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acervo pessoal

jun 5, 2023 | pontos de vista

Grito de alerta neste 5 de junho: violência contra povos indígenas e desinformação socioambiental

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Em meio aos desafios que o Brasil enfrenta no âmbito da política ambiental, é crucial refletir sobre a violência contra os povos indígenas, quilombolas, populações do campo e defensores e a disseminação de desinformação socioambiental. Durante a catastrófica gestão Bolsonaro, presenciamos retrocessos significativos nessa agenda e o novo governo Lula se depara com obstáculos no Congresso, onde a influência do Instituto Pensar Agro promove uma propaganda em larga escala em favor de interesses ruralistas. Contudo, além desses desafios políticos, devemos analisar o impacto das plataformas digitais na redução dos debates de interesse público a uma disputa por engajamento, assim como o papel nocivo das redes sociais na amplificação da desinformação socioambiental.

É fundamental destacar que a desinformação, a difamação e o discurso de ódio na agenda socioambiental têm impactos violentos diretos em nossos territórios. Esse percurso da desinformação, conforme venho destacando há algum tempo, precisa ser identificado em sua estrutura histórica, política e social. A desinformação circulando atualmente foi a mesma que serviu de ferramenta propagandística para justificar a violação de direitos e o genocídio dos povos indígenas durante a ditadura militar e continuam a fundamentar conspirações da extrema-direita brasileira. Atores com recursos quase que ilimitados, utilizam de táticas de propaganda para manipulação da informação e falseamento da história, método mais nocivo e perigoso do que o negacionismo. Casos emblemáticos, como o do conspiracionismo, desinformação e difamação sobre o trabalho dos brigadistas voluntários do Instituto Aquífero Alter do Chão, que se espalhou no que ficou conhecido como “Dia do Fogo”, incluía menções ao ator Leonardo DiCaprio e organizações não-governamentais (ONGs) fundamentou o inquérito sobre contas do Projeto Saúde e Alegria no Caso dos Brigadistas e já foi arquivado depois de minuciosa investigação. Entre o offline e o que circula online sem intervenção das plataformas, as constantes tentativas de difamar a memória do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips e ataques contra a liderança indígena Alessandra Munduruku, são apenas alguns exemplos dessa realidade de lideranças e defensores socioambientais.

O *desinformante é um aliado na luta contra a desinformação socioambiental e tem destacado o trabalho de organizações atuantes nessa área das políticas digitais. Temos iniciativas importantes com projetos territorializados para o fortalecimento de redes comunitárias de comunicação, direito à informação, conectividade significativa e combate à desinformação e discurso de ódio. Em abril, a Casa Preta Amazônia, com apoio da Prefeitura de Belém através da Fundação Escola Bosque (Funbosque-PA), realizou o 1º Encontro Presencial Plantaformas: Ancestralidade, Clima e Participação Social. Os participantes de nove estados da Amazônia Legal, autodeclarados negros, indígenas, quilombolas e/ou LGBTQIA+ participaram de formação em tecnopolítica, racismo ambiental e marketing digital. Em maio, o Instituto Vero e o Coletivo Intervozes realizaram o Seminário “Mentira que Desmata: os impactos da desinformação sobre a Amazônia e as políticas climáticas e ambientais” com a presença de coletivos amazônidas e lançaram o relatório “Amazônia Livre de Fake”. Esse ano, também tivemos o relatório “Panorama da Infodemia Socioambiental” do Netlab (UFRJ), que revela o impacto da desinformação em larga escala sobre os incêndios florestais e a negação das mudanças climáticas. O ecossistema digital da negação das mudanças climáticas e desinformação socioambiental envolve uma coordenação de engajamento entre influenciadores, políticos e corporações atuando em múltiplas plataformas.

Recentemente, deparamo-nos com um intenso debate sobre a negativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a perfuração de um poço de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, indicando a urgência de enfrentar essa problemática da desinformação socioambiental e científica. A iniciativa de checagem de fatos Fakebook.eco, identificou como os políticos de direita e esquerda se uniram no desconhecimento e na desinformação sobre o caso. Diferente do que ocorreu durante a pandemia de Covid-19, quando a ciência e a importância dos processos reconhecidos como essenciais para elaboração de pareceres técnicos eram o centro das discussões, no caso da exploração do petróleo, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ibama, foram questionados sobre uma suposta influência “ideológica” na negativa para a licença de exploração na Foz do Amazonas. As conversas nas redes sociais de modo polarizado e intensificado por narrativas divisionistas, infelizmente, contaram comumente com discursos de ódio contra a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e a Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.    

A exploração do divisionismo em nome de engajamento marca o modelo de negócios da indústria da informação, reduzindo as possibilidades da pluralidade de vozes e condicionando as conversas sobre política e temas de interesse público aos algoritmos das big tech. No dia 30 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou, por 283 votos a 155, o PL 490. Esse projeto de lei põe fim às demarcações de terras indígenas, promovendo o esbulho desses territórios e, consequentemente, o genocídio de seus habitantes. Além disso, a desidratação dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, conforme mencionado na nota do Observatório do Clima, traz consequências graves. A Medida Provisória 1.154, responsável por essa mudança, reestruturou a administração governamental, conferindo ao MMA uma aparência semelhante àquela observada durante a gestão bolsonarista. A pasta de Marina Silva volta a ser privada da Agência Nacional de Águas e do Cadastro Ambiental Rural, transferindo essas responsabilidades para os ministérios da Integração e da Gestão, respectivamente. Além disso, o Ministério dos Povos Indígenas perde sua principal atribuição, a demarcação de terras, que retorna para o domínio da Justiça. Mais de 700 organizações assinaram uma nota denunciando essa “boiada” da MP 1.154, e um manifesto ao Congresso convocou deputados e senadores a reverterem, em plenário, os retrocessos aprovados. Mesmo com participação e intensa campanhas nas redes sociais da sociedade civil, o ecossistema digital e de notícias continua um espaço que reforça o poder de atores com recursos financeiros para a propaganda.

Como diz o pensador Ailton Krenak, “estamos em guerra”. A nossa luta para recusar as práticas predatórias do agronegócio, mineradoras e infraestruturas desconectadas dos interesses do território, do projeto destrutivo e das falsas soluções em larga escala das big tech une tecnológos, comunicadores e socioambientalistas. Dizemos não às práticas que fazem escorrer o sangue dos nossos defensores e lideranças, da destruição dos biomas e nossos rios, caça predatória e da exploração do conhecimento tradicional, do pó de minério, mercúrio, ouro e lithium que conectam a monocultura de pensamento e demandas da logística do capital financeiro. 

Não podemos permitir que a violência e a desinformação silenciem a potência de nos conectarmos para fazer comunidades de laços fortes para a solidariedade e cidadania. A internet como bem comum pode sim ter a voz coletiva dos territórios, pode ser poderosa na luta pela justiça, pela preservação do meio ambiente e pela proteção dos direitos dos povos indígenas, dos quilombolas e da luta pela terra, bem como pelo direito à informação e a defesa de uma sociedade mais justa.

A partir de hoje, os povos indígenas promovem mobilizações em todo o Brasil contra o marco temporal. Convocadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete organizações regionais, as manifestações têm como objetivo reivindicar a derrubada da tese no Supremo Tribunal Federal (STF), cujo julgamento está marcado para o dia 7 de junho. As manifestações ocorrem durante a Semana do Meio Ambiente, entre os dias 5 e 9 de junho, e marcam também um ano do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips. Amigos e admiradores de Dom Phillips e Bruno Pereira estão se preparando para se reunir em cidades de todo o Brasil, bem como em Londres, para lembrar da dedicação às causas que eles defenderam e a comunidade que construíram com dedicação e compromisso com os direitos dos povos originários.

Junte-se a nós nas redes ou na sua cidade. Marco temporal não! Justiça por Dom e Bruno!

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Lori Regattieri

Senior Fellow Mozilla Foundation, fundadora da plataforma https://eco-midia.com/

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