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set 27, 2023 | Destaques, Notícias

Entenda o processo movido pelo Departamento de Justiça dos EUA contra o Google

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Neste mês começou um julgamento que é tratado como o mais importante sobre monopólios digitais dos últimos anos. De um lado, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, do outro, o gigante da tecnologia Google. Em questionamento está o modus operandi do Google no mundo dos negócios para a construção do seu domínio.

“Este caso é sobre o futuro da Internet e sobre se o mecanismo de busca do Google, algum dia, enfrentará uma concorrência significativa”, disse Kenneth Dintzer, principal advogado do Departamento de Justiça dos EUA.

A alegação é que o Google está abusando do seu monopólio, ou seja, que o crescimento do seu domínio não aconteceu de forma orgânica e que a empresa cometeu práticas abusivas que atentam contra a concorrência. A especialista do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Camila Contri, explica que essas condutas estariam ligadas a contratos realizados pelo Google.

De acordo com a denúncia, a plataforma estaria fazendo acordos com navegadores de internet, empresas de telefone e com operadoras para que se torne o buscador padrão de informações e, em alguns casos, para que o aplicativo já venha baixado nos smartphones lançados. Ou seja, a empresa pagou à Apple e ao Mozilla para que fosse o mecanismo de busca padrão no Safari e no Firefox e exigiu que os fabricantes de Android exibissem com destaque um widget de pesquisa do Google nos telefones. De acordo com o The Verge, esse acordo é chamado de Acordo de Distribuição de Aplicativos Móveis e tem sido considerado legalmente controverso na União Europeia. 

“A alegação é que esses contratos seriam prejudiciais porque o Google estaria pagando milhões anualmente de maneira a atentar contra o surgimento de outras empresas que poderiam competir com ele ou também empresas existentes como o Bing. E isso é curioso porque a Microsoft também é uma empresa enorme, mas o Bing não é usado por nem 10% da população norte-americana e muito menos no Brasil, então essas alegações não são exclusivas dos Estados Unidos”, comenta Contri.

 A especialista relembra um caso muito similar que aconteceu na União Europeia, em que a empresa recebeu uma multa recorde de US$ 4,1 bilhões por exercer posição abusiva de desenvolvedor do sistema Android ao incluir como padrão o Google nos celulares fabricados.

Uma das primeiras testemunhas especializadas do caso dos EUA foi Antonio Rangel, professor de economia comportamental do Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech), que destacou como uma opção pré-selecionada contribui para a construção de um viés daquele produto. Camila Contri concorda destacando que, ao ter um mecanismo padrão, os consumidores terminam, muitas vezes, não enxergando outras possibilidades. Esse ponto se retroalimenta, aumentando cada vez mais o domínio da empresa.

Falta transparência e escolha do usuário

Gabrielle Graça, assessora em Direitos Digitais da organização Artigo 19, defende que a partir do momento em que a arquitetura da empresa vai se tornando tão fechada a ponto de impedir ou dificultar substancialmente o direito de escolha do usuário, a plataforma começa a abusar do seu poder e monopólio. 

“Há duas décadas, o Google se tornou o queridinho do Vale do Silício com uma forma inovadora de pesquisar na Internet emergente”, disse o Departamento de Justiça em seu processo. “Esse Google já se foi. O Google de hoje é um guardião monopolista da internet e uma das empresas mais ricas do planeta”, conclui.

Nesta semana, o processo – que pode durar 10 semanas – ouviu Eddy Cue, vice-presidente de Serviços da Apple. O representante da empresa defendeu que os acordos feitos com o Google são pela qualidade do serviço em si. Essa é a mesma linha de defesa da própria empresa, que alega, de forma simplista, que  “as pessoas usam o Google porque é útil”.

“Tornar mais fácil para as pessoas obterem os produtos que desejam beneficia os consumidores e é apoiado pela lei antitruste americana. Em suma, as pessoas não usam o Google porque precisam — elas o usam porque querem”, argumenta o Google em seu blog. “Discordamos respeitosamente daqueles que pretendem alterar a lei antitruste para promover o bem-estar dos concorrentes e não dos consumidores. Colocamos as pessoas em primeiro lugar e nos concentramos em fornecer-lhes os serviços de que necessitam para encontrar informações de alta qualidade com facilidade e rapidez”, complementa a empresa, sem entrar no cerne do processo que é a concentração econômica e prejudicial à concorrência. 

Para Camila Contri, o Google tem qualidade, mas também comete abusos. A especialista adverte que os argumentos da empresa não se justificam na prática, visto que ela paga milhões por ano para ser o mecanismo convencional. “Se o Google é realmente a melhor empresa, não precisaria pagar tanto para ser o buscador padrão de celulares de navegadores”, rebate. 

Publicidade e conflito de interesses

O processo também inclui a questão publicitária, apesar de não ser o foco dele. A denúncia dos estados norte-americanos, nesse aspecto, trata do poder do Google de ditar os preços dos anúncios. O professor do Núcleo de Tecnologia de Estudos de Mídia na PUC-Rio, Marcelo Alves, explica que o Google, ao mesmo tempo que vende os espaços de publicidade, também afere de forma independente o resultado dela. “Então ele opera nas duas pontas, com objetivos e conflitos de interesse muito claros”, argumenta.

Ao fim do processo, o caso pode ser arquivado ou o Google pode ser condenado. Camila Contri explica que existem pelo menos três sanções nesses casos: a pecuniária, as sanções comportamentais e as estruturais. A primeira se resume basicamente ao pagamento de multa, que pode ou não ter um impacto econômico significativo na empresa. 

As sanções comportamentais interferem no modo de operação da empresa como, por exemplo, proibir a realização dos contratos questionados na ação. Já as estruturais seriam sanções que focam na estrutura do monopólio, ou seja, criar mecanismos para que a empresa seja dividida ou que aconteçam desinvestimentos que permitam o surgimento de concorrentes. Camila Contri pontua que isso aconteceu pouquíssimas vezes no direito concorrencial porque existe a preocupação de uma interferência excessiva.

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