A moderação de conteúdo é um dos pilares das plataformas digitais, em que as empresas, com base nas suas regras, analisam as publicações e determinam se elas podem ou não continuar disponíveis naquele espaço. No entanto, não faltam críticas de organizações sobre a falta de transparência dessas ações e o Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) revelou que essa também é uma queixa comum entre os usuários.
O relatório “Reclamações sobre o procedimento de moderação de conteúdo em redes sociais: o que pensam os usuários” aponta que, entre as principais reclamações sobre a remoção de postagens e suspensão ou bloqueio de contas, está a não fundamentação da decisão da plataforma (52%), a falta de resposta à contestação (22%) e a própria falta de comunicação da decisão (9%), ou seja, o conteúdo foi removido sem ter sido necessariamente avisado ao criador da publicação.
A pesquisa optou por não separar as reivindicações por plataformas, mas, de acordo com o relatório, foram coletadas reclamações das redes Instagram, Facebook, Twitter, Tiktok e Youtube por meio do site Reclame Aqui, que concentra queixas de clientes de diversos segmentos.
“Como não existe um repositório oficial para acompanhar decisões sobre moderação de conteúdo online, tivemos que recorrer a um canal público onde as pessoas expressassem sua insatisfação. No Brasil, o Reclame Aqui se tornou uma importante ferramenta para consumidores, e por isso foi escolhido como fonte de informações para nosso estudo”, explicou Paulo Rená, pesquisador do IRIS e revisor da pesquisa.
Para coletarem essas impressões, os pesquisadores buscaram as 250 primeiras reclamações dos usuários nas páginas de cada plataforma (exceto do TikTok em que só existiam 85) e, após a exclusão de queixas repetidas, chegou a um grupo de 1081 reclamações, das quais 449 versavam sobre moderação de conteúdos e 54,34% delas abordavam o procedimento de moderação nos casos de remoção de postagens e suspensão/bloqueio de contas. Um dos depoimentos colhidos reflete a principal questão encontrada: a falta de fundamentação.
“No dia [data ocultada], tive meu [nome da plataforma ocultado] desativado e recebi a seguinte mensagem ‘encontramos violações graves ou recorrentes das nossas diretrizes da comunidade’. No entanto, acredito que todos os vídeos publicados no canal e todas as minhas ações dentro da plataforma vão de acordo com os Termos de Uso e Diretrizes da comunidade do [nome da plataforma ocultado]. Sendo assim, gostaria que a plataforma explicasse quais seriam essas violações e quando elas foram cometidas e, se possível, peço que reveja a decisão e reative o canal”
“Hoje em dia, com tantas pessoas usando as redes sociais como principal ferramenta de trabalho, a ausência de resposta aos recursos contra decisões de moderação é um problema enorme. Essas pessoas podem ficar completamente desamparadas, sem saber o que fazer quando um bloqueio da conta impacta diretamente nos seus ganhos, no sustento delas”, analisa Luiza Dutra, pesquisadora do IRIS e uma das autoras da pesquisa.
A segunda queixa mais comum é a falta de resposta para as contestações realizadas pelos usuários. De acordo com o relatório, o processo de automatização é um dos fatores responsáveis por isso, no entanto, colocam as pesquisadoras, essas queixas indicam que a falta de revisão humana pode levar a um possível cerceamento do próprio direito de recorrer do usuário e o direito de apelação fica prejudicado.
“Após a suspensão, busquei ativamente reativar minha conta, mas tenho recebido apenas respostas automáticas e genéricas por parte do [nome da plataforma ocultado], que não oferecem nenhum esclarecimento concreto sobre como resolver a situação. Esta falta de comunicação eficaz tem me deixado completamente desamparada e sem meios adequados para contestar a decisão ou resolver o problema de forma satisfatória”, colocou um usuário em uma das reclamações coletadas.
Além disso, a pesquisa também mapeou reclamações sobre moderação de conteúdo que não envolvem remoção de postagens e/ ou suspensão/bloqueio de contas. Nesses casos, a maioria das queixas eram questões genéricas sobre moderação (36%), como descontentamento com o fato de ter sido moderado, reclamação sobre conteúdos que eram recomendados pelo algoritmo na plataforma e reclamação sobre decisão de moderação aplicada a perfis de terceiros. Nesse último caso, destaca-se o fato de que essas contestações eram feitas em nome de canais ou contas de influenciadores moderados. “Isto aponta para um uso do Reclame Aqui como uma espécie de espaço para ativismo em prol dos criadores de conteúdo”, analisa o relatório.
A segunda causa mais comum de reclamações dos usuários se refere a pedidos de moderação de conteúdo de terceiros, nos casos em que as pessoas alegavam encontrar conteúdo que violava as políticas de comunidade da plataforma (12,68%), além de denúncias que apontavam práticas como falsa identidade (10,24%) ou uso indevido de imagem (7,32%).
Os protestos encontrados no Reclame Aqui também versavam sobre questões de monetização do conteúdo (10,24%) e sobre a restrição de funcionalidades na plataforma (10,24%). Neste último conjunto, em alguns dos relatos, os usuários mencionam expressamente a suspeita de terem sofrido com a prática de shadowbanning.
Com base nos achados da pesquisa, o Instituto emitiu duas recomendações às plataformas: que elas promovam transparência e fundamentação nas decisões de moderação de forma adequada; e que aumentem a eficácia dos processos de recurso e revisem suas políticas internas para abordar efetivamente as necessidades dos usuários e garantir um ambiente digital seguro e confiável.