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Por que os manifestantes aderem a teorias da conspiração e parecem viver numa realidade paralela?

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O Brasil assiste a diversas manifestações contra o resultado das urnas e com claro apoio a causas antidemocráticas. Nas redes sociais, desde o dia 30, viralizaram  vídeos de bloqueios e protestos ao redor do país com cenas singulares. Pedidos de intervenção federal e apelos ao artigo 142 da Constituição Federal se misturam a correntes de orações e outras palavras de ordem, chegando a um vídeo com uma criminosa saudação nazista. As cenas mais inusitadas foram flagradas após a circulação de uma informação falsa que indicava a prisão de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Já outros bolsonaristas acreditaram que a intervenção federal já havia sido decretada – o que também é falso – e comemoraram a “notícia”:

Por que chegamos a este ponto? Que país é este que adere facilmente a teorias da conspiração e parece viver em uma realidade paralela? Conversamos com pesquisadores que levantaram algumas hipóteses e alternativas para uma desradicalização dos brasileiros.

1- Narrativa de fraude gestada, há muito, no Telegram 

As manifestações foram gestadas e organizadas, em sua grande maioria, pelos aplicativos de mensagens instantâneas, como o Telegram e o WhatsApp. O pesquisador Leonardo Nascimento, membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), destaca que o movimento já vem sendo preparado há muito tempo e alimentado pela narrativa de fraude. Nascimento coordena, junto com Letícia Cesarino (PPGAS/UFSC) e Paulo Fonseca (ICTI/LABHD/UFBA), a pesquisa “Democracia Digital – Análise dos ecossistemas de desinformação no Telegram durante o processo eleitoral brasileiro de 2022”.

Ele lembra que o debate instigado em 2021 pelo presidente Jair Bolsonaro em relação ao voto impresso já fomentava uma narrativa de fraude eleitoral. “Isso não é novo, o problema é que essas narrativas vão se modificando, adquirindo novos contornos a depender do desenvolvimento do debate”, explica Nascimento. Novos elementos vão se agregando ao falso enredo, como hackers ou invasões aos ‘algoritmos’ das urnas. 

O professor de Ciências Comportamentais (ENAP), Ricardo Lins Horta, alerta para o equívoco de achar que os bolsonaristas ou militantes da extrema-direta são “burros” ou ingênuos. Na interpretação da psicologia social, quem tem visões radicais se sente confortável porque pertence a um grupo. Se estivesse sozinho (a) a situação seria diferente. A radicalização aumenta nas redes sociais porque este grupo de pertencimento é ampliado. O algoritmo “hackeia” estas crenças e então uma pessoa com uma visão conspiracionista ou absurda vai estar junto com outros 5 mil num grupo do Telegram. 

De acordo com com o monitoramento realizado entre 15 e 30 dias antes das eleições já começaram a aparecer as primeiras mensagens nos grupos de bolsonaristas e de extrema direita de que, se as eleições não fossem limpas, algo seria feito. Já mais próximo ao segundo turno, entre 10 a 15 dias antes, foram identificados os primeiros banners de convocação para paralisação no dia 29 ou dia 30 e que já sinalizavam presença de caminhoneiros.

No momento em que o resultado oficial é divulgado, relata Leonardo Nascimento, os participantes dos grupos já atestam a suposta fraude. “Para eles o gráfico dos votos é a prova cabal da fraude porque eles acham que a linha não poderia ser daquela forma”, explica. O pesquisador faz uma analogia com a apofenia, um fenômeno cognitivo em que a pessoa busca criar uma lógica ou realizar conexões a partir de fatos aleatórios.

“Quando termina a eleição, sai o resultado e o ex-presidente Lula se torna o vencedor, isso é o sinal de que a fraude que ele já esperava há mais de dois anos aconteceu. E aí começam as manifestações e os protestos de maneira cirurgicamente articulada e organizada”, explica Nascimento. Portanto, o que está sendo visto atualmente no Brasil não é um fenômeno espontâneo, nem novo, é algo que vem sendo gestado no médio prazo.

2 – Desinformação multiplataforma junto com descredibilização do jornalismo profissional 

Essa gestação é nutrida por um ecossistema multiplataforma de desinformação. Na análise realizada pelo grupo de pesquisadores são averiguados os links que circulam nos grupos e canais de extrema direita. Esses links levam para novos grupos do Telegram e do WhatsApp, mas também para vídeos do YouTube e outras redes sociais como TikTok e Instagram. Links para a chamada mídia tradicional, ou seja, veículos de comunicação como G1, Folha de S. Paulo e Estadão também são compartilhados nesses grupos, mas sempre como exemplos de fake news.

“Ou seja, a mídia tradicional, ela parece com uma mídia golpista, vendida. Então as menções que eles fazem a esses links é para desmerecer a reportagem. Então aí você já tem a primeira cisão, o que sai na mídia, inclusive fact-checking, não nos interessa porque é falso. Essa é a primeira cisão. Então o que que resta? O Zap, o Telegram, o Instagram e sobretudo YouTube”, explica Nascimento ao destacar que esse ecossistema faz com que os usuários fiquem presos em câmaras de eco, em que eles só ouvem e reverberam as mesmas opiniões e informações que, na maioria das vezes, são falsas.

As relações entre o governo e a imprensa se deterioraram significativamente desde a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro, que ataca regularmente jornalistas e a mídia em seus discursos, é o que ressaltou a ONG Repórteres Sem Fronteiras em seu último relatório sobre a liberdade de imprensa. A violência estrutural contra jornalistas, um cenário midiático marcado pela alta concentração privada e o peso da desinformação representam desafios significativos para o avanço da liberdade de imprensa no país, que ocupa hoje a 110 posição no ranking mundial da entidade. 

3 – As bolhas informacionais e o afastamento social 

Além das bolhas informacionais nas redes sociais, o pesquisador Leonardo Nascimento alerta para um outro fenômeno: o afastamento social. Desde as eleições de 2018 muitas relações sociais foram quebradas, então, além do usuário não encontrar o divergente nas redes, também não o encontra pessoalmente. Ou seja, no próprio cotidiano as pessoas só vão encontrar aqueles que confirmam suas crenças. 

“Isso é assustador. É por isso que quando a gente vê uma cena como a de Porto Alegre, a gente fica pensando ‘gente, essas pessoas tão loucas, essas pessoas estão malucas, é um delírio coletivo?’, porque existem elementos sociopsicoalgorítmicos misturados. Elementos sociais e psicológicos atravessados por uma lógica algorítmica de polarização e de radicalização”.

O professor Ricardo Horta lembra a ausência de fricção das redes sociais, facilitando muito a circulação da desinformação, teorias da conspiração e discursos de ódio. “Antes das redes sociais, quem tivesse uma ideia muito descolada da realidade para defender teria de olhar cara a cara os interlocutores e enfrentar uma certa pressão social na sala de aula, na mesa do bar, numa reunião de família. Agora posso fazer isso com poucos cliques no celular”.

4 – A polarização afetiva 

Outro ponto que Lins Horta chama atenção é para o conceito de polarização afetiva. Além de as pessoas discordarem do outro grupo, há um sentimento de animosidade, como se a divergência fosse motivada por má fé. Este fenômeno tem se agravado e  explica, por exemplo, porque laços familiares e de amizade se romperam durante a campanha eleitoral. 

Quais as soluções? 

Entre as soluções para a despolarização ou, ao menos, para um compartilhamento de uma base comum de fatos na sociedade brasileira, Horta apontou estudos norte-americanos que indicam a educação midiática para uma reaprendizagem da forma de consumo das notícias tendo em vista a arquitetura das redes. “Muitos grupos tinham determinado método para consumir notícias, antes da internet, e simplesmente continuaram com este mesmo método neste novo ecossistema digital, que funciona de maneira completamente diferente”.

Outra alternativa, do ponto de vista das intervenções psicológicas, implica em mostrar para as pessoas que os grupos tidos como divergentes não são tão divergentes assim e partilham de mesmos sentimentos, desejos e opiniões. “Seria como dizer aos manifestantes de agora que os que votaram em Lula também são patriotas, temos valores conjuntos e que devem ser compartilhados”. 

 A questão da reapropriação das cores verde e amarelo também é uma ação simbólica que ajuda a dissolver as resistências, na opinião de Horta, que sugere ao presidente eleito Lula da Silva vestir a camiseta da Seleção Brasileira tão logo chegue a Copa do Mundo. 

Para conter o movimento antidemocrático, o Tribunal Superior Eleitoral determinou a remoção de conteúdos e exclusão de grupos de extrema direita que articulam os bloqueios. Para Leonardo Nascimento, a medida é necessária para que as autoridades ganhem tempo, mas é um movimento que tem consequências. Isso porque os atores entendem como um cerceamento da liberdade, o que dá mais fôlego ao movimento antidemocrático. Uma outra consequência está ligada à articulação deles que vai se dando cada vez mais em camadas mais profundas das plataformas ou em aplicativos pouco conhecidos e, portanto, pouco moderados.

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