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@thiagoilustrado

dez 20, 2023 | destaques, notícias

“Eu divulgo, mas nunca joguei” Qual a responsabilidade dos influenciadores sobre o que anunciam? 

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A internet foi tomada por um único tema esta semana: jogos de azar. No domingo (17), a Rede Globo divulgou uma matéria sobre a investigação em torno da Blaze, uma plataforma de apostas que promove o “jogo do aviãozinho”, considerado ilegal no país. Além de enquadrar o site, a matéria levantou questionamentos sobre os influenciadores que divulgavam os jogos.

A plataforma ofertava jogos de apostas e jogos de azar e investia no chamado marketing de influência para promover seus produtos. Para isso, contratou diversos influenciadores digitais que, de diferentes formas, persuadiram seus seguidores com a promessa de um bom retorno financeiro. 

Os famosos anunciavam em seus perfis e, muitas vezes, “jogavam” perante o público, ou pelo menos fingiam jogar. Circula nas redes sociais uma das propagandas realizadas pela influenciadora Viih Tube em que o que aparece, em vez do jogo, é uma gravação de tela.

“Eu divulgo, mas nunca joguei”. “Se você não tem cabeça, não jogue!”. Essas são algumas das falas que o influenciador digital Carlinhos Maia – que não foi citado na investigação – fez em sua rede social após a repercussão do tema. “Você que tem que ter consciência porque eu vou continuar divulgando esporte da sorte para você”, disse ele também.

“Essa frase é muito grave porque ela tira da atuação do influenciador aquilo que é pressuposto de uma atuação profissional”, analisa Issaaf Karhawi, professora titular em comunicação da Universidade Paulista e autora do livro “De blogueira a influenciadora”, ao comentar sobre a isenção de responsabilidade no caso específico. “Qualquer publicidade que os influenciadores digitais fazem é como se eles estivessem emprestando um pouco da reputação deles para as marcas, mobilizando a confiança dos seguidores em direção a essas marcas. Então tem sim um atravessamento importante dos influenciadores nessas ações. Se isentar é bastante antiético e bastante irresponsável”, pontua.

“Os influenciadores não emprestam só a imagem ou só o rosto para as marcas, eles  validam aquilo, eles levam para o seu dia a dia, eles forjam uma narrativa de autenticidade, eles simulam que estão jogando o jogo. A atuação dos influenciadores digitais não está baseada só em oferecer a sua imagem para uma marca, tem a inserção dessa narrativa publicitária dentro do dia a dia do influenciador, nos stories em que ele fala da vida e da rotina e de repente entra um jogo de apostas que borra os limites do íntimo, do privado, do profissional e do autêntico”, acrescenta Issaaf Karhawi. 

Para a pesquisadora, a construção dessa autenticidade é um dos fatores que faz com que os sites de apostas tenham resultados tão positivos. A credibilidade também é central nesse processo, que apoia a própria ideia de influência digital. “A gente pode pensar relações de credibilidade baseadas em confiança, em identificação, em uma projeção, aspiração… Isso é muito circunstancial no digital, mas de qualquer maneira para que alguém receba esse título de influenciador é bem provável que ela seja capaz de impactar de alguma forma no consumo material e simbólico dos seguidores”, coloca Karhawi.

Além disso, os influenciadores vendiam algo atrativo: o “dinheiro fácil”, uma promessa que surge constantemente no ambiente digital com diferentes roupagens. A divulgação de fazendas de cliques e as lives de NPC são acontecimentos recentes que partem da mesma premissa. Karhawi argumenta que, além da própria dinâmica dos influenciadores, a temática tem uma questão crucial que fala das questões sociais e econômicas do Brasil.

Não há regulamentação da profissão de influenciador no Brasil, mas das apostas sim 

No Brasil, não há uma regulamentação da profissão de influenciador como recentemente foi aprovada na França, que delimita as atividades do mercado de influência e cria novas obrigações. Propagandas de jogos de azar, por exemplo, constam na lei francesa, determinando que promoções do tipo só podem ser realizadas em plataformas que limitam o acesso a menores de 18 anos e devem indicar que tais atividades são proibidas para menores de idade. O descumprimento das diretrizes prevê multas de 300 mil euros (cerca de R$ 1,6 milhão) e até 2 anos de prisão.

Não só não há legislação sobre o tema no Brasil, como o mercado de jogos de azar é proibido. No entanto, o mercado de apostas foi regulamentado recentemente. Para Ana Freitas, cofundadora e diretora da Quid, no imaginário existe uma zona cinza entre o que é permitido ou não e o valor investido pelas casas de apostas pode ludibriar alguns influenciadores. 

Instrutora do curso Chora, Morozov, voltado para capacitar e informar influenciadores sobre democracia e contra a desinformação, Freitas acredita que existem muitas camadas na percepção dos influenciadores e de como eles buscam se isentar da responsabilidade. Apesar de muitos dos influenciadores investigados serem considerados grandes dentro do ramo, com assessores e equipe própria, Ana Freitas argumenta que não necessariamente são equipes formadas por pessoas que enxergam outras dimensões do que é um formador de opinião para além do negócio ou que façam reflexões éticas sobre o tema. Até porque, complementa ela, é uma vinculação a uma marca que pode prejudicar o relacionamento com outras marcas e com os próprios seguidores.

“Para a sociedade que a gente quer ver é fundamental que criadores de conteúdo, influenciadores sejam expostos a reflexões sobre a responsabilidade que eles têm como formadores de opinião em ampla escala”, afirma Freitas. 

Issaaf Karhawi também aborda a necessidade de se discutir a capacitação dos próprios seguidores para que, a partir de um processo de literacia, possam entender como se dá o trabalho de influenciadores digitais e para que o público entenda onde ele está nesse modelo de negócio e como o seguidor termina legitimando os influenciadores.

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