Com a proximidade da virada de ano começam os balanços e perspectivas de vários setores da sociedade.  A partir da próxima segunda-feira, 27, o *desinformante vai publicar uma série de entrevistas inspiradoras para jogar luzes sobre o cenário da desinformação em 2022. No mesmo sentido, o Farol Jornalismo e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) reuniram projeções para o jornalismo, uma das armas contra a desinformação, para o ano que vem. Os especialistas convidados para o projeto destacaram os maiores desafios para os profissionais da comunicação e já apontam para o trabalho redobrado em ano eleitoral. 

“Ameaçados, precarizados e exaustos. É assim que os jornalistas brasileiros entrarão em 2022”, destaca Moreno Osório, cofundador do Farol Jornalismo e editor do projeto ‘O jornalismo no Brasil em 2022’, ao apresentar a iniciativa. Ao todo foram convidados dez jornalistas e pesquisadores para abordarem as principais questões da profissão e refletirem sobre o que o próximo ano reserva. Confira alguns destaques: 

Desinformação e (falta de) informação

Um dos desafios do jornalismo para 2022 é, sem dúvidas, a desinformação. O editor do Aos Fatos, Luís Felipe dos Santos, destaca que a desinformação e as estruturas de disseminação só existem porque há demanda:

“E a demanda é de um fluxo constante de alegações e de afirmações que nos deixa permanentemente alertas, que captura o nosso foco diante de tudo que acontece pelo mundo, que nos deixa com medo de perder algo importante que esteja ocorrendo. Queremos nos sentir parte da construção de algo melhor para o país, queremos nos sentir felizes, queremos destruir o que nos ameaça”.

Para combater a desinformação, no entanto, não basta apenas enfrentar o ato especificamente. Santos defende que é preciso enfrentar todo um sistema de crenças e, como sugestão, indica uma aposta na construção de uma rede de afetos e de empatia.

Apesar de a desinformação não se combater apenas corrigindo uma alegação falsa, esse enfrentamento passa por esse segmento, que necessita de dados e informações confiáveis. No entanto, o acesso a elas vem sendo dificultado, de acordo com Maria Vitória Ramos, diretora da agência Fiquem Sabendo. Essa dificuldade vem se dando tanto pelo uso indevido da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para acessar informações por meio da LAI, como também pela remoção de bases de dados que eram públicas. Para proteger a Lei de Acesso à Informação, a jornalista indica sugestões como traduzir a legislação para cidadãos, como por meio da WikiLAI, e expor o retrocesso dela.

Jornalismo, democracia e eleições

Qualquer projeção para 2022 precisa encarar o desafio que será o pleito eleitoral e a manutenção de pilares democráticos brasileiros, como a confiança em instituições. Sylvio Costa, fundador do site Congresso em Foco, esmiúça o cenário construído à base de desinformação e polarização. Dentro desse contexto, Costa pergunta: “Que pode fazer o jornalismo quando mentiras tão flagrantes passam a ser encaradas como verdade por grande contingente de pessoas?”. A resposta é dada ainda pelo autor: “fazer melhor jornalismo”.

Para apontar saídas para os jornalistas atuarem em um “quadro que favorece o autoritarismo”, o autor indica três caminhos: criar uma parceria mais forte com a ciência contra o negacionismo; incorporar a tecnologia nos processos; e criar uma nova relação com os leitores a partir da transparência. 

Também sobre as eleições majoritárias de 2022, Juliana Dal Piva, colunista do UOL, pergunta: “Como cobrir a tentativa de reeleição de um presidente que não aceita ser questionado?”. A jornalista apontou os obstáculos de igualar a cobertura eleitoral e as possíveis alternativas para suprir a lacuna e conseguir colocar Bolsonaro no debate com os outros candidatos. Outro ponto importante é que, com a recusa do atual presidente de ir a debates ou conceder entrevistas, o que resta ao jornalista é a técnica conhecida como ‘quebra-queixo’, ou seja, questionar durante caminhadas de campanhas, o que pode ser perigoso para a própria integridade física do profissional.

Ataques a jornalistas

Os perigos de exercer a profissão em meio à polarização e extremismo são abordados também pela professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense, Veronica Toste. A docente destaca o aumento expressivo, de 222% entre 2019 e 2020, dos ataques aos profissionais da imprensa. “Com a aproximação das eleições no Brasil em 2022, a violência tende a crescer. Isso porque as pautas de cobertura jornalística mais associadas aos ataques costumam ser ligadas justamente à política e eleições, seguidas por checagem de notícias e questões relacionadas a gênero, direitos humanos e políticas sociais”, aponta Veronica.

Essa violência chama a atenção por três pontos: parte, muitas vezes, do próprio governo e de partidos políticos; atinge de forma mais contundente mulheres; e utilizam plataformas digitais para a viralização e ataques massivos. Para responder esse cenário, a autora indica a criação de bons diagnósticos, a proteção dos profissionais por parte das organizações jornalísticas e a investigação desses ataques.

Ciência, investigação e boas fontes

Os outros jornalistas e pesquisadores convidados também abordaram outras questões caras e importantes ao jornalismo que devem despontar ainda mais no ano que vem. O repórter de ciência e saúde da BBC Brasil, André Biernath, destacou boas expectativas para o jornalismo científico, que despontou com a cobertura da pandemia. Para isso, apontou a necessidade de que o jornalista escolha melhor duas fontes, pondere descobertas, comunique incertezas e aposte no jornalismo investigativo.

A necessidade de diversificar e descolonizar o jornalismo também foi apontada como ponto relevante para 2022. Lenne Ferreira, editora do Alma Preta Jornalismo, reforça a importância da pluralidade e de se olhar para pautas historicamente negligenciadas a fim de fortalecer narrativas atentas aos direitos humanos, além de representar a realidade religiosa, econômica, social e racial do país. Em um sentido similar, Laércio Pereira, cofundador do Marco Zero Conteúdo, aponta para um jornalismo com mais colaboração e engajamento a partir de processos mais próximos do público.

Essa colaboração pode contar com a facilidade do trabalho remoto e as funcionalidades das plataformas digitais, no entanto, de acordo com Ana Flávia Marques e Janaina Visibeli, pesquisadoras da Universidade de São Paulo, além da diversidade do jornalismo, é preciso atentar para a sobrecarga de trabalho que a atuação à distância traz.

Por fim, o jornalista Gustavo Torniero ressalta que, apesar da tecnologia, a acessibilidade para pessoas com deficiência ainda é um desafio para o jornalismo. O autor destaca que a busca por inclusão deve ser vista como prioridade e não como um adicional nas empresas de comunicação e, por isso, o jornalismo em 2022 deve procurar consultorias e treinamentos para as equipes.