Tá calor aí? Se você está lendo este texto de alguma cidade brasileira, é muitíssimo provável que sim. Por aqui, em São Paulo, ainda não é nem meio-dia e o aplicativo do clima, no celular, mostra que faz 35 graus – com máxima de 37. Tá difícil aguentar essa “quentura” toda, né? Nas redes, tem gente que já se pergunta: estamos vivendo o fim do ano ou fim dos tempos?
A onda de calor que invade a paulicéia e outras cidades de diferentes regiões do país, em plena primavera, fez o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) ampliar para 14 estados o alerta vermelho, emitido quando um fenômeno meteorológico acontece em intensidade excepcional. Essa é a mais nova mudança climática em um ano marcado por diversos outros episódios ambientais no Brasil e no mundo, como as imagens chocantes do rio Negro, no Amazonas, com níveis baixíssimos enquanto tempestades inundaram cidades da região Sul, por exemplo.
Mas, mesmo que as “provas” de um aquecimento global estejam aparecendo aos montes pelo mundo, há quem olhe essas evidências e ainda questione a existência da crise climática que estamos enfrentando como humanidade. De acordo com o relatório do projeto Mídia e Democracia, da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (ECMI-FGV), o negacionismo e a desinformação acompanharam o debate ambiental no Brasil durante este ano.
Por meio de análises das redes, os pesquisadores identificaram discursos que afirmavam que as “narrativas sobre mudanças climáticas” não passavam de uma “agenda global” promovida por atores internacionais com intenções de manipulação política. Além disso, notícias ambientais são comumente utilizadas como instrumento do debate político por diferentes grupos para atacar oponentes e disseminar perspectivas favoráveis às suas respectivas agendas.
No contexto global, pesquisas também apontam que a indústria dos combustíveis fósseis, a principal emissora de gases nocivos, investe em campanhas desinformativas sobre as mudanças climáticas e energias renováveis. Isso indica, então, que para além de uma descrença individual, também há muito “dinheiro obscuro” impulsionando discursos que negam a ação dos humanos na crise ambiental e desqualificam as alternativas para solucioná-la.
Esses discursos desinformativos e negacionistas climáticos podem parecer inofensivos num primeiro momento, mas apresentam riscos concretos para o futuro da sociedade. A diretora de comunicação das Nações Unidas, Melissa Fleming, lembra que estamos correndo contra o tempo para mitigar os impactos negativos do aquecimento global e que a desinformação climática atrasa o desenvolvimento desses esforços. “O tempo está se esgotando. Precisamos de todos a bordo se quisermos sobreviver. É por isso que a desinformação climática é tão perigosa”, alertou Fleming.
E aqui, entra em jogo um elemento fundamental nesse ecossistema (des)informativo climático e contemporâneo: as plataformas digitais. É por meio delas que grande parte dos discursos negacionistas, com seus questionamentos infundados, circulam e atingem outras pessoas. E as bigtech sabem disso. Não à toa, grande parte delas, nos últimos anos, desenvolveram suas próprias políticas destinadas a combater o fenômeno.
O problema é que, na prática, essas diretrizes não são cumpridas. Recentemente, a coalizão Ação Climática contra Desinformação (CAAD, na sigla em inglês) lançou um relatório mostrando que, apesar de haver políticas, as principais redes sociais não conseguem realizar uma moderação de conteúdo efetiva e nem compartilham informações sobre suas respectivas ações.
Outro problema identificado pela coalizão é a falta do uso de um conceito universal de desinformação climática, o que acaba por tirar do radar da moderação certos conteúdos que atacam soluções climáticas e greenwashing, prática indevida de apropriação de virtudes ambientalistas e sustentáveis por meio de técnicas de marketing e relações públicas.
Como jornalista e pesquisador, é desolador acompanhar os relatórios e as notícias que chegam até nós sobre o nível de descrença da população em relação às mudanças climáticas e sobre a ineficácia das plataformas em conter tais discursos.
Isso porque, no final das contas, a crise climática já é uma questão presente e, uma vez intensificada, atingirá a todos nós. Será mais frequente visualizarmos nos nossos feeds imagens e vídeos de eventos extremos, que acontecerão cada vez mais perto de nós. E a pergunta que fica é: o que será preciso para que atores desinformativos e conspiracionistas revejam seus discursos?