. O Brasil não tem essa definição”, acrescenta.

Abstenções

Outro ponto elencado por Olinto diz respeito às abstenções. O número de pessoas que não foram votar foi o maior desde 1998, chegando a 20,9%. As pesquisas, no entanto, mostravam esse número muito abaixo. A pesquisa do Datafolha de 23 de setembro revelava que apenas 3% dos eleitores diziam que não iriam votar, mas 19% se colocavam como desanimados para comparecer às urnas. “Quando as pessoas são pesquisadas, elas não dizem que vão se abster, dizem que estão em dúvida”, colocou Olinto.

Essa hipótese do resultado em razão da abstenção foi amplamente explanada pelo cientista político Antonio Lavareda nas suas redes sociais. “Nenhum instituto nosso tem condições de estimar de modo razoável, pelo fato do voto ser obrigatório e os prováveis absenteístas não revelarem essa disposição. Entre todos os fatores, bastaria, dizia eu, a abstenção imprevisível para distanciar frequentemente as pesquisas e os resultados”, indicou Lavareda.

O especialista indica que o fenômeno já aconteceu antes, algo inclusive frequente:

Desinformação mudando votos

A desinformação também pode ser adicionada às hipóteses para a discrepância de dados. Apesar da impossibilidade de compreender o impacto real das informações e narrativas falsas nas vésperas do primeiro turno, o volume de conteúdo que circulou em relação a pautas morais e religiosas pode dar pistas para a migração de votos nas eleições presidenciais.

No ponto de vista do *desinformante dessa semana, o coordenador geral do projeto, João Brant, abordou, a partir de casos e pontos de análise, como a desinformação pode ter sido decisiva para que a eleição não tenha se encerrado no primeiro turno, como alguns institutos de pesquisas previam. 

“Quem analisa redes viu a força das ações de última hora da extrema-direita em todas elas, com destaque para WhatsApp, TikTok, Kwai e YouTube. Apenas para ilustrar, o vídeo do Pingo nos is falando do Marcola atingiu 1,4 milhão de views em 14 horas, em acompanhamento feito pela Novelo Data”, exemplificou Brant.

Ataques às pesquisas

O presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores já vinham realizando ataques aos resultados das pesquisas durante a campanha eleitoral. Este comportamento ficou mais intenso com o início da divulgação dos primeiros resultados, de acordo com um levantamento realizado pelas organizações Casa Galileia, NetLab, Novelo e Democracia em Xeque.

Na segunda-feira (3), os ataques aos institutos de pesquisas eleitorais continuaram no começo da tarde, de acordo com os pesquisadores. Eduardo Bolsonaro e Carlos Jordy fizeram lives nas quais destacaram os erros das pesquisas, acusaram os resultados divulgados de manipularem a opinião pública e afirmaram estar se articulando em prol de uma CPI das pesquisas. 

Gustavo Gayer, Filipe Barros e Silas Malafaia também compartilham discursos que deslegitimam as pesquisas e apoiam a CPI. Filipe Barros alega que os institutos produziram “as maiores fake news dessa eleição: suas pesquisas de opinião”. E que o consórcio formado pelos institutos e parte da imprensa deve ser investigado em CPI. Já Malafaia falou em “bandidagem e safadeza para manipular o povo”, incluindo a cobertura feita pela Globo durante as eleições durante seu ataque.

Nesta terça-feira, o Ministro da Justiça Anderson Torres pediu à Polícia Federal a investigação dos institutos de pesquisa. No entanto, Torres não especificou quais seriam os institutos alvo dessa apuração.

O líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP), também atacou as pesquisas eleitorais no mesmo dia das eleições. Em entrevista ao UOL, Barros disse que vai propor um projeto de lei que criminalize os erros em pesquisas. 

Tal proposição, para o ex-presidente do IBGE, é inaceitável. “Ninguém tem que se meter politicamente nas pesquisas, o que precisa ter são auditagens técnicas dessas pesquisas”, explica Olinto. Tal auditoria se faz necessária pela complexa metodologia dessas pesquisas, em que poucos entendem o processo.  Assim seria feita uma revisão mais técnica, mas também pelo próprio público que critica o trabalho. “Isso é positivo porque os institutos têm que se explicar, tem que modernizar”.

A narrativa de fraude, para Olinto, não se sustenta, principalmente nos institutos tradicionais de pesquisa: “Um instituto tradicional, na minha opinião, não seria comprado por uma candidatura para produzir um resultado. Os institutos tentam acertar porque eles são empresas que visam lucro e tem que ter credibilidade para isso. Um instituto desacreditado nunca mais ganha dinheiro nenhum”.

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