A menos de um mês para o início das eleições na Índia, organizações internacionais da sociedade civil estão mostrando que plataformas como YouTube, Instagram e Facebook estão permitindo anúncios com conteúdos desinformativos e com discurso de ódio no país. As plataformas são amplamente utilizadas na região, com 462 milhões, 229 milhões e 315 milhões de usuários respectivamente.
O estudo mais recente, lançado pela Global Witness em parceria com a Access Now, evidenciou como o YouTube aprovou campanhas pagas com conteúdos desinformativos. Foram submetidos 48 anúncios em inglês, hindu e telugu com alegações infundadas sobre fraude eleitoral, mentiras sobre procedimentos de votação e ataques à integridade eleitoral do país.
Todas as peças foram aprovadas pelo YouTube, afirmaram as organizações. As peças foram retiradas do ar pela equipe do experimente antes da data de publicação para garantir que não fossem veiculados ao público.
Esse tipo de conteúdo é proibido pelas políticas de desinformação eleitoral da plataforma, que também afirma revisar os anúncios antes que eles sejam aprovados e veiculados para os usuários. “Ao não implementar as suas próprias políticas em relação à desinformação, o YouTube levanta sérias questões sobre o seu papel em garantir que as próximas eleições indianas sejam livres e justas”, disse Namrata Maheshwari, Conselheiro Sênior de Políticas da Access Now.
Sobre os resultados do experimento, o ativista de ameaças digitais da Global Witness, Henry Peck, comentou que: “O que parece faltar ao YouTube não são políticas adequadas ou a capacidade de aplicá-las, mas a vontade de expandir as mesmas proteções que vimos conceder nos EUA às pessoas da maioria global”.
O relatório divulgado é mais uma evidência de como as plataformas não estão preparadas para o mega ciclo eleitoral de 2024, alerta levantado desde o ano passado pela Global Coalition for Tech Justice. As primeiras eleições do mega ciclo eleitoral realizadas nesse primeiro trimestre, como Taiwan e Indonésia, também apontam falhas por parte das plataformas na contenção de conteúdos desinformativos durante as campanhas.
“No caminho para o ano eleitoral crucial de 2024, as plataformas tecnológicas fizeram grandes promessas sobre a salvaguarda da integridade eleitoral, mas a prova está aí – o YouTube deu luz verde a todos os 48 anúncios que violam as suas políticas”, disse Namrata Maheshwari.
A ineficiência das plataformas na filtragem dos anúncios não é novidade. Testes semelhantes também foram realizados pela Global Witness no Brasil durante as eleições presidenciais de 2022. Em outubro daquele ano, a organização mostrou como o YouTube e o Facebook aprovaram mais de uma vez anúncios afirmando que a data do segundo turno tinha sido alterada e que o resultado das eleições já estava definido.
Em resposta à revista Time, um porta-voz do Google afirmou que a empresa aplica suas políticas “globalmente e de forma consistente” e contestou a metodologia utilizada pelo relatório: “Nenhum desses anúncios jamais foi veiculado em nossos sistemas e este relatório não mostra falta de proteção contra a desinformação eleitoral na Índia”.
“Nosso processo de aplicação tem várias camadas para garantir que os anúncios cumpram nossas políticas, e só porque um anúncio passou em uma verificação técnica inicial não significa que ele não será bloqueado ou removido por nossos sistemas de fiscalização se violar nossas políticas. Mas o anunciante aqui excluiu os anúncios em questão antes que qualquer uma de nossas revisões rotineiras de fiscalização pudesse ocorrer”, afirmou o porta-voz.
A Índia é considerada o país em que mais circulam peças desinformativas no mundo, com o próprio governo sendo um ator importante na disseminação de informações falsas e discurso de ódio contra populações muçulmanas. A expansão no país de conteúdos feitos por IA, incluído as deepfakes, também preocupam empresas e atores da sociedade civil, que já se movimentam para criação de rótulos e iniciativas de criação de padrões de segurança nacionais.
Meta permite anúncios violentos em suas plataformas
De acordo com uma matéria da Alt News, a Meta está permitindo anúncios que glorificam a violência com publicações que mostram, por exemplo, tiroteios na Índia. Em uma busca pela biblioteca de anúncios da plataforma, a equipe de reportagem também encontrou anúncios veiculados com um vídeo do assassinato de um deputado indiano com legendas de ameças contra rivais políticos. As peças foram impulsionadas por uma página que acumula mais de 300 anúncios políticos desde dezembro do ano passado.
O veículo também afirma que um desses anúncios veiculados no Instagram chegou a ser sinalizado e removido no dia 9 de março por não cumprir os padrões de publicidade da Meta. Porém, uma outra versão continuou sendo exibida na plataforma até o dia 16 de março, acumulando mais de 45 mil visualizações. Conteúdos que glorifiquem a violência são explicitamente proibidos pelas políticas internas da Meta.
“Este anúncio levanta sérias questões sobre a capacidade da Meta de aplicar eficazmente as suas políticas. Com mais de 3 milhões de visualizações, a presença contínua destes anúncios controversos na plataforma destaca a disparidade entre a política e a prática da Meta, exemplificando o seu fracasso durante este período eleitoral sensível e de alto risco”, escreveu o jornalista Abhishek Kumar.
Organizações recomendam mais ação do YouTube
A Global Witness e a Access Now recomendaram que o YouTube corrija o curso das suas ações antes do início das eleições gerais na Índia, marcada para começar no próximo dia 19, quando mais de 960 milhões de pessoas irão às urnas escolher os representantes legislativos que firmarão o próximo primeiro-ministro do país. O processo eleitoral indiano é um dos mais longos do mundo, com a finalização prevista para o início de junho.
Algumas das ações sugeridas para restaurar a confiança e cumprir os compromissos com os direitos humanos no país, estão a realização minuciosa do processo de aprovação de anúncios e da política de propaganda eleitoral, o investimento em recursos de moderação de conteúdo adaptados aos diversos idiomas do país e a consulta a atores da sociedade civil, bem como jornalistas e verificadores de fatos para incorporação de feedbacks e atualizações nas políticas.
X lança Notas da Comunidade no país
Nesta semana, o X (antigo Twitter) anunciou que está disponibilizando para os indianos a funcionalidade Notas da Comunidade (ou Community Notes em inglês), funcionalidade que adiciona notas de contexto em publicações consideradas falsas ou inverídicas. Os primeiros usuários já podiam adicionar contribuições a partir da última quarta-feira, dia 3. De acordo com uma postagem feita pelo perfil da funcionalidade, a plataforma afirmou monitorar a qualidade das contribuições “para garantir que as notas sejam consideradas úteis por pessoas de diferentes pontos de vista”.