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Brasil segue modelo europeu de ´mais riscos, mais deveres´

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MICROSSÉRIE REGULAÇÃO DE IA: São 3 textos para você entender 1- o que está em jogo, 2- qual o andamento da regulação da inteligência artificial no Brasil e 3- quais experiências internacionais a gente precisa conhecer.

Enquanto o mundo caminha para criar balizas reguladoras das Inteligências Artificiais, o Brasil não fica para trás. Por aqui, o Projeto de Lei 2338/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é a principal proposta em discussão. A iniciativa deve continuar em desenvolvimento no próximo ano, quando espera-se que entre em votação, pelo menos, no Senado.

O texto tomou como base a proposta realizada ano passado pela Comissão de Juristas, composta por 18 estudiosos e presidida pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Supremo Tribunal de Justiça, que buscou sugerir normas gerais para o desenvolvimento, implementação e usos responsáveis de sistemas de IA.

Tainá Aguiar, professora de direito, tecnologia e inovação no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), explica que o projeto brasileiro adota uma abordagem semelhante à Lei de Inteligência Artificial da União Europeia (o AI Act, em inglês), que atualmente está nas fases finais de tramitação. Como o europeu, o PL 2338 escolhe a abordagem baseada em riscos.

“Quanto mais arriscado é o resultado, mais deveres fornecedores e operadores precisam cumprir. E às vezes o risco é tão alto e a impossibilidade de se dar transparência é tamanha, você chega ao nível de banimento de algumas tecnologias”, explica a pesquisadora.

No texto, são consideradas IAs de risco excessivo, e que portanto devem ser banidas, as tecnologias que empreguem técnicas subliminares que tenham por objetivo ou efeito induzir a pessoa a se comportar de forma prejudicial, que explorem vulnerabilidades de grupos específicos e aquelas utilizadas pelo governo para avaliar, classificar ou ranquear indivíduos para acesso a bens e serviços públicos.

Em nota técnica divulgada em agosto, a Coalizão de Direitos na Rede (CDR) levantou a urgência de adicionar o banimento de tecnologias de reconhecimento facial, de policiamento preditivo e de sistemas para reconhecimento de emoções, como ocorre no texto na UE. “Isso é fundamental para impedir um aprofundamento ainda maior do racismo no Brasil, especialmente no âmbito do sistema penal, bem como violações excessivas de privacidade”, trouxe o documento.

O PL 2338 veio para substituir outros projetos de lei que já buscavam regular a IA no país, mas eram considerados limitados, como o PL 21/2020, também chamado de “Marco Legal da IA”, de autoria do senador Eduardo Bismarck (PDT-CE), que cria as diretrizes para o desenvolvimento e uso da tecnologia pelo poder público, por empresas, entidades diversas e pessoas físicas.

O PL 21/2020, porém, recebeu nos últimos anos bastante críticas. Além de não contemplar as IAs generativas, como o ChatGPT, o marco foi aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados em regime de urgência, sem a oportunidade de uma discussão mais aprofundada. “É um assunto que tem que ser debatido com urgência, mas não votado com urgência”, avalia Tainá.

Além disso, o texto antigo é bastante principiológico, sem trazer diretrizes concretas de como realizar tais direcionamentos, o que é considerado pelos juristas como uma “soft law” (lei branda, em tradução livre). “O PL 2338 está mais maduro em relação ao PL 21/2020. Ele avança porque estabelece um hall extenso de direitos, regimes de responsabilidade, autoridade fiscalizadora do cumprimento da lei”, explicou a pesquisadora.

Substitutivo do PL 2338 está em discussão

Em agosto de 2023, o Senado aprovou a criação de uma Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA) para debater as propostas de regulação da tecnologia que estão em desenvolvimento no país e apresentar um texto substitutivo ao PL 2338. 

Presidida pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG) e com relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO), a CTIA realizou quatorze reuniões com a participação de pesquisadores, representantes de agências públicas nacionais e do governo para discutir, por exemplo, os usos das tecnologias de IA para condutas criminosas e ilegais.

No final de novembro de 2023, uma nova versão do PL 2338 foi proposta pelo senador Marcos Pontes. O novo texto modifica pontos do texto original, trazendo, por exemplo, uma nova dinâmica de identificação de riscos, baseada num cálculo de pontuações que classifica as tecnologias em 5 níveis diferentes: de risco alto, médio-alto, médio, médio-baixo e baixo.

Tainá Aguiar avalia que a nova proposta é confusa e esvazia os direitos previstos no texto original. “O novo texto atribui uma matriz de risco baseada num cálculo de normas técnicas muito difícil de ser cumprido e não detalha qual será o regime de responsabilização, se será subjetivo ou objetivo”, comenta.

A proposta do senador Marcos Pontes também traz a criação de um Conselho Nacional de Inteligência Artificial para implementar e fiscalizar o cumprimento da lei no país. O Conselho terá representantes do governo federal (incluindo ministérios da Ciência e Tecnologia, Educação, Economia e Defesa), das agências reguladoras nacionais, da iniciativa privada e de especialistas (advogados, economistas, desenvolvedores, pesquisadores, etc.). Não há menção à participação da sociedade civil.

Espera-se que o projeto aprovado pela CTIA, seja um novo texto ou o original, siga para votação no próximo ano, pelo menos, no Senado. Em entrevista à Revista Veja, em agosto, o relator do PL 2338 Eduardo Gomes afirmou que, uma vez aprovado, a legislação ainda terá um prazo de um ano para entrar em vigor, o que significa que o país terá um marco da IA em vigor apenas em 2025.

Trends nas redes sociais também impulsionam debate de regulação

Os assuntos envolvendo IA que pipocam no debate público nas plataformas digitais também impulsionam o debate de regulação no país. Em agosto, logo após a divulgação do deepfake da cantora Elis Regina para um comercial de veículos, o Núcleo identificou a criação de um projeto de lei específico que busca resguardar imagens e vozes reconstruídas digitalmente via IA de pessoas já falecidas.O PL 3614/2023 é de autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e foi apensado, em agosto, ao PL 3608, do deputado Jadyel Alencar (PV-PI), que também determina que a manipulação de imagens de indivíduos já falecidos dependerá da autorização dos herdeiros legais. O texto ainda estabelece que peças publicitárias devem informar ao consumidor quando utilizarem IA. O PL 3608 está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.

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