Uma pesquisa recém-lançada pelo NetLab (UFRJ) traz resultados que mostram como o YouTube privilegia o conteúdo da Jovem Pan no Brasil em detrimento de outras fontes de informação. A pesquisa também indica que o algoritmo do YouTube favorece conteúdos pró-Bolsonaro.
O levantamento foi realizado a partir de 18 visitas-testes na plataforma de vídeos entre os dias 23 a 30 de agosto. Nessas 18 visitas, os canais do grupo Jovem Pan foram recomendados na primeira página do YouTube 14 vezes, com um ou mais vídeos. Ao todo, os pesquisadores identificaram 28 vídeos únicos da Jovem Pan, sugeridos 34 vezes na primeira página do Youtube.
Além disso, a pesquisa mostrou que os vídeos da Jovem Pan apareceram como primeira sugestão de conteúdo informativo (desconsiderando vídeos de música e podcasts, por exemplo) em 10 das 18 visitas, ou seja, em 55% dos testes. Outros canais com conteúdos informativos também apareceram nos testes como a primeira recomendação, mas em uma proporção menor que os conteúdos da Jovem Pan:
Para que o algoritmo não estivesse “viciado” com o histórico de interação do usuário, os pesquisadores utilizaram uma guia anônima e um VPN, um mecanismo que protege a navegação de um usuário, anonimizando sua atividade e localização geográfica. Ou seja, a recomendação foi feita a um usuário que não tinha predisposição para receber conteúdo A ou B.
O vídeo mais recomendado durante a análise foi a entrevista do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro ao Programa Pânico, onde atacou instituições e reproduziu informações falsas sobre o sistema de votação brasileiro. Em um dos acessos realizados pelos pesquisadores no dia 28 de agosto, a única fonte de conteúdo informativo recomendado era o vídeo da participação de Bolsonaro no Pânico.
Outros vídeos também foram recomendados na primeira página, de diversos canais ligados a Jovem Pan, como Jovem Pan News, Pânico, Pingos nos Is e Morning Show. Entre os vídeos estão também ataques ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes e críticas ao candidato Lula, retratando-o como “chefe de quadrilha” e “doente mental”.
Para os pesquisadores, essas recomendações possuem um efeito de publicidade: “A recomendação de conteúdo tem forte impacto nas escolhas dos usuários, especialmente, por fazer acreditar que os vídeos recomendados são baseados em critérios de relevância e não guiados por acordos comerciais ou outros interesses”, concluem os pesquisadores que assinam o levantamento. “A criação de desequilíbrio entre os candidatos ameaça a democracia”, acrescenta o relatório do NetLab.
Além disso, o estudo também abordou os vídeos recomendados a partir do acesso aos vídeos da Jovem Pan. Ou seja, a pesquisa, além de analisar a primeira página do YouTube em uma “conta virgem”, também analisou quais são os vídeos que o algoritmo mostra após o usuário acessar um dos conteúdos da Jovem Pan. Dessa forma, foram coletados os 50 primeiros vídeos recomendados pela plataforma para os usuários que assistiram a um dos 28 vídeos do grupo Jovem Pan. Os pesquisadores chegaram a conclusão que os canais mais recomendados são do próprio Grupo Jovem Pan.
“Isso indica que o usuário é encaminhado para o conteúdo da própria emissora, em um ciclo de ‘feedback loop’”, destaca o relatório. O feedback loop é um fenômeno em que há um ciclo de retroalimentação, ou seja, o usuário que assiste a determinado canal é redirecionado para novos vídeos do mesmo canal.
O relatório também destaca os perigos para o acesso à informação de qualidade que esse sistema de recomendação pode causar. Isso porque a Jovem Pan já foi acusada de disseminar informações falsas sobre a pandemia e sobre outros partidos, sendo inclusive notificada pelo TSE, e porque o canal apoia abertamente a candidatura de Jair Bolsonaro, afastando-se da isonomia que deveria ter em razão de ser uma emissora de rádio e TV aberta com concessão pública.
Uma reportagem da Revista Piauí já havia apontado o favorecimento da Jovem Pan pelo YouTube, no mês passado, destacando como, mesmo com acusações de desinformação, os conteúdos do canal não são derrubados ou desmonetizados pela plataforma.
O que diz o YouTube?
Em posicionamento enviado ao *desinformante, o YouTube afirmou:
“Nosso sistema de recomendações busca ajudar as pessoas a encontrarem vídeos que lhes ofereçam algo útil e interessante. Para fazer isso, nos baseamos em vários tipos de “sinais”, ou seja, dados que alimentam o sistema. Esses sinais incluem cliques, tempo assistindo, respostas a pesquisas, número de compartilhamentos, números de cliques em “gostei” e “não gostei”, entre outros.
Desde 2019, o nosso sistema de recomendação vem passando por uma série de atualizações para reduzir o conteúdo que está no limite das diretrizes – atualmente, o consumo de conteúdo limítrofe que chega por meio das recomendações é inferior a 0,5%. O YouTube também oferece aos espectadores uma variedade de ferramentas para melhorar a experiência deles na plataforma e decidir quais informações pessoais serão usadas para influenciar as recomendações.
Lembramos que o YouTube é uma plataforma aberta, em que qualquer pessoa pode compartilhar conteúdo, desde que esteja de acordo com nossas políticas de comunidade. Esse robusto conjunto de regras está em constante processo de evolução e busca garantir equilíbrio entre liberdade de expressão e a segurança dos nossos usuários.
Nossas diretrizes da comunidade definem as regras usadas no YouTube e, ao mesmo tempo, abrem espaço para diversas opiniões. Nossos revisores estão espalhados pelo mundo, e aplicamos nossas políticas de conteúdo com consistência, independentemente de porta-voz, ponto de vista político, histórico, posição ou afiliações. Para ajudar a determinar isso, o YouTube conta com uma política de “EDSA”, sigla em inglês que significa “Educacional, Documental, Científico ou Artístico“.
Repercussão
O estudo foi publicado com exclusividade na manhã desta terça-feira pela Folha de São Paulo e, desde a sua publicação, vem gerando campanhas nas redes sociais. No Twitter, às 11h da manhã, a hashtag YOUTUBE SEM PARTIDO estava em terceiro lugar nos trending topics, ou seja, os conteúdos mais comentados na rede no Brasil. A organização Sleeping Giants destacou a parcialidade e a narrativa bolsonarista da Jovem Pan:
A campanha cobra isonomia e imparcialidade do YouTube por privilegiar o canal da Jovem Pan.
Artistas também produziram e publicaram peças para cobrar a neutralidade do algoritmo de recomendação no YouTube: