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Acordos com empresas de IA são a melhor saída para o jornalismo?

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A popularização das Inteligências Artificiais generativas trouxe mais um desafio para a sustentabilidade do jornalismo: o uso indiscriminado de dados e conteúdos produzidos pelos veículos para o treinamento dos modelos. Nos últimos meses, empresas de IA vêm fechando acordos com editores internacionais para licenciar o uso dos seus conteúdos, criando possibilidades de remuneração em um cenário cada vez mais crítico para o setor. Mas esses acordos entre empresas de IA e veículos são realmente uma saída para o jornalismo?

💡 Ao todo, já foram realizados 61 acordos entre empresas de IA e editoras internacionais, segundo o mapeamento realizado pelo Tow Center for Digital Journalism da Universidade de Columbia. A OpenAI lidera a lista com 34 acordos, adicionando ao seu portfólio gigantes do setor editorial como a Condé Nast – que gerencia as atividades da Vogue, The New Yorker e Wired –, Associated Press e The Atlantic. O conteúdo dos veículos de comunicação serão recomendados, por exemplo, nas respostas dadas no SearchGPT, protótipo de pesquisa da empresa de IA.

Para a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), os contratos de licenciamento com empresas de jornalismo não representam uma solução para a sustentabilidade do setor. A associação entende que esses acordos são insuficientes e problemáticos por serem limitados, excludentes e por não apresentarem transparência nos critérios de escolha dos veículos.

Como explica Maia Fortes, diretora-executiva da Ajor, os acordos são firmados com poucas organizações e se baseiam na quantidade do conteúdo, o que pode criar uma barreira de acesso para outros veículos. 

“Sem um mecanismo que contemple o ecossistema jornalístico como um todo, esses acordos apenas beneficiam uma parcela do setor, podendo concentrar ainda mais um mercado que já é concentrado e limitar a diversidade e pluralidade de perspectivas, olhares e vozes”, disse Maia.

Paula Miraglia, co-fundadora de veículos digitais, como a Revista Gama e Nexo Jornal, e fundadora do Momentum – Journalism and Tech Task Force, também aponta que esses acordos não são uma saída para o mercado jornalístico, embora indiquem que tais empresas estejam reconhecendo que o conteúdo jornalístico tem relevância. Um dos pontos críticos apontados por Miraglia foi o valor dos acordos, que geralmente são estabelecidos pelas empresas de IA.

“Os publishers têm muita dificuldade em atribuir e definir um valor para os seus conteúdos, então essa atribuição vem das empresas de tecnologia e, obviamente, isso tende a favorecê-las”, afirmou Miraglia.

Outro ponto é a exclusiva atenção aos veículos de informação do Norte Global – até então nenhum acordo com veículos da América Latina, Ásia ou África foram anunciados. Apesar de indicar um caminho esperado, já que as grandes empresas do setor de IA são norte-americanas e tendem a fechar contratos com os seus principais mercados, esse fator também traz desafios para os países do Sul Global e seus respectivos contextos.

“Essas são soluções desenhadas e implementadas no Norte Global e que depois chegam ao Sul de uma maneira que não necessariamente fazem sentido aos nossos mercados”, comentou Miraglia. “Os países do Sul Global têm mercados mais concentrados e muitas vezes menos resilientes. Então, como incorporar esses elementos na equação?”

Maia também aponta que a priorização da língua inglesa nesses contratos marginaliza outras regiões e ignora a diversidade linguística e cultural, lembrando a importância de se ter uma regulação que determine modelos de remuneração do conteúdo jornalístico. “Para responder a essas questões de discricionariedade entre países e veículos, precisamos avançar com uma regulação de Inteligência Artificial que assegure direitos autorais e promova a integridade da informação”, destacou.

Quais acordos já foram feitos?

  • Além dos acordos de licenciamento fechados diretamente com os editores, a OpenAI e a Microsoft anunciaram um pacote de 10 milhões de dólares (cerca de 57 milhões de reais) a um grupo de veículos norte-americanos de comunicação para testar as ferramentas de Inteligência Artificial no cotidiano da redação. Há contratos também com veículos europeus como o francês Le Monde e o espanhol Prisa News, que gerencia o El País.
  • Recentemente, a Meta anunciou o seu primeiro acordo com a Reuters para utilizar as matérias e outros dados do veículo no seu sistema de IA, chamado de Meta AI. Com o contrato, a Meta poderá utilizar o material da Reuters como sugestão de consulta nas respostas concedidas ao usuário pelo chatbot, que pode ser acessado pelas plataformas da bigtech, como Instagram e WhatsApp. 
  • Já a Perplexity, mecanismo de busca com IA, fechou seis acordos com veículos jornalísticos. A parceria com a The Associated Press, por exemplo, foi utilizada para a construção de um hub de informações durante as eleições presidenciais nos Estados Unidos – o que rendeu elogios pela imprensa norte-americana, apesar da funcionalidade também recomendar links de portais que não possuíam contratos com a empresa de tecnologia.

New York Times encabeça reação contrária às empresas de IA

Nem todos os veículos jornalísticos optaram por fechar contratos com as empresas de IA. Um outro caminho diante desse cenário, levantado principalmente pelo The New York Times, foi processar ou ameaçar judicialmente as companhias por uso indevido de conteúdos protegidos por direitos autorais.

Em dezembro do ano passado, o jornal norte-americano processou a OpenAI e a Microsoft por violarem direitos autorais ao utilizarem artigos e notícias do veículo para treinarem seus modelos de IA. De acordo com a ação, o jornal alega que as corporações de tecnologia “buscam se aproveitar do enorme investimento do Times em seu jornalismo, utilizando-o para criar produtos sem permissão ou pagamento”.

Além disso, outros portais também estão bloqueando os rastreadores das empresas de IA para impedir que haja coleta de dados, inclusive os sob paywall, sem remuneração devida para o treinamento dos modelos. 

Uma pesquisa realizada pelo Reuters Institute mostrou que, em 2023, 48% dos sites de notícias mais visitados em dez países bloquearam os rastreadores da OpenAI. Desse número, quase todos eles (97%) também impediram que o mecanismo do Google extraísse dados para o treinamento de seus sistemas de Inteligência Artificial. 

Há previsão de acordos com empresas de IA no Brasil?

Até então, não há oficialmente nenhum acordo fechado com veículos brasileiros. Questionada se já está conversando com editores no país, a Meta apenas se limitou a abordar a parceria com a Reuters, afirmando que: “estamos sempre aprimorando e trabalhando para melhorar nossos produtos” e que a parceria com o veículo “ajudará a garantir uma experiência mais útil para aqueles que buscam informações sobre eventos atuais”. A OpenAI não respondeu até o fechamento desta matéria.

Mesmo assim, editores brasileiros já se preocupam com o uso não autorizado dos seus conteúdos pelas empresas de IA, como mostrou o relatório “Jornalismo e Inteligência Artificial: Impacto para publishers brasileiros” divulgado esta semana pelo Momentum – Journalism and Tech Task Force. O estudo entrevistou 13 representantes de empresas, organizações ou associações jornalísticas para entender como a tecnologia está sendo incorporada no setor.

No país, alguns sites jornalísticos começam a replicar a estratégia de bloqueio dos rastreadores, mas ainda são poucos. Um levantamento realizado pelo Núcleo, mostrou que 99% de quase 4 mil veículos mapeados pelo Atlas da Notícia permitem uso de conteúdo para o treinamento dos modelos de IA.

Amadurecimento do mercado brasileiro

Tanto Miraglia como Fortes reconhecem que esses dados apontam para uma necessidade de amadurecimento do mercado brasileiro em relação ao tema. A criadora do Momentum, por exemplo, destaca a importância dos publishers de compreender o que está em jogo e também de procurar desenvolver o repertório técnico suficiente para conseguir bloquear ou proteger seus conteúdos do uso indiscriminado e não remunerado pelas empresas de IA. 

“É preciso que a gente tenha um momento de tomada de consciência maior e que o assunto vire mainstream”, afirmou Miraglia.

Já a diretora-executiva da Ajor também aponta a necessidade do mercado brasileiro entender as contradições trazidas pelas medidas de bloqueio de conteúdo às empresas de IA: “Ao impedir que a IA acesse informações de qualidade, aumenta-se o risco de desinformação e propagação de conteúdo falso. Além disso, a retirada do conteúdo jornalístico das bases de dados das IAs pode prejudicar o desenvolvimento de ferramentas que combatem vieses e desinformação”.

“Além de discutir alternativas como o bloqueio de acesso e suas contradições, é fundamental que o campo jornalístico brasileiro se organize para definir o valor do seu conteúdo e buscar formas de compensação justa pelo seu uso por empresas de IA, como a prevista no PL 2338, com a remuneração a partir de direitos autorais”, concluiu Fortes.

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