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Pontos de vista

maio 20, 2024 | Pontos de Vista

Cenários possíveis para as deepfakes nas eleições brasileiras

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Não há como evitar ou repudiar o uso das tecnologias nas eleições. Não se luta contra o inevitável!

As campanhas buscam se adaptar aos novos arranjos, mirando oportunidades, ao passo que a Justiça Eleitoral objetiva abalizar disputas justas, transparentes e legítimas, sem abusos.

Nesse sentido, quais serão os paradigmas para lidar com as criações de conteúdos eleitorais com suporte da Inteligência Artificial e, em particular, com as deepfakes perante o cenário eleitoral brasileiro?

Será que teremos meios efetivos para cumprimento das novas regras por parte das plataformas?

E por fim, como ficará a fiscalização pelas autoridades?

I. As deepfakes nas campanhas eleitorais

Uma definição de deepfake da Lei da IA (Inteligência Artificial) da União Europeia é a seguinte: “uma imagem ou conteúdo de áudio ou vídeo gerado ou manipulado com Inteligência Artificial que se assemelha a pessoas, objetos, locais ou outras entidades ou eventos reais existentes que se aparentam falsamente autêntico ou verídico a uma pessoa” (art. 3º, “60”).

Portanto, as fronteiras entre realidade e fantasia estão difusas. Até a verdade pode ser negada!

Antes restrita ao campo do cinema (lembra-se das faces metamorfoseadas do clipe “Black or White” de Michael Jackson?), depois no campo da sátira, com montagens e dublagens, as deepfakes estão acessíveis e podem agora ser instrumentalizadas para discursos de ódio e toda sorte de manipulações.

Nas eleições da Argentina de 2023 tivemos largamente a produção de propagandas com a adoção de computação gráfica e outras ferramentas realísticas ou fantasiosamente destinadas a gerar emoções (à la Blade Runner ou Laranja Mecânica).

O processo eleitoral da Polônia em 2023 também foi marcado pela adulteração de um vídeo para disparar intencionalmente o medo em torno das supostas ameaças de bomba às estações de votação e, assim, dissuadir as pessoas de irem votar.

Não podemos menosprezar os riscos para fraudes eleitorais, enganações graves e assassinato de reputações se limites não forem bem definidos.

Neste contexto se mostra essencial: conhecimento técnico; ceticismo saudável e instrumentos jurídicos adequados.

II. As inovações para as Eleições 2024 quanto às deepfakes

Com os aprimoramentos na resolução da propaganda eleitoral, as deepfakes estão proibidas nas eleições brasileiras: seja para promover candidatos ou para atacar adversários (propaganda negativa).

Imagine uma criação estética pejorativa de um candidato ou o uso de um chatbot para responder ao usuário ou em um tom forçadamente negativo a um candidato? As possibilidades criativas de uma IA não podem ser utilizadas como contributo da indústria da desinformação.

É coerente tal proibição, posto que a legislação já considerava ilegal a divulgação de fatos sabidamente inverídicos, descontextualizados e outros métodos para enganar o eleitor sobre a realidade, trazer danos ao equilíbrio ou ameaçar a integridade do processo eleitoral.

Nem mesmo o candidato pode autorizar a sua própria adulteração de voz/imagem posto o fato de ser um conteúdo sintético, inautêntico, se tornando vetado de ser utilizado nas campanhas.

Tais inovações buscam coibir o uso de IA que possa confundir ou induzir o eleitor médio a acreditar que ali se trata de algo real ou crível, seja através de ferramentas simples ou sofisticadas, ao qual pode servir ao abuso do poder político e econômico, além do risco manipulativo, notadamente se for possibilitado o impulsionamento pago deste tipo de conteúdo – o que igualmente está vetado.

Por outro lado, não foi proibido o uso de IA para criações, desde que não seja verossímil para enganar o eleitor. Além disso, as criações com IA devem ter marca d’água, um rótulo. Espera-se que as plataformas estejam aptas a sinalizar uma criação com IA, o que não tira a responsabilidade de cada indivíduo ou campanha de inserirem-na, sob pena de incorrer em ilegalidades.

III. As plataformas e a fiscalização pelas autoridades: é possível limitar a dispersão de deepfakes?

Ao menos na TV, rádio e mídias impressas, não devemos encontrar deepfakes com tanta facilidade. Nas redes sociais, é possível que sejam difundidas, no entanto, poderão ser removidas mediante ações judiciais específicas, caso as plataformas não as façam espontaneamente por violação de suas políticas de uso (ver para crer!).

Como o uso de imagens ou vídeos com IA rotuladas será admitido, desde que não seja realístico, teremos aqui uma zona cinzenta em que determinadas plataformas poderão se recusar a ser mais diligentes na remoção de conteúdos, sem ordem judicial.

Por outro lado, será muito difícil coibir as deepfakes nos serviços de comunicação instantânea (whatsapp, telegram, etc.); em grupos ou comunidades, será possível denunciar para responsabilizar quem as divulgar.

A fiscalização pelos próprios candidatos deve ser muito intensa, considerando ainda o espírito de proximidade das disputas municipais, ainda que a internet seja um terreno fértil a ser explorado.

A manipulação midiática é uma séria ameaça à livre vontade do eleitor. As deepfakes podem se somar ao arsenal da máquina desinformativa na corrosão da estabilidade democrática. Isso, se nada for feito!

E caso se identifique uma deepfake nas eleições, o que fazer? Pessoa prejudicada, Ministério Público Eleitoral (MPE), candidatos, partidos/coligações poderão agir judicialmente. É recomendável que um cidadão denuncie o fato ao MPE para providências.

Como consequências leves, multas e retiradas de postagens; dependendo do teor, podemos ter crimes eleitorais contra a honra e, se de natureza grave, cassações e inelegibilidades por abusos de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação.

O cenário é desafiador, posto a incerteza se as deepfakes terão ou não destaque na ameaça à integridade informacional nas eleições de 2024 e, se as ferramentas para contê-las serão suficientes.

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Luiz Scarpino

Advogado especialista em Direito Público e Eleitoral. Professor. Doutor e Mestre em Direitos Coletivos e Cidadania (Unaerp) e Doutor em Cultura da Unidade com direcionamento em sociologia da Comunicação (Sophia University, Itália). Desenvolve pesquisas em desinformação e democracia.

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