Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) reuniram em um estudo casos emblemáticos que revelam como o combate à desinformação nas eleições de 2022 ainda necessita de ações mais contundentes. A seleção compreende de 30 de setembro a 18 de outubro e traz dados sobre conteúdos que violam as políticas das redes, atacam o sistema eleitoral e sobre decisões judiciais não cumpridas pelos usuários.
O levantamento, realizado por Tatiana Dourado, Rodrigo Carreiro e Maria Paula Almada, se divide em quatro eixos. O primeiro deles apresenta as publicações que violam as regras das plataformas e que, mesmo assim, não foram moderadas ou removidas. Um dos temas presentes nesses posts são as alegações infundadas de fraude nas urnas, eleições roubadas, sistema eleitoral corrompido e risco à integridade eleitoral.
O YouTube, por exemplo, tem uma regra para limitar os conteúdos que violem a integridade eleitoral, no entanto, há registros de vídeos com essas alegações na rede. Assim como o Twitter, que possui uma regra contra “informações falsas que podem causar confusão sobre as leis e regulamentos de um processo cívico ou sobre pessoas responsáveis e instituições que executam esses processos cívicos” e conteúdos seguem circulando na rede, como indicaram os pesquisadores:
Conteúdos com ataque ao sistema eleitoral e aos ministros do STF e TSE também violam as regras dispostas pelas próprias redes, mas seguem circulando, assim como convocações para atos antidemocráticos. Tanto o YouTube tem regras contra conteúdos que incitem a interferência em processos democráticos, como o Twitter tem contra o incentivo ou incitação para outras pessoas assediarem um indivíduo ou grupo de pessoas. Porém, da mesma forma, os pesquisadores mapearam conteúdos com esta abordagem.
O segundo eixo da pesquisa trouxe casos de informações falsas, que continuam no ar, sobre urnas e supressão de votos. De acordo com o relatório, estas narrativas são construídas para difundir mentiras que atestam, a partir de evidências adulteradas como montagens, que votos para Bolsonaro não são computados; votos para Lula já estão registrados; urnas não estão protegidas e estão nas mãos de manipuladores; formas de garantir que o seu voto vai ser, de fato, registrado e computado; e erro no registro de eleitores e na contagem de votos pelo TSE.
Nesses casos, há posts moderados e outros que não possuem rótulos de informações falsas. Como exemplo, os pesquisadores destacam uma publicação do Facebook que tem quase 22 mil compartilhamentos e afirma que o Congresso tem poder para instituir voto impresso no segundo turno. “É um dos poucos casos cujo post é ocultado, é inserido rótulo de informação falsa, alerta para o site da Justiça Eleitoral e, após a caixa de comentários, aparece o link da checagem. Isto é, há aqui o ciclo completo de moderação de conteúdo da plataforma. Mas essa não é a regra”, indicam.
O terceiro eixo mostra como as decisões judiciais não são cumpridas por contas, perfis e plataformas, a partir dos casos de desinformação envolvendo líder de organização criminosa e o candidato Lula e o caso que busca relacionar o candidato à morte de Celso Daniel. Os pesquisadores destacam como os desinformadores usam estratégias para driblar as decisões da Justiça Eleitoral.
Por fim, o levantamento traz uma seção dedicada a mostrar como deputados federais e senadores eleitos atacam o processo eleitoral nas redes sociais. A pesquisa trouxe exemplos de como Nikolas Ferreira (PL-MG), Carla Zambelli (PL-SP), Gustavo Gayer (PL-GO) e Magno Malta (PL-ES) utilizam seus perfis para atacar instituições democráticas e o sistema eleitoral pelo qual foram eleitos.
“Qualquer notícia falsa tende a ter grande repercussão, primeiro porque as pessoas confiam nesses políticos, segundo porque tudo que eles fazem reverbera na imprensa também. Por outro lado, mas não menos importante, são agentes públicos e deveriam ter o mínimo de cuidado, mas sabemos que isso não acontece. Esses perfis funcionam como hubs de distribuição, às vezes não divulgam diretamente, mas sugerem acontecimentos, indicam outros perfis e abordam o tema de modo a jogar o assunto para a superfície da esfera pública”, destaca Rodrigo Carreiro, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo.
Os pesquisadores concluem que as plataformas e o Tribunal Superior Eleitoral precisam adotar ações mais firmes para suprir as lacunas encontradas. “As plataformas aparentam boa vontade e conseguem, em alguma medida, estabelecer alguns parâmetros iniciais para o combate às fake news. Mas nada até hoje foi suficiente para atacar o problema em seu núcleo duro: as notícias falsas só prosperam porque há uma reação em cadeia. Essa cadeia é formada justamente pelas mais variadas plataformas e uma ação efetiva deve, em primeiro lugar, considerar essa articulação, de modo a estabelecer estratégias conjuntas”, explica Carreiro.
Em relação ao TSE, o pesquisador retoma a resolução aprovada pelo Tribunal na quinta-feira passada (20) e a considera positiva por atingir os problemas referentes ao aspecto financeiro e dar mais celeridade à retirada do conteúdo. “É evidente que quanto mais tempo a informação está no ar, mais chance ela tem de viralizar, então diminuir o tempo de resposta das plataformas é essencial. Não se sabe se haverá tempo para que essa medida realmente traga algum benefício em uma eleição já marcada pelas fake news”, afirma.
Ontem um grupo de 17 organizações manifestaram apoio ao TSE no enfrentamento à onda de desinformação no segundo turno, endossando os aspectos positivos que a resolução nesta reta final.