A desinformação não é uma novidade nas disputas eleitorais brasileiras, mas ela vem ganhando novos contornos em 2022, assim como as novas tentativas de contê-la. Em fevereiro deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral firmou acordos com as plataformas digitais para adotar medidas no combate à desinformação com o intuito de evitar a contaminação do debate público com informações falsas. As providências, no entanto, parecem não ter força para conter a dimensão e velocidade das fake news nestas eleições.
“O TSE avançou ao se aproximar das plataformas e desenhar uma estrutura de combate às notícias falsas. A realidade, no entanto, mostrou que o problema é muito mais grave: primeiro porque as fake news hoje em dia já fazem parte do repertório usual de campanha, e segundo que há uma indústria de produção capilarizada em diversos setores da sociedade. Ainda que os acordos tenham forçado as redes sociais a, pelo menos, barrarem uma parte desse volume, aquilo que permanece sem moderação tem alto poder de engajamento e impacto”, avaliou o pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e diretor do Aláfia Lab, Rodrigo Carreiro.
Esses conteúdos que permanecem sem moderação variam de plataforma para plataforma. Como o *desinformante noticiou em abril, o Twitter, por exemplo, não modera desinformação de candidato contra candidato, apenas mediante ordem judicial. Já a Meta não remove desinformação, mas reduz a distribuição do conteúdo e inclui um aviso de falso após a verificação da informação por checadores parceiros da empresa.
Com uma limitação pelas próprias regras das plataformas e com ações que especialistas já afirmaram ao *desinformante serem insuficientes, uma outra via que vem sendo explorada para combater esse tipo de conteúdo é a via judicial. Mas que também tem as suas limitações. “As medidas judiciais conseguem conter certas narrativas, mas sempre com efeitos colaterais”, ressaltou Tatiana Dourado, pesquisadora INCT.DD.
Uma das limitações da Justiça Eleitoral foi reforçada, inclusive, por um deputado que teve conteúdo limitado pelo TSE. Nikolas Ferreira, parlamentar bolsonarista eleito no último 2 de outubro, ironizou a decisão nas suas redes sociais, “o TSE ainda não consegue fazer as pessoas ‘desverem’”, tuitou Ferreira na terça-feira (11).
“O deputado tem razão”, afirmou o fundador do estúdio de data analytics Novelo Data e apresentador do podcast Tecnocracia, Guilherme Felitti. “A extrema-direita utiliza muito esse gap que existe entre a divulgação de campanhas de desinformação e a demora do TSE para julgar casos do tipo e notificar plataformas pela exclusão. A informação pode ser explicitamente mentirosa – e suponho que, em muitos casos, os divulgadores sabem disso e espalham já esperando a punição. Mas esse tempo até que o post saia do ar é suficiente para que o conteúdo seja reproduzido para milhões de pessoas”, afirmou Felitti.
“O conteúdo proibido é rapidamente publicado em dezenas, centenas de perfis diferentes, tornando o trabalho da Justiça quase impossível”, reitera Carreiro. Isso se dá muito em razão do caráter multiplataforma da desinformação e pela rede profissional de produção e circulação da desinformação.
A pesquisadora Tatiana Dourado traçou um passo a passo de como essa rede é articulada:
- Os agentes e grupos organizados sabem o tipo, o tom e os horários convenientes para soltar mensagens sem autoria em uma plataforma e isso repercutir nas outras, justamente pela força do contágio viral;
- Usuários engajados são ativados e articulados em diversas plataformas e isso põe o conteúdo para frente;
- Figuras públicas muito influentes estimulam explicitamente ataques on-line, o que alimenta a dinâmica da desinformação, encoraja a mesma atitude por parte dos seus seguidores e legitima ideias equivocadas de todo tipo.
O uso das diversas plataformas é utilizado para manter o conteúdo em circulação. De acordo com Felitti, uma das “tabelinhas” mais utilizadas entre plataformas é a dos mensageiros e YouTube, com vídeos ganhando projeção pelo tráfego direcionado a partir de WhatsApp e Telegram. “No primeiro turno também foi possível ver como vídeos publicados originalmente no Kwai e no TikTok foram reproduzidos milhões de vezes em outras plataformas, como YouTube e Twitter, o que aumentou ainda mais o alcance”, acrescentou.
Esse funcionamento ágil e multifacetado da desinformação dificulta o seu enfrentamento de forma mais ampla. Para Felitti, as plataformas e o TSE precisam ser mais ágeis na identificação e punição de conteúdos falsos. Como exemplo, o fundador da Novelo Data relembrou a live com informações falsas sobre fraude eleitoral que ficou mais de 24 horas sendo transmitida via YouTube.
Já Carreiro destaca outras possíveis formas de enfrentamento, que devem ser realizadas de forma coordenada: “A rede pode ser quebrada de várias formas, a exemplo da judicialização de casos emblemáticos, a desmonetização mais rápida de canais, derrubada de perfis hostis, incremento de iniciativas que fomentam o consumo de informação oficial, dentre outros. Quer dizer, não adianta tomar medidas pontuais, mesmo que legítimas, ou apostar em estratégias únicas”.
Atores driblam as decisões judiciais
Além da rápida circulação de desinformação impulsionada pelo caráter multiplataforma que dificulta a efetividade das ações judiciais, há outras estratégias em circulação. Um levantamento da Novelo Data com Essa Tal Rede Social sobre o debate político brasileiro nas redes sociais na semana seguinte ao primeiro turno das eleições (3 a 9 de outubro) demonstrou também outros movimentos para esquivar de determinações judiciais.
De acordo com o relatório, a extrema direita vem, no YouTube, respondendo às decisões do TSE para remoção de conteúdos, publicando novos vídeos noticiando a decisão e repetindo o argumento vetado. A Jovem Pan vem liderando essa estratégia:
“Toda nova decisão do TSE para retirar conteúdos sob pedido da campanha de Lula foi noticiada com manchetes e thumbs que replicam a informação original. Foi assim com a decisão para tirar do ar conteúdos sobre Celso Daniel e sobre o satanista do TikTok que declarou voto em Lula” – conclui o relatório da Novelo Data com Essa Tal Rede Social
Para Tatiana Dourado, isso reforça o argumento de “censura” ou “perseguição” utilizado por quem está disseminando conteúdo falso ou proibido dentro das normas da legislação eleitoral. A pesquisadora também recorda que há casos em que usuários simplesmente ignoram as decisões judiciais. Outras estratégias também estão são para driblar o juízo, como quando figuras públicas que não estão listadas na decisão publicam o conteúdo alvo de sanção. “É perceptível a criação de uma onda de ‘chacota’ sobre as decisões judiciais, o que é um recurso eficaz para gerar coesão e engajamento”, concluiu Dourado.