“A disputa segue estável: Jair Bolsonaro tem 46% e Lula 31% das intenções de voto”, anuncia William Bonner à frente do painel “Eleições” que ilustra o cenário de um dos telejornais mais tradicionais do país. Em seguida, um gráfico animado aparece como apoio à fala do apresentador, reforçando a posição privilegiada do candidato Bolsonaro (PL) nas pesquisas eleitorais.
O vídeo que circulou principalmente no Whatsapp a partir do dia 19 de setembro deste ano, a menos de duas semanas antes das votações de primeiro turno, parecia ser um recorte verídico da edição do telejornal da Rede Globo. Não era.
Como checado pela agência Lupa, a peça audiovisual não passava de uma adulteração do conteúdo original e verdadeiro, que apontava o resultado contrário: Lula liderava a disputa com 46% enquanto Bolsonaro seguia com 31% das intenções de voto.
Essa foi uma das 27 fake news que exploraram a imagem e/ou a identidade visual da imprensa para difundir informações falsas sobre candidatos. Este montante foi identificado pela pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital ( INCT.DD), Tatiana Dourado, de 16 de agosto a 6 de outubro.
Além de vídeos manipulados, também foram detectadas nas principais plataformas de redes sociais imagens que simulavam manchetes de portais noticiosos – como a Veja e a Jovem Pan – e o uso das marcas CNN, SBT e Cidade Alerta para reforçar informações ou alegações posteriormente atestadas como falsas por agências de checagem de fatos.
Como explica a pesquisadora Tatiana Dourado, essas fake news costumam explorar marcas, simular urls (endereço eletrônico de páginas na Internet) e usar trechos de reportagens da imprensa para dar mais verossimilhança a uma história inverídica.
“Mais do que a mimetização jornalística, o que há é uma mimetização da notícia ou do ato de noticiar – isto é, de reportar algo atribuído como ‘urgente’. ‘’importante’ ou ‘exclusivo’”, comenta a pesquisadora.
Por utilizar veículos já conhecidos do público, essas peças mimetizadoras do formato e da prática jornalística acabam diminuindo a desconfiança em relação à informação por parte das pessoas. A coordenadora acadêmica do *desinformante, a pesquisadora Nina Santos, comenta que, por causa disso, o usuário tende a passar a peça falsa para frente sem checar o que está sendo divulgado.
Essa prática acaba tendo impactos negativos tanto para democracia como também para o próprio jornalismo. “Isso é muito grave porque o trabalho jornalístico sério é um dos pilares básicos da democracia. Então, quando você cria fake news que imitam o formato noticioso, o que acaba acontecendo no fundo é uma descredibilização do próprio jornalismo”, afirma a pesquisadora.
Manchetes falsas na mira da desinformação
Do material levantado pela pesquisa, ao menos 10 peças são manipulações de manchetes jornalísticas utilizando a identidade visual e a formatação de portais de notícias verídicos.
Um dos supostos prints que começou a circular no último dia 5, por exemplo, simulava uma checagem de fatos realizada pelo G1, afirmando que seria real uma foto do ex-presidente Lula (PT) segurando uma estátua de Baphomet, ídolo pagão associado ao satanismo.
No topo da falsa captura de tela, estava o cabeçalho vermelho característico do site, seguindo também a formatação e disposição tipográfica específica do veículo midiático do grupo Globo.
Já no domingo das eleições (2), logo nas primeiras horas de votação, também circularam pelas redes digitais duas manchetes jornalísticas manipuladas anunciando a vitória do candidato Jair Bolsonaro (PL) na Nova Zelândia e na cidade de Nagoia, no Japão. Ambos conteúdos foram confirmados como falsos pela Agência Lupa.
Como evitar cair nesse tipo de fake news
Se por um lado, esse tipo de desinformação acaba diminuindo as barreiras de desconfiança do público, por outro, também pode ser facilmente verificada pelos cidadãos. Com uma rápida pesquisa em sites de buscas, é possível identificar se o respectivo portal publicou a notícia em questão ou se o assunto, de fato, tem alguma ressonância em outros veículos midiáticos respeitados.
“O cidadão pode copiar a manchete no Google e ver se aparecem links para veículos confiáveis, que tenham publicado alguma coisa sobre aquele tema”, ensina Nina Santos.
Outra opção é a pesquisa direta no portal de notícias por meio das ferramentas de pesquisa presentes dentro de cada site. Assim, é possível conferir se a notícia está, de fato, publicada e disponível no veículo.