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ago 14, 2024 | Destaques, Notícias

Meta encerra CrowdTangle e impõe alternativa limitada e burocrática

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Após treze anos em funcionamento, hoje (14) chega ao fim o CrowdTangle, ferramenta de análise de dados da Meta usada por pesquisadores e jornalistas para monitorar o Facebook e o Instagram. Apesar de inúmeros apelos da comunidade acadêmica e jornalística para manter o programa funcionando até o final do ano, a big tech decidiu encerrar a funcionalidade em meio ao ano eleitoral internacional e às vésperas das eleições no Brasil. Alguns pesquisadores brasileiros já conseguiram acesso à funcionalidade alternativa, mas apontam limitações e processo burocrático.tr

Um velório online do CrowdTangle foi criado pela Coalizão pela Pesquisa Independente de Tecnologia para evidenciar o impacto do fim da funcionalidade para as pesquisas. “A transparência se foi, mas não foi esquecida”, diz a mensagem que acompanha a lápide simbólica.

“A morte do CrowdTangle não é apenas uma tragédia, é um assassinato”, afirmou Brandi Geurkink, diretor executivo da coalizão. “Muitos países vão realizar eleições antes do fim do ano e, nesse contexto, a Meta decidiu matar uma das melhores ferramentas que a sociedade civil tinha para monitorar e relatar o discurso de ódio e a interferência eleitoral que quase certamente vão proliferar em suas plataformas.”

Na página, é possível ler mensagens deixadas por pesquisadores de diferentes países sobre o fim da funcionalidade. O pesquisador Dylan K. Baker, do Instituto de Pesquisa em Inteligência Artificial Distributiva (DAIR), escreveu: “Perder o CrowdTangle é um retrocesso enorme e exaustivo em nossa pesquisa sobre discurso de ódio. Este é mais um lembrete irritante de que as empresas de mídia social não devem ditar os parâmetros da pesquisa que as investiga”.

Em março, quando a Meta confirmou oficialmente o fim do CrowdTangle, anunciando também a Biblioteca de Conteúdo e a sua API como alternativa, pesquisadores brasileiros já apontavam impactos na pesquisa nacional, como um possível apagão de dados às vésperas das eleições municipais.

“Na prática, a Meta deixa de ser uma plataforma que tinha os serviços mais abertos e acessíveis aos pesquisadores depois do fechamento [da API] do Twitter, pra ser uma das piores, com um modelo de acesso mais complicado e problemático”, avaliou na época Marcelo Alves, pesquisador e professor da PUC-Rio.

As projeções de médio prazo sobre acesso a dados a partir do novo cenário não são positivas.  Atualmente, apenas o YouTube e o Telegram possuem API pública de dados para pesquisa. Ano passado, o TikTok lançou uma ferramenta de acesso a dados, mas restrita a pesquisadores na Europa e dos Estados Unidos. Já o X (antigo Twitter) fechou a API gratuita, considerada referência pela área acadêmica, no primeiro semestre de 2023.

Fim do CrowdTangle ameaça continuidade de projetos

Uma pesquisa realizada pela Coalizão pela Pesquisa Independente de Tecnologia, realizada em maio deste ano, mostrou que organizações internacionais de pesquisa, de mídia e da sociedade civil estão preocupadas com os impactos trazidos pelo encerramento do CrowdTangle. 

Das 34 organizações ouvidas, 32 delas (88%) afirmaram que o fechamento da funcionalidade prejudicará o trabalho desenvolvido, já que projetos terão que ser revisados ou descartados. Alguns consideram até interromper os projetos de análise de redes completamente.

No caso dos jornalistas, o fim da ferramenta apresenta uma lacuna de trabalho ainda maior, já que a alternativa oferecida pela Meta é voltada exclusivamente para pesquisadores vinculados às universidades. O veículo australiano ABC News mostrou como o CrowdTangle foi essencial recentemente para identificar postagens de trolls que buscavam inflamar o conflito racial no Reino Unido e Irlanda.

“O acesso a dados permite que jornalistas e pesquisadores cortem o ruído para rastrear e combater desinformação, discurso de ódio e ameaças reais à saúde e segurança, especialmente durante eleições contenciosas”, apontou a coalizão.

“A Meta ignorou os apelos de toda a sociedade civil para manter sua ferramenta de transparência #CrowdTangle. Isso é um golpe para a pesquisa de interesse público e impactará negativamente as pessoas online e offline”, afirmou a Mozilla, que encabeçou uma campanha ao longo dos últimos meses pedindo que a Meta mantivesse a ferramenta funcionando até o final do ano.

Acesso à ferramenta alternativa ainda é burocrático

Como alternativa, a Meta está oferecendo o acesso à Biblioteca de Conteúdo e à API da Biblioteca de Conteúdo. Será por meio delas que os pesquisadores poderão ter acesso a informações como conteúdos postados em perfis, páginas e grupos no Facebook e no Instagram. Porém, tais soluções possuem limitações.

Os inscritos no CrowdTangle, por exemplo, não vão migrar automaticamente para as novas funcionalidades. Para ter acesso a elas, os acadêmicos precisarão solicitar o acesso ao Consórcio Interuniversitário para Pesquisa Política e Social (ICPSR) da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, responsável por administrar a base de dados disponíveis aos pesquisadores. A solicitação é feita a partir de um formulário com informações sobre a universidade a que se é vinculado e o projeto de pesquisa em andamento.

Viktor Chagas, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), foi um dos pesquisadores brasileiros que conseguiram acesso à Biblioteca de Conteúdos – ele ainda aguarda a permissão de acesso à API. Chagas contou que o processo de solicitação levou de seis a oito meses e apresentou algumas dificuldades, como um pedido de revisão e tradução do parecer do Comitê de Ética da universidade que é feito em português.

“Esse parecer é emitido em português porque toda tramitação processual [no Brasil] é feita em português e eles identificaram isso como uma pendência”, comentou Viktor, pontuando como a centralização das autorizações em uma universidade dos Estados Unidos pode trazer dificuldades para pesquisadores do Sul Global.

“A pesquisa no Sul Global tem uma dificuldade muito grande em relação a essas mudanças procedimentais. Porque não apenas precisamos fazer novas submissões e passar por um processo que tem, inclusive, uma barreira linguística para nossos pesquisadores, mas a própria avaliação impõe essas barreiras”, adicionou. Para Chagas, o processo burocrático também é uma forma de aplicar maior controle de quem acessa os dados das plataformas. 

Perspectiva semelhante também é destacada por Fabio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e coordenador do Laboratório de Internet e Ciências de Dados (Labic), que também teve acesso à Biblioteca de Conteúdos. Malini comenta que tanto a Meta como a sociedade possuem o desafio de não deixar que o campo da pesquisa de redes sociais seja centralizado em determinados grupos. 

“Os pesquisadores do Norte Global têm acesso mais rápido, por estarem mais próximos aos campi americanos, e a turma do Sul Global, sem a regulação de acesso a dados, fica acessando esses dados de maneira mais lenta”, disse Mailini. “A fila vai andando primeiro para quem tá no Norte Global.”

Primeiras impressões da Biblioteca de Conteúdos da Meta

Com o acesso à Biblioteca de Conteúdos, os pesquisadores brasileiros já testaram o potencial de pesquisa da funcionalidade. De acordo com Fábio Malini, o painel da ferramenta é parecido com a do CrowdTangle, permitindo a construção de listas, a procura por termos e a exportação desse conteúdo.

Apesar disso, a funcionalidade tem algumas limitações, como o teto de 500 mil postagens analisadas por semana, o que pode influenciar em pesquisas de episódios que lidam com grandes quantidades de informação.

“Se um pesquisador ou jornalista esta cobrindo um evento de grande impacto em que o tráfego de dados seja intenso, como em casos de terrorismo e Olimpíadas, esse volume de conteúdo pode ser relativamente baixo para precisar com acurácia aquilo que tá sendo produzido”, explica Malini.

A alternativa fornecida também só apresenta conteúdos de perfis com mais de 25 mil seguidores. Isso pode impactar, por exemplo, pesquisas que tratam de desinformação vacinal, cuja circulação ocorre em grupos com menos de 10 mil seguidores. “Isso traz o desafio de ter um plano B para identificar os movimentos desses canais”, comenta.

Além disso, o acesso permitido pelo consórcio interuniversitário é individual para o pesquisador que pediu o acesso, sem a possibilidade de adicionar outros membros da equipe de pesquisa, como acontecia com o CrowdTangle. Isso, de acordo com Malini, prejudica o trabalho coletivo que geralmente acontece nas pesquisas de análises de redes sociais.

Apesar dos pontos críticos, a funcionalidade traz inovações em relação à ferramenta anteriormente disponibilizada, como o acesso a novos tipos de conteúdo, incluindo o Reels no Instagram. Mais tipos de dados são prometidos com o desenvolvimento da API.

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