Ficou claro que as empresas de tecnologia estão buscando reconstruir suas relações com o futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não apenas porque ele representa uma boa opção para seus negócios, mas também devido à conturbada relação entre as Big Techs e o final da administração de Trump 1.0.
Os últimos comunicados do CEO da Meta, Mark Zuckerberg, deixaram claro que a empresa opera em conformidade com seus interesses políticos de maneira a beneficiar seus interesses econômicos, e que algoritmos, políticas, operações e recursos podem mudar “da noite para o dia.”
A política de plataformas envolve sempre equilibrar os interesses de seus principais constituintes: governos, anunciantes e usuários. Embora algumas das mudanças anunciadas possam parecer inéditas, empresas como a Meta sempre ajustaram suas estratégias comerciais e políticas conforme os contextos em que operam. No caso da Meta, a diferença, desta vez, é que a empresa comunica suas intenções políticas de forma transparente mundialmente.
Ainda, com a ascensão da direita no cenário global, é evidente que a empresa adaptaria as suas abordagens para agradar a esses atores, ainda mais com a defesa de Trump ao TikTok, pois isso é mais vantajoso para os seus interesses políticos, os quais estão claramente atrelados aos seus objetivos de negócio. Isso ficou evidente nos últimos dias com os anúncios feitos por Zuckerberg, que, ao abrir sua “caixa preta”, pode estar prestes a revelar uma “caixa de Pandora”.
As Últimas Decisões da Meta
Às vésperas da posse de Trump, a Meta anunciou mudanças importantes em suas operações. A empresa informou a substituição de Nick Clegg, presidente de Assuntos Globais e ex-líder do Partido Liberal Democrata no Reino Unido, por Joel Kaplan, um republicano dos Estados Unidos. Além disso, Mark Zuckerberg convidou Dana White, presidente da UFC e aliado de Trump, para o conselho administrativo. Por fim, a medida considerada mais drástica refere-se às mudanças na abordagem das políticas da plataforma em relação à moderação de conteúdo, operações e assuntos políticos e geopolíticos, impactando o Facebook, Instagram e Threads, alterações estas que Mark Zuckerberg considera como “voltar às origens.”
As mudanças incluem:
- Substituição dos checadores de fatos por Notas da Comunidade (algo já utilizado pelo X), começando pelos Estados Unidos.
- Simplificação das políticas de conteúdo, especialmente em relação a restrições de tópicos como imigração e gênero, fora do discurso convencional.
- Alteração na aplicação das políticas para reduzir a maioria dos “erros de censura” e focar os filtros em violações ilegais e de alta gravidade.
- Retorno de conteúdos cívicos.
- Transferência das equipes de revisão de conteúdo dos Estados Unidos, da Califórnia para o Texas, com a expectativa de decisões menos tendenciosas em termos de censura e viés político.
- Trabalhar com Donald Trump para enfrentar governos estrangeiros que perseguem empresas americanas para aumentar a censura, com foco específico em países da América Latina e Europa.
Contextualizando as Mudanças
Para analisar as mudanças de Zuckerberg é necessário considerar o passado da Meta com a plataforma, a questão do banimento do TikTok nos Estados Unidos, a ascensão da extrema direita global, e claro, como isso se reverte em economias operacionais e crescimento de faturamento. Por fim, não prejudicar os interesses Trumpistas é o melhor para o negócio de Zuckerberg neste momento.
É óbvio que Mark Zuckerberg tem trabalhado para conquistar a nova administração de Trump, que, em um passado não tão distante, o criticou duramente, chamando sua empresa de “inimigo do povo.” Essa medida vem especialmente em um momento no qual Trump almeja defender os interesses de seus constituintes, que esperam a defesa da liberdade de expressão em seus moldes.
Adicionalmente, neste cenário, é importante notar que Trump, por algum tempo, demonstrou um certo apoio ao TikTok — a decisão do seu banimento ainda está pendente nos Estados Unidos — e qualquer medida do futuro presidente em favor da plataforma seria uma ameaça à Meta.
Dessa forma, também é preciso considerar que, com a ascensão da direita no cenário global, é evidente que a empresa adaptaria suas abordagens para agradar a esses atores, pois isso é mais vantajoso para seus interesses políticos, os quais estão claramente atrelados aos seus objetivos de negócio. Por fim, todas essas medidas também beneficiam os custos operacionais e políticos da plataforma, assim como o aumento de seu faturamento.
“Voltando às Origens”
Os anúncios desta semana geraram grande alvoroço, no entanto, o que Zuckerberg está fazendo é trazer sua empresa de volta ao que era antes da era Trump 1.0 — o Facebook pré-2016. O resultado das eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos representaram uma mudança no modo de operação da empresa de maneira global. Após isso, a empresa fez alterações em suas políticas para combater a desinformação e discurso de ódio. Iniciativas estas necessárias, porém, insuficientes, levando a empresa a ser continuamente alvo de críticas de sociedade civil, acadêmicos e reguladores. Nesse sentido, a vitória de Trump é uma vitória para a empresa, que agora tem o apoio do governo para operar como bem entender, mantendo-se no mercado e, como sempre, sendo uma ferramenta de soft power dos Estados Unidos.
Antes de 2016, a Meta não usava verificadores de fatos nem Notas da Comunidade. A mudança da Meta de remover verificadores de fatos em geral é ótimo para o seu negócio. Essa abordagem funciona como mais uma forma de terceirização, reduzindo custos operacionais e transferindo sua responsabilidade diretamente para os usuários.
A Meta, assim como outras empresas de tecnologia, frequentemente transfere equipes para locais com custos mais baixos, o que não é uma novidade. Embora a mudança das equipes nos Estados Unidos seja uma medida econômica, não há evidências de que ela reduzirá a censura ou o viés. É importante, no entanto, considerar como essas mudanças podem impactar os países onde a maioria dos usuários está localizada, especialmente onde a comunicação não é feita em inglês.
Por fim, a Meta e outras empresas de tecnologia há muito tempo resistem a pedidos governamentais, incluindo ordens judiciais e remoção de conteúdo em linha com seus valores e interesses. Embora, em alguns casos, a colaboração entre a Meta e o governo dos Estados Unidos não seja explícita para o público em geral, práticas como portas giratórias, lobby e conformidade com demandas dos Estados Unidos não são novidades.
No Brasil, nada disso é novidade. Vimos isso claramente no debate do PL 2630/2020 e como a indústria colaborou com a extrema direita para barrar o projeto lei. Da mesma forma, vimos como o X (antigo Twitter) se recusou a remover conteúdos promovendo ataques em escolas, apesar dos pedidos do Ministério da Justiça, e como Elon Musk enfrentou o STF nos últimos meses para descredibilizar as instituições brasileiras. diferença agora é que veremos o governo dos Estados Unidos trabalhando de forma mais explícita com empresas como a Meta para atingir seus objetivos geopolíticos, políticos e econômicos.
Uma Nova Era para as Big Techs?
Assim como em 2016, com a eleição de Trump 1.0, e em 2022, com as ações de “deplataformização” de Trump, o que estamos vendo em 2025 com Trump 2.0, é uma nova era para as Big Techs. Isso é parcialmente reflexo das mudanças de Musk no X, parcialmente motivado por políticas que beneficiam a indústria tecnológica dos Estados Unidos e, parcialmente, pelo “giro à direita” político que o mundo está passando. O que resta saber nas próximas semanas e meses é como a indústria como um todo — e empresas como Alphabet/Google, TikTok e outras — irão reagir.
No caso da Meta, embora essas ações possam ser vantajosas para seus negócios durante os próximos quatro anos sob a presidência de Trump 2.0, em uma sociedade democrática, governos não são permanentes. Porém, o que sabemos das últimas duas décadas é que empresas de tecnologia tendem a permanecer no mercado —e na política— por muito mais tempo. Mark Zuckerberg está ciente disso, pois lidera a empresa há mais tempo do que muitos governos, o que o torna o maior “tirano” da tecnologia no mundo.