A ofensiva das grandes plataformas digitais para cima do Projeto de Lei 2630, o PL das Fake News, em vias de ser votado no Congresso, é uma estratégia já utilizada em outros países para tentar barrar qualquer tentativa de regulação do modo de funcionamento das empresas. Na Austrália, por exemplo, que há um ano aprovou seu código de regulação midiática, o risco para os negócios e as ferramentas disponíveis foi um dos argumentos utilizados em ampla campanha para ganhar a opinião pública. No Brasil, além da retórica do medo, as big techs têm tratado o assunto com narrativas desinformativas, fragmentadas e sem proposições alternativas.
Ontem (14), por exemplo, em seu buscador, o Google inseriu um link para a carta do presidente Fábio Coelho, com a chamada: Saiba como um projeto de lei pode tornar sua busca menos útil e segura.
Na carta, divulgada para a imprensa na última semana, Coelho sugere que os relatórios de transparência previstos no projeto são inviáveis de serem cumpridos, questiona as novas regras para publicidade digital direcionada e a remuneração do conteúdo jornalístico.
O Facebook aderiu à campanha anteriormente publicando um anúncio pago nos jornais brasileiros com o seguinte título: O PL das Fake News deveria combater as fake news e não a lanchonete do seu bairro.
A forma como as plataformas estão se posicionando é fortemente criticada por vários setores da sociedade e pelos parlamentares envolvidos na construção da lei. Desde agosto de 2020, o projeto reuniu centenas de especialistas e representantes dos mais variados setores resultando em aprofundamento de muitos dispositivos e amadurecimento do texto.
“Elas se colocam veementemente contra transparência porque a opacidade é um fator intrínseco ao modelo de negócios dessas plataformas. Dar transparência a operações é empoderar a sociedade para reduzir assimetrias que essas empresas manejam de forma estratégica para auferir lucro”, afirma Renata Mielli, secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e integrante da Coalizão Direitos da Rede, que reúne mais de 48 organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos digitais.
Mielli avalia que a forma como as empresas têm abordado esses temas tem sido, no mínimo, antiética. “São conteúdos de desinformação, com manchetes que flertam com o terrorismo midiático, como aquela publicidade que diz que o PL ataca a lanchonete do bairro, o que de forma nenhuma é verdade”.
O diretor executivo do InternetLab, Francisco Brito Cruz, complementa dizendo que os pronunciamentos como têm sido divulgados dão impressão de que as empresas são contra o projeto de forma ampla e não contra alguns trechos, como ele acredita ser o caso.
As três principais temáticas que as empresas questionam, concordam os especialistas, precisam ser debatidas com argumentos e não com frases de impacto.
Transparência e moderação
As exigências de relatórios de transparência sobre moderação de conteúdo e detalhes sobre as equipes que realizam este trabalho são pontos questionados pelas empresas, mas têm aspectos importantes, ressalta Francisco Brito, como, por exemplo, saber se a força de trabalho fala português é importante para tutelar um trabalho de interesse social.
Os argumentos de que a transparência revelaria segredos de negócios industriais e tornaria as redes mais vulneráveis a agentes maliciosos é uma preocupação já contemplada pelo projeto, explica Brito Cruz. “Preocupação com que tipo de falha de segurança estamos falando? O que pode acontecer? O PL traz obrigações mas também exceções quando há insegurança e as empresas não explicam que fragilidades seriam estas”.
O direito ao devido processo quando há moderação de conteúdo como restrição, rebaixamento e a possibilidade de contestação das medidas adotadas pelas plataformas, na opinião de Renata Mielli, podem garantir um ambiente digital mais seguro e menos tóxico, o que não justifica as queixas das empresas.
Publicidade direcionada
As reivindicações sobre os vetos à publicidade personalizada nas plataformas, previstos no artigo 7 do PL, na opinião de Brito Cruz, procedem porque a abordagem é genérica, atécnica e a LGPD já contempla o uso de dados. Mesmo assim, o que o texto prevê não vai prejudicar “a lanchonete da esquina”, como alegou o Facebook em seu anúncio.
“É leviandade mobilizar o temor de pequenos comerciantes contra o projeto com falsos argumentos sobre publicidade. O PL 2630 não restringe a publicidade na Internet, apenas busca, em seu Artigo 7º, adequar a nova lei aos parâmetros já estabelecidos pela LGPD”, afirmou em seu Twitter o deputado Orlando Silva, relator do PL 2630.
Mais debate para remuneração do conteúdo jornalístico
Os especialistas concordam que o debate sobre remuneração de conteúdo jornalístico, previsto no artigo 38 do PL, carece de mais debate e detalhamento. Entidades do campo jornalístico, da mídia alternativa e dos direitos digitais se manifestaram sobre a necessidade de melhorar as definições sobre o que é ou não conteúdo jornalístico e como se daria esta remuneração, quem mediaria a negociação.
As plataformas, no entanto, segundo Renata Mielli, têm se colocado contra qualquer iniciativa que surja na perspectiva de remunerar links. Inclusive ameaçaram acabar com sua operação em outros países por esse motivo.
A remuneração do conteúdo jornalístico já é adotada com sucesso em alguns países da Europa e da Oceania, lembrou Orlando Silva, casos que valem ser observados para a regulamentação, fase posterior à criação da lei.
E os próximos passos?
Uma pergunta a ser feita para as empresas, na sugestão do diretor executivo do InternetLab, é: o que vocês acham bom? O que acham que pode ser feito?
Para Renata Mielli, é fundamental desfazer as confusões provocadas pela campanha de desinformação que as plataformas estão promovendo. “É preciso seguir mobilizado e acompanhar as discussões das próximas semanas. Não podemos ficar paralisados sob o argumento de que não há consenso”.
A iminência de votação do projeto pressionou as empresas no sentido de expor as equipes brasileiras a buscarem respostas. ” Multinacionais têm tratamentos diferentes por grupo linguístico, território, cultura. São as pressões sociais em diferentes países que vão conseguir os avanços, adequação ao texto, mudanças, disponibilização de ferramentas”, conclui o diretor do InternetLab, Francisco Brito Cruz. .