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mar 28, 2025 | Destaques, Notícias

Como a desinformação sustentou tentativa de golpe que transformou Bolsonaro em réu

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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade tornar réus o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas apontadas como parte do “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado. Eles são acusados de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e destruição do patrimônio tombado. Ministros do STF e a Procuradoria-Geral da República (PGR) destacaram que a disseminação de notícias falsas e desinformação foi determinante para os ataques de 8 de janeiro.

Além de Jair Bolsonaro, também se tornaram réus por participação crucial na suposta articulação golpista: Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência), Alexandre Ramagem (ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência) e Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa). 

O julgamento teve início na terça-feira (25). Pela manhã, o ministro Alexandre de Moraes apresentou o relatório com os principais pontos da denúncia e das defesas dos acusados. Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, expôs a acusação, defendendo o acolhimento integral das denúncias.

Na sequência, os advogados de defesa pediram, entre outras medidas, o arquivamento do caso. Durante a tarde, os ministros rejeitaram todas as objeções preliminares levantadas pela defesa. Na manhã de quarta-feira (26), o Supremo decidiu, por unanimidade, aceitar as acusações.

A live que deu início ao golpe

Ao fundamentar seu voto, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que uma live realizada por Jair Bolsonaro em 29 de julho de 2021 marcou o início de uma escalada organizada de ataques às instituições, com foco no sistema eleitoral e nas urnas eletrônicas. “O denunciado atacou as urnas eletrônicas sem qualquer fundamento e sem apresentar nenhum elemento concreto”, destacou.

Essa tese é central na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Durante a exposição do caso, o procurador-geral da República, ressaltou que, após a live, os discursos públicos de Bolsonaro e seus aliados — por meio de transmissões ao vivo ou declarações à imprensa — tornaram-se progressivamente mais agressivos contra os Poderes e seus membros, baseando-se em informações falsas.

Segundo Gonet, o objetivo dessa estratégia era desacreditar o sistema eletrônico de votação, alimentar um sentimento de indignação e revolta entre os apoiadores do então presidente e até mesmo criar uma justificativa para o uso das Forças Armadas caso o resultado das eleições não o favorecesse.

Moraes acrescentou que esse discurso de deslegitimação do processo eleitoral foi amplificado com o apoio de milícias digitais e do chamado “gabinete do ódio”. O ministro também destacou que a expressão foi cunhada pelo próprio ex-ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, Luiz Eduardo Ramos, que, à época, afirmou haver um grupo dentro do Palácio do Planalto dedicado à produção e disseminação de notícias falsas, inclusive contra ele próprio.

Mentiras oficiais e reuniões conspiratórias

Outra fase do suposto plano para a execução do golpe teve início em novembro de 2022, quando Jair Bolsonaro convocou uma reunião ministerial. Segundo a denúncia, o objetivo foi “concitar ataques às urnas e à difusão de notícias infundadas sobre seu adversário mais temido”.

Durante o encontro, o ex-presidente teria enfatizado que estaria disposto a recorrer “à força”, caso necessário.

No mesmo mês, Bolsonaro teria convocado outra reunião, desta vez com embaixadores e representantes diplomáticos, com o mesmo propósito: divulgar acusações infundadas sobre supostas fraudes no sistema eleitoral. “Todas elas já, desde logo, demonstradas como erradas e maliciosas”, afirmou o procurador Paulo Gonet.

Diante desses acontecimentos, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou, em sua argumentação, que o ex-presidente foi condenado, em 2023, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em ação de investigação judicial eleitoral, o que resultou em sua inelegibilidade por oito anos.

A ação do exército junto ao TSE

Entre as estratégias utilizadas para o golpe, elencadas tanto pela denunciante quanto pelo ministro relator e demais integrantes da Suprema Corte, destacou-se a missão que Bolsonaro atribuiu, em 2022, ao então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio: comprovar que a eleição havia sido fraudulenta.

Para cumprir essa tarefa, o general formou uma comissão do Exército, que, em desvio de função – conforme apontado por Alexandre de Moraes –, se juntou à comissão do TSE para fiscalizar o sistema eletrônico de votação do primeiro turno de 2022. No entanto, o relatório final desse trabalho concluiu que não havia qualquer fraude ou sequer indício de irregularidade.

Apesar disso, o então presidente Jair Bolsonaro proibiu o ministro da Defesa de apresentar essa conclusão ao TSE. Em vez disso, ordenou que formulasse um outro parecer, sugerindo que não se poderia garantir que, no futuro, nunca houvesse fraude. Essa tentativa de manipulação foi classificada por Moraes como “patética”.

Outros acontecimentos que levaram ao 8 de janeiro

Durante as sessões do STF, foi destacado outro momento relevante que se sucedeu em 2022, antes da conclusão das eleições presidenciais. No Ministério da Justiça, órgãos de segurança foram mobilizados para dificultar o acesso de eleitores da oposição às zonas eleitorais no 2º turno. A PRF realizou operações em locais onde Lula teve mais votos no 1º turno.

Após o resultado do segundo turno, chamou atenção, especialmente no âmbito da desinformação, uma nota oficial emitida por Bolsonaro no dia 11 de novembro daquele ano, defendendo a “liberdade de expressão” para legitimar os acampamentos golpistas que se formaram na frente de quartéis para pedir decretação de golpe de Estado via intervenção militar. O objetivo, segundo a PGR, era manter a “militância apaixonada” e mobilizada para ações violentas contra a ordem constitucional.

Nos meses seguintes às eleições de 2022, foram descritas diversas ações orquestradas pelo “núcleo crucial” do golpe, dentre elas destacou-se o “Plano Punhal Verde-Amarelo”, estratégia que previa a decretação de estado de sítio e a prisão de autoridades, incluindo ministros do STF e do TSE, para impedir a posse de Lula em 2023. O plano envolvia setores das Forças Armadas e aliados de Bolsonaro, mas não foi adiante devido à resistência de parte da cúpula militar.

Diante das falhas nesses planos, a “última esperança”, segundo a PGR, era o dia 08 de janeiro de 2023, dia em que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, pedindo intervenção militar para reverter o resultado das eleições.

O ataque foi considerado uma tentativa de golpe pelo STF e levou à prisão de centenas de envolvidos, além da investigação de autoridades que facilitaram ou incentivaram a ação. 

Desdobramentos

Os próximos passos do processo incluem: 

  1. Instrução Processual: Fase em que são coletadas provas, ouvidas testemunhas e realizadas perícias. As defesas podem apresentar novas evidências e indicar testemunhas.
  2. Julgamento: Após a instrução, o tribunal avaliará as evidências e ouvirá as partes antes de proferir a sentença.​

Caso condenados, os réus podem enfrentar penas severas. Especialistas indicam que Bolsonaro poderia ser sentenciado de 12 a 43 anos de prisão. Porém, no Brasil, o tempo máximo de reclusão é de 40 anos. 

Além disso, o STF agendou para os dias 6 e 7 de maio de 2025 o julgamento do núcleo 4, composto por acusados de orquestrar especificamente ações de desinformação relacionadas ao golpe. ​

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