Bastante discutida no país nos últimos meses, a regulação das plataformas digitais foi tema de uma mesa destaque nesta quinta-feira (1) no Fórum da Internet no Brasil (FIB), que está sendo realizado em Uberlândia, Minas Gerais. Em meio a discordâncias sobre a abordagem ideal do órgão regulador e o resgate do Marco Civil da Internet, a importância de aprovar o projeto de lei 2630, ainda que ele necessite de ajustes, foi levantada pela maioria dos participantes do painel.
Uma das integrantes da atividade, Flávia Lefevre, jurista especialista em direito digital e representante da Coalizão Direitos na Rede (CDR), defendeu uma oxigenação do debate sobre o PL 2630 para que a sociedade saiba exatamente do que ele trata. Ela criticou a imunidade parlamentar que consta na última versão pública do documento porque hoje, segundo ela, o “maior manancial de desinformação está no Congresso”.
Para Lefevre, os trechos que determinam análise de riscos sistêmicos e dever de cuidado, bem como protocolos de segurança, podem dar mais poder às plataformas, colocando em risco a liberdade de expressão. A jurista também lembrou a importância de levar em consideração as particularidades brasileiras na construção de um projeto legislativo do tipo. “[Esta] é uma grande oportunidade de construir um marco legal que atenda as conjunturas brasileiras”, afirmou.
Paulo Rená, co-diretor da organização Aqualtune Lab, uma das organizações da CDR, também lançou questionamentos ao conceito de dever de cuidado, levantando a possibilidade de dar maior poder às plataformas, que estariam responsáveis por definir quais publicações serão excluídas ou mantidas.
O pesquisador criticou o silêncio e a falta de esforços de promoção do projeto por parte do governo, o que, segundo ele, abriu espaço para abusos tanto das oposição política como das plataformas .”O dia 2 de maio [quando o Google colocou na sua homepage uma mensagem crítica ao PL 2630] foi o 8 de janeiro das plataformas”, afirmou Rená.
Já Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, lembrou das melhorias do texto do PL em relação a suas primeiras versões. Para ela, o texto teve uma evolução significativa, estabelecendo critérios de transparência, como a auditoria externa dos algoritmos de recomendação utilizados pelas plataformas. “A transparência não pode ser uma panaceia, ela não vai resolver todos os problemas de regulação. A gente precisa de uma transparência significativa, como inspeção algorítmica”, pontuou a pesquisadora carioca.
Órgão regulador
A proposta da OAB (Ordem de Advogados do Brasil) para a criação de um órgão regulador de plataformas, tópico que acabou saindo da última versão do PL 2630, foi vista com simpatia pelos participantes da mesa, incluindo o representante do governo, o secretário de Políticas Digitais da Secretaria da Comunicação, João Brant.
Flávia Lefevre pontuou a importância de se atualizar a composição do conselho sugerido, incluindo representantes da Secretaria Nacional do Consumidor e do próprio Ministério da Justiça. Mesmo assim, segundo ela, a ideia teria um aspecto prático positivo, pois não seria necessário constituir um órgão novo. Lefevre também avaliou a necessidade de mais presença estatal nessa atividade reguladora.
Já Rená pontuou a importância da existência de um órgão regulador para aplicar as sanções e monitorar o cumprimento da lei, lembrando como o princípio da neutralidade da rede não é respeitado atualmente no país em razão da inexistência de uma agência reguladora específica para isso.
Marco Civil e a responsabilização das plataformas
Para João Brant, a perspectiva de responsabilidade dos provedores de Internet, incluindo aí as plataformas digitais, presente hoje no marco civil, não equilibra de maneira positiva os direitos no ambiente digital. “[O Marco Civil] foi aprovado num momento em que estávamos preocupados com os riscos de responsabilização civil. Mas precisamos entender os caminhos para que as plataformas atuem a nosso favor enquanto sociedade”, ponderou.
Yasmin Curzi trouxe também a necessidade de inclusão da responsabilização das plataformas especificamente nos casos de conteúdos impulsionados, seja algoritmicamente ou por anúncio: “[Nesses casos,] não podem ser tratadas como intermediárias”.
Já Paulo Rená e Flávia Lefevre lembraram que o Marco Civil da Internet possui dispositivos que podem ser utilizados para responsabilizar as plataformas, reiterando a importância de levar em consideração o documento, que foi considerado como referência mundial de legislação digital. “O Marco Civil foi uma conquista, vamos usá-lo e avançar nele. A gente precisa de novas normas, mas que não se jogue fora a lógica anterior”, afirmou Rená.