O grupo de trabalho para aperfeiçoar a legislação brasileira de internet, na Câmara dos Deputados, se debruçou sobre o delicado tema de como identificar agentes maliciosos sem ferir a proteção de dados. Afinal, a rastreabilidade, como prevê o artigo 10 da nova lei, interfere na privacidade dos usuários? É possível coibir a desinformação sem ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)? A audiência pública, no último dia 24 de agosto, tentou responder estas questões, reunindo um time de representantes de diversos setores interessados em colaborar com o texto do PL 2630 ou, como ficou conhecido, PL das fake news.
Danilo Doneda, professor do Instituto de Direito Público, avaliou que a rastreabilidade não é compatível com a LGPD porque mina a criptografia ponta a ponta. Jaqueline Abreu, da Comissão de Juristas para Proteção de Dados Pessoais (PDP), Míriam Wimmer, diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e Bruna Martins dos Santos, representante da Data Privacy Brasil partilharam opiniões similares e pediram uma abordagem cuidadosa da lei brasileira no que diz respeito à possibilidade de identificação dos usuários das redes sob o risco de gerar vulnerabilidades e vigilância por parte das plataformas.
Para Míriam Wimmer, o principal problema da desinformação é a forma como o conteúdo circula, direcionado a pessoas mais suscetíveis, valendo-se de técnicas de marketing comportamental, além da ação dos algoritmos em relação aos dados pessoais. Jaqueline Abreu foi mais enfática na defesa de que a legislação brasileira já tem mecanismos de investigação para apurar delitos no Marco Civil da Internet. “É só aperfeiçoar o que já existe sem precisar alterar a lei para obter provas”.
Já Samara Castro, da OAB- RJ, e João Brant, do Instituto Cultura e Democracia, fizeram um contraponto, avaliando ser possível o rastreamento de mensagens coletivas e virais sem que isso interfira na privacidade dos usuários. Eles sugeriram que as próprias plataformas adaptem suas arquiteturas de modo a separar o conteúdo de massa (feito para viralizar) do conteúdo privado.
Castro sugeriu que grupos privados não deveriam ter a mesma proteção de grupos públicos. E pediu ainda modificações nas comunicações judiciais com as plataformas para que o processo e a produção de provas avancem mais rapidamente. “Hoje o post ilícito permanece muito tempo no ar, dando a sensação de impunidade”.
João Brant trouxe dados sobre o cenário da desinformação. De acordo com o Digital News Report 2021, os brasileiros são líderes em preocupação com fake news e o whatsapp é a principal fonte de informação enganosa. Pesquisa da UFMG apontou que 7 em cada 10 imagens compartilhadas sobre a pandemia via whatsapp eram falsas.
Brant propôs que as plataformas guardassem por três meses as mensagens passíveis de encaminhamento, por exemplo, como garantia de identificação da origem de mensagem criminosa.
A deputada Lídice da Mata (PSB-BA) reforçou a necessidade de novos limites para os crimes na internet pois “a desinformação está impactando a proteção da vida”.