O Fórum sobre Informação e Democracia lançou, durante o M20 Summit, um relatório que defende a implementação de impostos digitais como solução para enfrentar a crise de financiamento do jornalismo. O documento, intitulado Taxa digital para apoiar o jornalismo de qualidade (A digital tax to support quality journalism), parte do diagnóstico de que o setor vive um colapso estrutural, mas se concentra principalmente em apresentar recomendações concretas aos governos.
Segundo o Fórum, a proposta central é que países criem tributos sobre serviços digitais, como receitas publicitárias ou monetização de dados, e destinem parte da arrecadação diretamente ao jornalismo. “Os Estados não devem esperar por um consenso internacional para agir”, afirma o relatório, numa referência à suposta paralisia das negociações globais sobre o tema.
O Fórum sobre Informação e Democracia é uma iniciativa internacional criada em 2019 a partir de uma parceria lançada pela França e hoje apoiada por 56 Estados signatários. Fundado pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF) em conjunto com instituições de referência em direitos digitais, mídia e direitos humanos, o Fórum tem como objetivo principal garantir que propostas regulatórias ou de autorregulação para enfrentar a crise da informação estejam alinhadas a princípios democráticos.
Ao propor a criação de impostos digitais para financiar o jornalismo, o Fórum busca recolocar a sustentabilidade da imprensa no centro da agenda democrática global. Para os autores, não se trata apenas de uma questão econômica, mas de preservar um bem público essencial: a informação de qualidade. “O financiamento do jornalismo é uma questão democrática e global”, pontua o relatório.
As principais recomendações
Entre as orientações, cinco se destacam:
- Implementar rapidamente impostos digitais, com parte da receita vinculada ao financiamento do jornalismo, adotando como justificativa o princípio do poluidor-pagador — ideia de que plataformas digitais poluem o ambiente informacional e devem arcar com os custos de reparação.
- Adotar impostos amplos sobre serviços digitais ou, em alternativa, tributos focados em publicidade.
- Levar em conta os impactos da inteligência artificial na formulação desses impostos.
- Seguir princípios de governança transparente na destinação dos recursos, o que inclui distribuição feita por agência independente com participação de profissionais de mídia, critérios claros e públicos, acesso garantido a veículos pequenos, independentes e digitais, além da preservação da autonomia editorial.
- Não esperar por acordos internacionais: os países devem avançar mesmo sem um marco global.
Para o Fórum, esses princípios são essenciais para evitar distorções. “Os critérios de distribuição devem ser claros, transparentes e predeterminados”, reforça o documento.
Por que isso é necessário
A defesa de um imposto digital surge em um contexto de deterioração acelerada do modelo de negócios do jornalismo, é o que revela o documento. O panorama apresentado é o de nas últimas duas décadas, a combinação da plataformização das notícias, ou seja, a crescente dependência de buscadores e redes sociais, somado com a concentração do mercado publicitário nas mãos das plataformas reduziu drasticamente a receita destinada a veículos de imprensa.
O cenário se agravou com a pandemia de COVID-19 e, mais recentemente, com a popularização de chatbots de inteligência artificial, apontados pelo relatório como uma nova ameaça existencial ao setor.
O princípio do poluidor-pagador
Um dos eixos centrais do relatório é a aplicação do princípio do poluidor-pagador ao ambiente informacional. A ideia é simples: assim como empresas que poluem o meio ambiente devem financiar a limpeza do dano causado, plataformas que concentram recursos e contribuem para a degradação do ecossistema de notícias devem ser responsabilizadas.
Na visão do Fórum, taxar receitas publicitárias ou a monetização de dados pelas grandes plataformas e redirecionar parte desses recursos para financiar jornalismo de qualidade seria uma forma de “limpar” esse ambiente.
Desafios e resistências
O relatório reconhece, no entanto, os desafios políticos e diplomáticos. Um dos principais obstáculos é a forte oposição da atual administração dos Estados Unidos aos impostos sobre serviços digitais, que considera discriminatórios para suas empresas de tecnologia.
Além disso, permanece o risco de que recursos arrecadados fiquem concentrados em grandes conglomerados de mídia, se não houver critérios claros de distribuição. Por isso, o Fórum enfatiza a necessidade de um desenho institucional que privilegie diversidade, transparência e independência editorial.
Experiências que inspiram, mas não resolvem
O documento analisa tentativas de países que buscaram alternativas para sustentar o jornalismo. Na Austrália, em 2021, o chamado código de negociação de notícias (news bargaining code) obrigou plataformas a negociar diretamente com veículos de imprensa, resultando em pagamentos expressivos. No entanto, a falta de transparência nos acordos e a exclusão de veículos pequenos e locais limitaram os efeitos positivos.
No Canadá, iniciativa semelhante gerou uma reação ainda mais drástica das plataformas: a Meta bloqueou a circulação de notícias em suas plataformas no país. Já a Áustria é o único país a vincular formalmente um imposto digital sobre publicidade online ao jornalismo, embora sem destinação específica até o momento.
Esses exemplos reforçam, segundo o Fórum, a necessidade de uma solução mais equilibrada e previsível, que corrija falhas dos códigos de negociação e garanta maior transparência.
O que é o M20 Summit?
O M20 Summit aconteceu nos dias 1 e 2 de setembro de 2025, em Joanesburgo, África do Sul, e é uma iniciativa independente focada em integrar a integridade da mídia e da informação à agenda de políticas do G20. O encontro funciona paralelamente à programação oficial do G20, dialogando com grupos de engajamento de empresas, think tanks e sociedade civil.