O agravamento da crise climática já não é novidade. Os efeitos do aquecimento global são sentidos de forma cada vez mais intensa em todo o planeta, principalmente nas regiões mais vulnerabilizadas. Mas, enquanto o consenso científico sobre a origem humana das mudanças climáticas e sobre a urgência de soluções é sólido, a resposta política e social ainda está longe do necessário. E um dos principais obstáculos para isso acontecer, segundo uma nova avaliação internacional, não está na escassez de dados ou conhecimento técnico, mas na desinformação sobre o clima.
Divulgado pelo International Panel on the Information Environment – IPIE (Painel Internacional sobre o Ambiente Informacional), o relatório Integrity about Climate Science: A Systematic Review (Integridade da Informação sobre Ciência do Clima: Uma Revisão Sistemática) alerta que “a resposta humana à crise climática está sendo obstruída e adiada pela produção e circulação de informações enganosas sobre a natureza das mudanças climáticas e as soluções disponíveis”.
O estudo é uma avaliação científica abrangente sobre o tema, fruto de uma revisão sistemática de 300 estudos acadêmicos publicados entre 2015 e 2025, metodologia apontada como potencial de oferecer uma visão robusta do estado do conhecimento em um campo específico.
Quem espalha desinformação sobre o clima
Um dos grandes achados do estudo é a rede de atores poderosos que operam ativamente para distorcer a percepção pública sobre a crise ambiental e atrasar a adoção de políticas efetivas. De acordo com o relatório, indústrias, governos, partidos políticos, think tanks, veículos de mídia e até instituições acadêmicas têm papel central nesse ecossistema de desinformação.
Grandes petroleiras como ExxonMobil, Chevron, BP e Shell são apontadas como protagonistas na distorção da ciência climática. O relatório indica que essas empresas negaram publicamente as mudanças climáticas enquanto investiam em greenwashing para parecer sustentáveis. “Elas promoveram ativamente narrativas enganosas sobre seus impactos ambientais”, destaca o estudo.
Setores da indústria como aviação, agronegócio e turismo também recorreram a estratégias para minimizar seus impactos ou transferir responsabilidades. O objetivo comum é desmobilizar ações regulatórias e preservar interesses econômicos, aponta o estudo.
Além das corporações, a desinformação sobre o clima também é alimentada por governos, partidos políticos e diversos atores sociais. Segundo o relatório, países do Norte Global têm historicamente evitado assumir os custos de mitigação para o Sul Global, adotando estratégias que minimizam sua responsabilidade histórica.
Em ambientes politicamente polarizados, como nos Estados Unidos, o tema se tornou arma ideológica: enquanto os democratas adotam uma abordagem baseada em evidências, o Partido Republicano recorre a táticas negacionistas, ataques a cientistas e rejeição a acordos internacionais.
Um estudo citado identificou o presidente Donald Trump como figura central na difusão de desinformação sobre clima, com postagens infundadas amplificadas por redes de apoiadores, incluindo contas automatizadas, que responderam por 25% dos tweets sobre a saída dos EUA do Acordo de Paris.
A articulação entre interesses econômicos e políticos também passa por think tanks conservadores, como o Heartland Institute, que se apresentam como neutros, mas produzem conteúdos alinhados a corporações que as financiam.
“Think tanks recebem financiamento de atores do mercado para gerar recursos que servem a seus interesses”, destaca o relatório. A mídia alinhada à direita e redes sociais com forte atuação de bots completam o circuito, dando visibilidade a teorias conspiratórias e ceticismo climático.
As narrativas que desinformam sobre o clima
O relatório do IPIE identificou uma série de narrativas recorrentes que comprometem a integridade da informação sobre a crise climática. O documento aponta que essas estratégias vão além da simples negação dos fatos e incluem formas mais sofisticadas de manipulação.
Essas práticas costumam ser disseminadas em redes sociais, canais de mídia tradicional e veículos ligados aos próprios interessados, como empresas, lobbies ou grupos políticos. São estratégias de narrativas desinformativas:
- Negação direta das mudanças climáticas, que aparece como uma das ameaças mais disseminadas à integridade da informação.
- Ceticismo, que embora mais sutil, questiona a gravidade da crise, suas causas humanas ou a eficácia das soluções propostas, sem negar completamente o problema.
- Teorias da conspiração retratam o aquecimento global como uma invenção de cientistas, políticos ou elites, usada para manipular a sociedade e que “apresentam a mudança climática como uma farsa”.
- Greenwashing, estratégia em que empresas promovem ações supostamente sustentáveis para mascarar seus impactos reais.
- Atraso e obstrução, muitas vezes utilizada por atores econômicos que buscam enfraquecer ou adiar políticas ambientais. Uma forma de “nova negação”, segundo os autores.
- Desinformação científica, destacada no relatório como uma estratégia que combina seletividade de dados, má interpretação de pesquisas e uso de fontes não confiáveis.
Público-alvo: quem é mais exposto à desinformação sobre clima
As narrativas desinformativas sobre a crise climática são disseminadas em ambientes informacionais amplos e alcançam o público em geral, entretanto, o estudo revelou que certos grupos sociais são particularmente visados e vulneráveis a esse tipo de conteúdo. São eles:
- Políticos e formuladores de políticas públicas: as narrativas buscam influenciar diretamente “instituições legislativas, executivas e judiciárias”, buscando atrasar ou obstruir medidas de mitigação.
- Usuários intensivos de redes sociais: pesquisas citadas indicam que pessoas que buscam informações principalmente online estão mais suscetíveis a conteúdos enganosos.
- Jovens e estudantes: apesar de estarem na linha de frente do debate climático e serem futuros tomadores de decisão, muitas vezes dependem das redes como principal fonte de informação e ainda têm pouca experiência ou letramento midiático.
- Comunidades marginalizadas e sub-representadas: devido a desigualdades estruturais e algoritmos de segmentação, recebem informações distorcidas com maior frequência.
- Adultos e educadores: estudos apontam uma propensão maior a acreditar, por exemplo, em vídeos manipulados como se fossem autênticos.
Os efeitos provocados
O relatório do IPIE apontou ainda que as consequências da desinformação climática vão além da confusão momentânea, mas que seus impactos atingem indivíduos, instituições e até políticas públicas, com efeitos que se estendem no tempo e se amplificam conforme interagem com crenças pré-existentes da população.
Um dos efeitos mais documentados é a erosão da confiança pública na ciência, mostram os resultados do relatório. Narrativas negacionistas e teorias da conspiração minam a credibilidade de pesquisadores e evidências científicas, comprometendo o apoio popular a ações baseadas em dados. O estudo alerta: “quando as evidências produzidas pela ciência climática são ignoradas ou deslegitimadas, a confiança do público sofre”.
A desinformação também afeta as emoções e percepções individuais. Estudos analisados mostram que, além das respostas cognitivas, conteúdos enganosos podem gerar medo, apatia ou desengajamento, dificultando reações sociais coordenadas.
No campo político, os impactos se dão tanto em atitudes eleitorais quanto em decisões institucionais. A exposição contínua à desinformação influencia o comportamento de eleitores e formuladores de políticas, moldando posicionamentos ideológicos e travando o avanço de regulamentações ambientais.
O relatório ainda destaca o efeito cumulativo e reforçador desses conteúdos. Quando as informações falsas ou distorcidas se alinham com crenças já estabelecidas, a tendência é que sejam vistas como mais críveis do que os próprios dados científicos.
“As pessoas tendem a aceitar informações enganosas como mais confiáveis do que evidências científicas quando estas confirmam suas visões de mundo”, resume um dos estudos analisados.
Caminhos possíveis
Apesar do cenário preocupante, os pesquisadores do IPIE dedicaram parte significativa do estudo à sistematização de soluções promissoras para enfrentar a desinformação sobre clima. Com base na análise das centenas de estudos, o relatório ressalta que as respostas devem acontecer em múltiplos níveis, do institucional ao individual.
No campo institucional, regulações públicas são consideradas essenciais para conter conteúdos enganosos. O relatório aponta que legislações específicas, aliadas a ações judiciais, têm se mostrado eficazes para responsabilizar empresas e governos que deliberadamente distorcem informações climáticas. “A legislação, combinada com litígios, é uma medida estrutural-chave”, afirma o estudo.
Plataformas digitais e empresas de mídia também têm um papel central. Práticas como moderação de conteúdo e checagem de fatos são citadas como importantes, embora insuficientes se adotadas de forma isolada ou sem compromisso público. A comunicação científica direta, feita por cientistas e instituições de pesquisa sérias, aparece como uma via estratégica para reforçar a confiança social na ciência.
Do ponto de vista individual, mas que também reflete a necessidade de incentivo em políticas públicas, a educação é destacada como a ferramenta mais poderosa no longo prazo. Ampliar o letramento científico e midiático, ensinar a identificar manipulações e promover o pensamento crítico são caminhos para tornar a sociedade mais resistente à desinformação.
Entre as abordagens testadas, está também a chamada “inoculação”, que segundo o estudo significa “apresentar previamente exemplos de desinformação para aumentar a resistência dos públicos a conteúdos enganosos”. Os estudos analisados mostram que a técnica funciona especialmente bem quando combinada com explicações claras sobre o consenso científico e alertas sobre a origem política ou comercial de certas narrativas.
Por fim, o relatório reconhece o papel de jovens ativistas nas redes sociais, que têm usado plataformas digitais para mobilizar, informar e criar novas identidades ecológicas. Mesmo diante de ataques e resistências, o ativismo digital juvenil é apontado como uma força relevante na promoção de um “otimismo climático” e na construção de alternativas informativas.