O Grupo de Trabalho (GTNET) da Câmara dos Deputados votou na tarde desta terça-feira (7) os últimos destaques do PL 2630/2020, conhecido como ‘PL das fake news’. Com o fim dos trâmites no GT, o substitutivo segue para votação no plenário da Câmara e o relator aponta para o diálogo com líderes para avaliar a possibilidade de que o projeto seja votado ainda esse ano para voltar ao Senado.
Desde julho do ano passado tramitando na casa legislativa, o PL 2630/2020 é analisado no GTNET desde junho deste ano. A elaboração do texto atual da ‘Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet’ contou com amplos debates com especialistas e sociedade civil em diversas audiências públicas. “O fato é que nós vencemos uma etapa na tarde de hoje. Quando o projeto tramitou no Senado Federal houve uma crítica geral de que a tramitação não dialogou com a sociedade brasileira. Eu considero que essa crítica foi superada pela Câmara dos Deputados, nós tivemos aqui um ano e meio de debates”, destacou o relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP), ao fazer uma avaliação do trabalho do grupo.
Ao longo dos debates, o texto, apesar do apelido referente às fake news, foi se construindo como uma legislação que abarca além da desinformação em si e versa sobre a internet. A proposta, portanto, inclui questões para o funcionamento de provedores de redes sociais (como Facebook, YouTube e Twitter), ferramentas de busca (como o Google) e de mensagem instantânea (como o Whatsapp e Telegram) que possuam mais de dez milhões de usuários registrados. No entanto, mesmo com amplas discussões sobre a temática, especialistas divergem sobre alguns pontos e o próprio relator Orlando Silva destacou a necessidade de ter um diálogo mais específico sobre algumas questões. Veja os principais pontos do novo texto do PL 2630/2020:
Contas automatizadas
O PL veda, no seu artigo 6º, o funcionamento de contas automatizadas que não sejam identificadas como tal, assim, as plataformas de redes sociais e serviços de mensageria precisam implementar formas para que o usuário possa identificar se a conta é automatizada. A medida busca, entre outros objetivos, inviabilizar o uso de bots que pretendem manipular o debate público por meio de automação.
Apesar da vedação a esse tipo de conta, o novo texto não dispõe mais sobre a vedação às contas inautênticas.
Transparência
O texto apresentado tem destaque para a transparência dos serviços prestados pelas plataformas. O art. 8 versa, por exemplo, sobre a necessidade de os provedores disponibilizarem suas regras, políticas e critérios para remoção de conteúdo de forma clara e objetiva para os usuários. Além disso, fica disposta a obrigação da produção de relatórios semestrais por parte dos provedores de redes sociais e serviços de mensageria instantânea informando “procedimentos e decisões relativas à intervenção ativa de contas e conteúdos gerados por terceiros”. Tais especificações estão dispostas no art. 9º. Os relatórios semestrais também abrangem os monitores de busca, conforme especifica o art. 10.
Ainda sobre transparência, o texto regula a necessidade de os provedores identificarem conteúdos publicitários e impulsionados de forma que os responsáveis sejam identificados. Além disso, também destaca no artigo 19 as informações que devem ser prestadas nos casos de impulsionamento por políticos, partidos ou coligações, como as características gerais da audiência contratada e as categorias de perfilhamento.
Serviço de mensageria privada
Outro ponto importante e de destaque no substitutivo é em relação aos serviços de mensageria privada, como Whatsapp. O intuito do dispositivo é preservar a natureza interpessoal dos provedores, limitando o caráter massivo. Para isso, indica-se a limitação do número de encaminhamento de mensagens, tal medida é um passo atrás da proibição que trazia o primeiro substitutivo no fim de novembro. Além disso, a proposta legislativa estabelece regras para listas de transmissão e a vedação de vendas de softwares para disparos massivos.
As questões relativas aos serviços de mensageria privada esbarraram, durante os debates, em polêmicas relacionadas ao rastreamento e quebra de criptografia. O texto final do GTNET traz o artigo 13 como um espaço que garante a privacidade do conteúdo das mensagens, mas garante a possibilidade de guarda de registros de interações dos usuários por 15 dias para fins de constituição de prova em investigação criminal e em instrução processual penal.
Devido processo
O substitutivo também traz uma sessão referente ao devido processo para a moderação dos conteúdos. Ou seja, para efetivar a exclusão, redução de alcance ou outra medida referente ao conteúdo, o provedor precisa notificar o usuário com informações referentes ao processo, disponibilizar canal próprio para consulta e “responder de modo fundamentado e objetivo aos pedidos de revisão de decisões e providenciar a sua reversão imediata quando constatado equívoco”. Além disso, conforme sugestão da deputado Lídice da Mata, foi incluída a necessidade de, em caso de erro, havendo dano individual ou coletivo, a plataforma deve informar sobre o erro na mesma proporção de alcance do conteúdo considerado inadequado.
Poder Público
Um dos capítulos do PL 2630/2020 versa sobre a atuação do poder público na internet. A proposta destaca a impossibilidade de as contas de agentes políticos – como deputados, senadores, presidente e governadores – impedirem o acesso e visualização de suas contas por outros usuários, como por meio do bloqueio.
É neste capítulo que está uma das polêmicas do texto aprovado no Grupo de Trabalho. O § 5º do art. 22 destaca que “A imunidade parlamentar material estende-se às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de redes sociais”, ponto incluído por sugestão do deputado Filipe Barros (PSL-PR).
Apesar das críticas ao dispositivo, o relator Orlando Silva defendeu o trecho na votação desta terça-feira: “Não é porque você prevê a imunidade material parlamentar, que está na Constituição, que você vai afirmar que o deputado está blindado, ninguém está blindado, nenhuma garantia é absoluta. Tanto que há processos e até sanções no poder judiciário contra parlamentares. Portanto eu refuto essa ideia de blindagem porque eu considero que não é o que está previsto”, aponta.
Crimes
A nova redação do texto também traz aspectos importantes para a criminalização da promoção e financiamento de ações de disparo em massa de desinformação, nomeado na lei de “fatos inverídicos”. Assim, fica sujeito à reclusão de um a três anos quem:
“Promover ou financiar, pessoalmente ou por meio de terceiros, mediante uso de contas automatizadas e outros meios ou expedientes não fornecidos diretamente pelo provedor de aplicações de internet, disseminação em massa de mensagens que contenha fato que sabe inverídico e passíveis de sanção criminal que causem dano à integridade física das pessoas ou sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
Plataformas e profissionais de jornalismo
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A medida, apesar de emenda solicitando a sua retirada pela falta de especificações, foi mantida no texto e é criticada por entidades do setor que temem a generalidade do que é disposto no art. 38, apontando que da forma que o texto é colocado é possível que apenas empresas de grande porte consigam o financiamento, intensificando a concentração midiática, e que esse formato colida com o funcionamento de mídias independentes, não alcançando efetivamente o efeito desejado pelos legisladores.