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fev 27, 2025 | Destaques, geral, Notícias

Por que o Rumble foi banido no Brasil?

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Desde a última sexta-feira (21), o Rumble, plataforma de vídeos popular entre usuários conservadores, está banido no Brasil por não cumprir ordens judiciais. Apesar da rede não ter tanta expressão no país, uma “briga de braço” com a Justiça brasileira, mais especificamente com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, vem escalando nos últimos dias, chegando até aos tribunais norte-americanos. 

Na ordem, Moraes justificou a decisão de bloqueio da plataforma por “reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros” e instituir um “ambiente de total impunidade e ‘terra sem lei’ nas redes sociais brasileiras”.

Dois dias antes, na quarta-feira (19), o ministro já havia dado o prazo de 48 horas para que a plataforma informasse um representante legal no país – como fez ano passado com o X (antigo Twitter), levando ao banimento de um pouco mais de um mês da plataforma de micromensagens. 

Também foi ordenado que o Rumble bloqueasse o canal de Allan dos Santos, impedisse novos cadastrados e repasse financeiro ao influenciador, o que não foi respeitado pela rede. O banimento do perfil de Santos já tinha sido cumprido por plataformas como YouTube, Facebook, X e Instagram.

Francisco Brito Cruz, advogado e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), lembra que, embora o Rumble não tenha desobedecido às mesmas ordens desobedecidas pelo X no ano passado, os dois casos são parecidos. 

“Na prática, estamos falando de uma resistência de uma empresa de tecnologia no cumprimento das determinações judiciais para remoção de conteúdo e de perfis”, explica, acrescentando que a suspensão de perfis não é uma mera moderação de conteúdo, mas uma medida cautelar que impede o perfil de continuar postando na rede.

Cruz comenta que, por ser uma plataforma que opera no Brasil e tem usuários brasileiros que postam ou consomem conteúdo, o Rumble está sob a jurisdição brasileira por força do Marco Civil da Internet e da interpretação que o Supremo faz dessa legislação. “Em razão disso, a plataforma tem que obedecer às ordens, ela não pode escolher quais ordens vai obedecer e quais não”, disse.

Rumble processa Moraes

Enquanto a Justiça brasileira esperava respostas da plataforma, o Rumble, junto com a Trump Media – empresa de mídia do presidente Donald Trump –, entrou com um processo contra o ministro Alexandre de Moraes em um tribunal federal norte-americano. A ação, movida na Flórida na quinta-feira passada (20), afirma que as ordens do ministro de bloquear o perfil de Allan dos Santos violam a soberania dos Estados Unidos, a Constituição norte-americana e as leis do país.

O diretor-executivo do Rumble, Chris Pavlovski, chegou a escrever no perfil do X (antigo Twitter) uma mensagem em português para Moraes, afirmando que a empresa não cumpriria “ordens ilegais”. “Nos veremos nos tribunais”, concluiu o executivo.

Um segundo processo foi movido, no sábado (22), pelas mesmas empresas, que pediram uma liminar contra Moraes com o objetivo de impedir que as ações do magistrado tenham efeito enquanto o caso é analisado pela Justiça norte-americana.

No documento, obtido pela CNN, as empresas afirmaram que Moraes estaria impondo uma “censura extraterritorial” ao exigir o bloqueio dos conteúdos e o fornecimento de dados de usuários, incluindo de cidadãos norte-americanos. A ação também defende que o ministro não estaria seguindo os canais diplomáticos e legais apropriados.

Nesta semana, a Justiça dos EUA rejeitou o pedido de liminar, afirmando que há falhas na entrega de documentação da ação e que o tribunal desconhece ações de Moraes ou do governo brasileiro “para domesticar as ‘ordens’ ou pronunciamentos conforme protocolos estabelecidos”. Na mesma decisão, a juíza afirmou que as ordens de Moraes não são válidas em território norte-americano.

O Rumble publicou uma nota no site oficial comemorando a decisão, chamando-a de uma “vitória total”: “O tribunal decidiu explicitamente que as diretivas de Moraes nunca foram devidamente notificadas sob a lei dos EUA ou internacional (…) Isso significa que a Rumble e a Trump Media não têm nenhuma obrigação de cumprir essas demandas ilegais de censura, e nenhuma entidade dos EUA é obrigada a executá-las”.

Rumble tenta criar narrativa de perseguição e conflito jurisdicional

Yasmin Curzi, professora da FGV Direito Rio, avalia que a estratégia do Rumble é criar uma ideia de que qualquer pessoa que use a plataforma está sob a jurisprudência dos Estados Unidos. “O que não pode ser verdade, pois quando essas empresas operam dados de pessoas de outros territórios, quando tem usuários de outros países, elas precisam se adequar ao ordenamento legal [desses lugares]”, explica a pesquisadora.

De acordo com Curzi, o Rumble busca também a extraterritorialização da primeira emenda da constituição norte-americana, que defende a liberdade de expressão, criando a ideia de que as plataformas que operam nos EUA tem a jurisdição global do que é liberdade de expressão.

“Estão fazendo isso para manter a narrativa de perseguição, mas em termos de base legal isso nunca existiu”, comentou Yasmin.

Análise parecida também tem Francisco Brito Cruz, para quem as ações iniciadas pelo Rumble tentam criar uma tentativa de pressão para legitimar o discurso político da plataforma e constranger o judiciário brasileiro. “É uma tentativa da plataforma de criar um conflito jurisdicional para que ela tenha mais condições de ter uma posição melhor em relação à Justiça brasileira”, comenta.

Ao serem questionados sobre a possibilidade de uma regulação de plataformas impedir ações como essas, tanto Francisco como Yasmin alertaram para a continuidade de conflitos parecidos, ainda que tivéssemos uma lei específica aprovada.

“Mesmo se tivermos um ambiente muito pacificado, essas brigas vão continuar existindo porque essas empresas têm negócios globais e têm dificuldades de adequar a aplicação das suas regras e políticas em legislações díspares ao redor do mundo”, disse Francisco.

“Mesmo com regulação, esses atores vão cada vez mais obstruir os processos e intervir diretamente”, avaliou Curzi. “O que a regulação traz pra gente que pode ser importante é um escudo para que o Judiciário não fique tão exposto a todo momento”.

Embaixada norte-americana se posiciona

O caso também chegou ao governo norte-americano. Nesta quarta-feira (26), a Embaixada dos EUA no Brasil republicou uma postagem do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental dos Estados Unidos no X, afirmando que “o bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar indivíduos que lá vivem é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão”.

A moderação de conteúdo, segundo Francisco, tornou-se uma questão de alinhamento de interesse geopolítico pelo governo dos EUA. “A Casa Branca agora abarca esse discurso [sobre liberdade de expressão] enquanto parte da sua agenda geopolítica e vai utilizar seus instrumentos de força, de aplicação do direito, para fazer andar uma agenda de contenção da moderação de conteúdo”, comentou Cruz.

O Ministério das Relações Exteriores afirmou que recebeu “com surpresa” o posicionamento do Departamento de Estado dos EUA. “O governo brasileiro rejeita, com firmeza, qualquer tentativa de politizar decisões judiciais e ressalta a importância do respeito ao princípio republicano da independência dos poderes, contemplado na Constituição Federal brasileira de 1988”, trouxe a nota do Itamaraty.

Também na quarta foi aprovado no Comitê da Câmara dos EUA um projeto de lei que pode barrar a entrada no país ou deportar qualquer pessoa considerada “agente estrangeiro que infrinja o direito de liberdade de expressão ao censurar cidadãos dos Estados Unidos em solo americano”. Chamado de “Sem Censores em Nosso Território”, o projeto pode barrar o ministro Alexandre de Moraes de entrar no país. O projeto segue para apreciação no plenário da casa legislativa.

“Big techs não são enviadas de Deus”

Durante a aula inaugural da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, nesta segunda-feira (24), Moraes comentou sobre o que chamou de “novo populismo digital extremista”, afirmando que as big techs “não são enviadas de Deus” e nem neutras. 

“[As big techs] são grupos econômicos que querem dominar a economia e política mundial, ignorando fronteiras, a soberania nacional de cada um dos países e as legislações para terem poder e lucro”, disse Moraes na universidade paulista. 

Próximos passos

O banimento do Rumble vai ser julgado pela primeira turma do STF entre os dias 7 e 14 de março. Moraes encaminhou o processo para ser apreciado em plenário virtual pelo colegiado composto por ele e pelos ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux.

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