Imagens e vídeos descontextualizados com mensagens exageradas, racistas e xenófobas se espalharam na Europa durante as manifestações francesas que ocorreram no final de junho, conforme aponta o Observatório Europeu de Mídia Digital (o EDMO, na sigla em inglês). O objetivo das mensagens falsas seria elevar o nível de alarme entre cidadãos europeus.
Ainda conforme o EDMO, histórias com informações inverídicas sobre o ocorrido, e desmentidas pelas organizações de checagem do observatório, buscaram explorar o caos causado pelas manifestações que começaram após a morte do jovem Nahel, de ascendência argelina, durante uma blitz da polícia realizada na cidade de Nanterre no dia 27 de junho.
Algumas mensagens identificadas pelo observatório buscaram ampliar exageradamente os protestos, afirmando, por exemplo, que animais silvestres foram soltos pela cidade (como zebras, leões e rinocerontes), que manifestantes raptaram veículos da polícia e que explosões impressionantes aconteceram durante as manifestações.
Para reforçar tais alegações, foram utilizados fotos e vídeos produzidos em outros momentos e até mesmo em outros países. Em uma peça que circulou nas redes, durante o período, um vídeo de um incêndio em uma garagem de automóveis ocorrido na Austrália circulou nas redes com a legenda: “Criminosos antifas e imigrantes marroquinos e africanos de segunda e terceira geração nascidos na França queimam um estacionamento com milhares de carros”.
Até mesmo uma cena do filme Velozes e Furiosos, em que um carro é jogado de um prédio, serviu de base para mensagens descontextualizadas que circularam na França e em mais cinco países europeus.
O tom xenófobo e racista não poupou nem o jovem Nahel. “A desinformação se concentrou no comportamento supostamente perigoso do jovem de 17 anos, usando fotos de um cantor de trap para apoiar essa representação”, afirmou a organização. Vídeos descontextualizados acusando-o de dirigir de forma imprudente e de ataques a supermercados também foram identificados.
Desinformação foi explorada com viés político
Ainda conforme o EDOM, as informações falsas sobre as manifestações também foram repercutidas por figuras políticas de extrema-direita que tratam de questões sobre imigração na Europa. Um desses exemplos foi o político belga Tom Van Grieken que afirmou, em uma postagem no Facebook, que Nahel fazia parte de uma gangue armada.
“Essas ‘notícias’, destinadas a incitar a raiva e o ódio contra os imigrantes e as supostas políticas permissivas de imigração, são muitas vezes acompanhadas de textos que sugerem o fracasso desses programas e das instituições que os promoveram”, avaliou o observatório.
Plataformas foram acusadas de falhas na moderação
Durante os protestos, o presidente da França, Emmanuel Macron, acusou as redes sociais de desempenhar um “papel considerável” nos atos de violência. De acordo com Macron, redes como Snapchat e o TikTok estavam sendo usadas como canais de organização dos manifestantes.
Thierry Breton, Comissário da União Europeia, também chegou a criticar a falta de eficiência das plataformas em retirar conteúdos que incitaram violência durante os protestos. Em entrevista concedida à televisão francesa no dia 10 de julho, Breton afirmou que multas e suspensões às empresas poderiam ser aplicadas se continuassem a não realizar a moderação eficiente dos conteúdos.
À American Press, a porta-voz do Snapchat, Rachel Racusen, disse que a empresa aumentou a moderação para detectar e agir sobre conteúdos relacionados aos protestos.
Entenda as manifestações na França
No dia 27 de junho, o adolescente de 17 anos Nahel M. foi morto a tiros pela polícia durante uma blitz na cidade de Nanterre, a oeste de Paris. O episódio gerou indignação na população francesa pelo preconceito racial no país, o que levou a uma série de manifestações em diversas cidades.
Manifestantes carregaram cartazes com as palavras “A polícia mata” e centenas de prédios públicos foram danificados. De acordo com o ministro do interior francês, Gerard Darmanin, foram relatados 2.560 incêndios, 1.350 carros queimados e 234 incidentes de danos a edifícios. Mais de 1.300 pessoas foram presas e mais de 200 policiais ficaram feridos.