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out 3, 2023 | destaques, notícias

 Por que o monopólio das big techs prejudica o debate público?

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Enquanto o Google estrela o banco dos réus nos Estados Unidos, o debate sobre monopólios digitais e os impactos deles se fortalece. O tema já foi pautado em processos anteriores e por alguns marcos regulatórios, como o robusto Digital Markets Act (Lei de Mercados Digitais) da União Europeia, que faz parte das chamadas medidas anticoncentração, mecanismos vistos como uma das saídas contra a desinformação.

Isso porque, explica Gabrielle Graça, assessora em Direitos Digitais da organização Artigo 19, a concentração econômica de empresas como Google e Meta restringe a poucos atores o papel de gatekeepers, ou seja, controladores de acesso que possuem um impacto e controle direto na dinâmica da distribuição de conteúdos.

O documento “Taming Big Tech: Protecting expression for all” destaca algumas barreiras que são colocadas para entrada de novos atores no mercado, entre elas o “efeito de rede”, que ressalta a maior capacidade dos monopólios de atraírem novos usuários do que empresas menores, justamente pelo grande número de pessoas que essas plataformas já possuem.

O professor do Núcleo de Tecnologia de Estudos de Mídia na PUC-Rio, Marcelo Alves, explica que um exemplo desse efeito de rede é o aplicativo Threads. Lançado pela Meta para concorrer com o Twitter, o app, na primeira semana, conquistou milhões de usuários em comparação a outros similares, como Bluesky ou Mastodon. Outro ponto desse efeito, explica Alves, é a própria dificuldade de as pessoas abandonarem o Twitter – agora X – após o que ele chamou de colapso da plataforma, justamente pelo efeito de rede.

A Artigo 19 também aponta outra vantagem que as grandes plataformas têm com a manutenção do monopólio que é a economia de escala de seus negócios. Ou seja, o custo para que uma gigante incremente uma nova ferramenta (ou até lance um app novo) é muito menor que o custo para outra empresa construir uma nova plataforma. Além disso, como no caso do Threads, as vantagens competitivas que se têm a partir do acúmulo massivo de dados dos usuários é significativa em relação aos concorrentes. 

“A elevada concentração e as barreiras à entrada protegem as grandes plataformas da concorrência no mercado, e estas grandes plataformas são capazes de atuar como gatekeepers. Como tal, podem excluir rivais ou impedir a entrada, controlar o acesso dos anunciantes online aos seus utilizadores e controlar o acesso dos usuários ao conteúdo online através dos seus algoritmos de curadoria”, elenca o relatório da Artigo 19.

Essa exclusividade do mercado traz alguns impactos significativos. A especialista do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Camila Contri, pontua que, em um cenário tão monopolístico, elementos tradicionais como preço e qualidade não são aplicados para conquistar os consumidores, isso porque a plataforma se torna “a única opção” e não precisa competir efetivamente se esforçando para promover um serviço de qualidade ao usuário. 

“Se você não tem quem concorra com você por oferecer maior proteção de dados ou privacidade, por exemplo, por que você faria isso sendo que a monetização de dados é um elemento muito importante nesse modelo de negócios?”, questiona Contri. Para ela, isso pode levar a práticas abusivas que afetam não só a concorrência em si, mas também os consumidores, a proteção de dados e o próprio ambiente democrático. 

Para Gabrielle Graça, com a ausência de uma concorrência efetiva, o usuário não tem escolha e precisa se submeter ao modo operante das plataformas, porque a opção seria ou não usar o serviço ou usar o serviço da forma que é imposto pela arquitetura das redes.

“Considerando isso, essas empresas ditam as regras sobre como nós vamos nos expressar, como nós vamos nos informar, qual conteúdo que a gente vai consumir, e isso é perigosíssimo”, afirma Gabrielle Graça, da Artigo 19.

O perigo, de acordo com a assessora, é que essas dinâmicas são pautadas basicamente pelo lucro e não para priorizar o debate sobre direitos humanos, pluralidade e liberdade de expressão, e permitir que o usuário faça escolhas informativas conscientes.

“A personalização do conteúdo não é realizada com base em critérios como diversidade de conteúdo ou diversidade de fontes; em vez disso, o objetivo final das plataformas é maximizar o envolvimento e maximizar o lucro. Assim, pode-se argumentar que a amplificação algorítmica otimizada para engajamento, reduz a diversidade de exposição dos usuários e, no nível social, tem um forte impacto no fluxo de informação, sendo potencialmente capaz de influenciar ou ditar a agenda do debate público”, diz a Artigo 19. 

Para a organização, o problema deve ser combatido a partir de padrões de curadoria de conteúdo baseados nos direitos humanos internacionais e de medidas para reduzir a concentração do mercado, diminuir as barreiras à entrada e diminuir e descentralizar o poder de controle das plataformas de mídia social.

Medidas anticoncentração

Entre as medidas propostas pela Artigo 19 estão a implementação de ações para contrabalancear a concentração excessiva nos mercados das redes sociais a partir de uma regulação assimétrica e da separação de serviços realizados pelas plataformas. Ou seja, para a organização, os serviços de hospedagem do conteúdo e de curadoria deveriam ser separados para garantir maior competitividade no mercado.

“Para os usuários, a desagregação de serviços significaria que, quando criassem ou tivessem um perfil numa grande plataforma (por exemplo, Facebook), seria questionado se pretendem que o próprio Facebook ou outros atores (selecionados livremente) forneçam o serviço de curadoria do conteúdo. Dessa forma, os usuários poderão selecionar serviços de curadoria de conteúdo que atendam às suas preocupações ou preferências”, explica a empresa.

O professor Marcelo Alves destaca que esse é um olhar para o problema a partir de uma perspectiva intraplataforma, em que segmenta as ações das plataformas em peças separadas. “Obviamente que esse é o caso de pesadelo das plataformas porque indica uma perda de poder muito robusta, só que eu vejo como uma possibilidade muito concreta de a gente avançar em soluções para lidar com problemas de desinformação e polarização”, acrescenta Alves.

Essa consequência, de acordo com o docente, se daria justamente por possibilitar a regulação e alternativas diferentes a funcionalidades que hoje se pautam pelo interesse direto das plataformas digitais pelo seu próprio modelo de negócios. “A gente sempre volta ao ponto que a desinformação e o discurso de ódio circulam mais porque fazem com que as pessoas fiquem mais tempo na plataforma. Então não seria o caso de separar o negócio de anúncio do negócio de moderação de conteúdo ou do negócio de construção de mecanismos de recomendação? Porque senão a gente vai ter muita dificuldade de lidar com esses conflitos de interesse. Eu acho que esse talvez seja um caminho para ter uma esfera pública digital um pouco mais saudável e menos poluída”, conclui o professor.

Além das ações intraplataformas, Alves também pontua que existem ideias que perpassam medidas que seriam interplataformas, ou seja, poder olhar para empresas como a Meta e observar que existem vários negócios separados, como o Instagram, o Facebook e o WhatsApp. Nesse caso, a separação resultaria em três empresas diferentes e não uma única concentrada. 

As ações de separação ou desagregação são também chamadas de medidas ou sanções estruturais, dependendo do âmbito da análise. No aspecto de sanções judiciais, a especialista Camila Contri pontua que as estruturais são as mais polêmicas porque existe a preocupação de uma interferência excessiva, mas que com o cenário monopolístico das plataformas vem sendo discutida com mais intensidade.

Em marcos regulatórios, algumas medidas anticoncentração foram incorporadas no Digital Markets Act da União Europeia, como a proibição de aplicativos padrões instalados em celulares (prática que tende a fortalecer empresas específicas). No Brasil, o debate ainda se concentra de forma mais significativa na regulação das plataformas, mas os especialistas acreditam que a regulação econômica é o próximo passo. Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 2768/22 vem sendo debatido em audiências públicas.

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