Concebido após forte pressão pública e institucional por maior transparência e responsabilidade na moderação de conteúdo, o Oversight Board (Conselho de Supervisão da Meta) foi anunciado por Mark Zuckerberg em 2018 como uma espécie de “Suprema Corte” da plataforma.
A ideia era criar um órgão independente, formado por especialistas de diferentes países, com poder para revisar decisões sobre postagens e recomendar mudanças em plataformas da Meta, como Facebook, Instagram e Threads. Desde sua implementação, em 2020, o conselho passou a atuar com o objetivo de garantir mais justiça e equilíbrio na aplicação das políticas da empresa, com base em princípios de direitos humanos e liberdade de expressão.
Quatro anos depois, o papel do conselho voltou ao centro do debate. Em janeiro de 2025, a Meta anunciou uma série de mudanças radicais em suas políticas de moderação. Entre elas, o fim das parcerias com agências de checagem de fatos, a substituição por um sistema de “notas da comunidade”, o relaxamento de diretrizes sobre discurso de ódio e imigração, o retorno da distribuição de conteúdo político e o deslocamento de suas equipes de moderação da Califórnia para o Texas.
As mudanças foram apresentadas por Zuckerberg como uma forma de “garantir mais liberdade de expressão” e combater o que chamou de “viés político” no sistema anterior, levantando dúvidas sobre o trabalho e a influência do conselho nesta nova fase da big tech.
Reação e limites do Oversight Board
A resposta do Oversight Board veio no dia 23 de abril: em um comunicado público, o conselho criticou duramente a empresa pela forma como alterou suas políticas de moderação: sem transparência, sem seguir os procedimentos regulares e sem apresentar qualquer avaliação pública sobre os impactos das mudanças nos direitos humanos. A manifestação veio acompanhada de 17 recomendações e serviu como resposta direta ao novo direcionamento anunciado em janeiro.
Entre os alertas, o Board chamou atenção para possíveis efeitos desiguais das mudanças, especialmente em países afetados por conflitos armados ou crises políticas recentes, e sobre grupos já vulneráveis, como pessoas LGBTQIA+, imigrantes e moradores de países da maioria global.
O órgão também pediu que a Meta avalie periodicamente os impactos dessas medidas e melhore mecanismos de transparência e proteção da liberdade de expressão em escala global.
Segundo a agência Reuters, um porta-voz da Meta afirmou que a empresa acolheu as decisões do conselho que “mantêm ou restauram conteúdo com o objetivo de promover a liberdade de expressão em nossas plataformas”. A declaração, no entanto, não mencionou as decisões que recomendavam a remoção de conteúdo. Sobre as 17 recomendações, a Meta disse que responderia o conselho dentro de 60 dias.
Apesar do tom firme, o Oversight Board esbarra em limitações estruturais, como explicou Yasmin Curzi, professora da FGV Direito Rio e pesquisadora na Universidade da Virgínia (EUA). Para ela, as recentes mudanças da Meta tendem a esvaziar o papel do conselho, que já operava com pouco poder sobre áreas estratégicas da plataforma, como os algoritmos de recomendação e a coleta de dados.
“Embora o órgão seja formalmente independente, ele permanece vinculado à estrutura corporativa da empresa, o que levanta dúvidas sobre a manutenção de sua capacidade para a implementação das recomendações e contenção dos retrocessos anunciados”, afirmou.
A pesquisadora destacou ainda que o conselho só pode agir quando provocado pela própria Meta, o que caracteriza um limite significativo para quem deveria funcionar como instância de supervisão. “O Comitê opera essencialmente sobre a camada do conteúdo (já publicado e visível), e não sobre os fluxos comunicacionais que determinam sua circulação ou amplificação”, enfatizou.
O futuro do Board é incerto
Apesar das limitações apontadas por especialistas, o Oversight Board já influenciou decisões importantes da Meta, especialmente em temas delicados como discurso de ódio, violência de gênero e proteção de grupos vulneráveis. Desde sua criação, o conselho tem buscado atuar com base em parâmetros internacionais de direitos humanos, recorrendo a consultas públicas e mantendo diálogo com organizações da sociedade civil.
Na nota divulgada em abril, o órgão destacou também o impacto de suas recomendações para a liberdade de expressão nas plataformas da empresa. “O discurso público sobre questões políticas e sociais – da imigração ao aborto, passando por críticas a Estados e líderes – permanece nas plataformas da Meta graças ao Conselho”, afirmou o documento.
O texto também lembra que suas decisões levaram a criação de ferramentas como rótulos informativos e telas de aviso, que evitam a remoção direta de conteúdos e impõem menos restrições à expressão dos usuários.
Mas os avanços conquistados até aqui enfrentam um momento de tensão. Com as mudanças na Meta, o conselho viu seu papel de supervisão ser contornado pela própria empresa. Para Curzi, o Board opera dentro de um modelo que “tenta simular accountability, mas sem os elementos centrais que o tornariam realmente eficaz: poder vinculante, transparência orçamentária e governança distribuída”.
Ela destaca que, embora o órgão tenha construído precedentes e contribuído para o debate público sobre moderação, não tem poder para interferir em decisões estruturais da plataforma. “Não toca nos sistemas automatizados que moldam o engajamento, não define prioridades de investimento em moderação em línguas de países do Sul Global, nem tem competência para intervir quando a empresa lida com pressão nos bastidores.”
O próprio conselho reconhece que as mudanças recentes podem ter efeitos adversos mais severos sobre grupos vulneráveis e regiões em crise. Ainda assim, segue dependendo da iniciativa da Meta para que suas recomendações sejam acolhidas, o que lança dúvidas sobre sua efetividade como instância real de supervisão. “Em minha avaliação o futuro do Comitê é incerto”, pontuou Yasmin Curzi.
Apesar disso, segundo reportagem da Reuters, o copresidente do Oversight Board, Paolo Carozza, afirmou que a Meta segue comprometida com o órgão. “Não temos motivos para pensar que a Meta esteja descontente ou planejando mudanças estruturais nesse compromisso”, disse à agência.
Carozza acrescentou que a empresa mantém o envio regular de casos, nos mesmos volumes dos últimos anos, e continua a implementar recomendações do conselho.
Ainda de acordo com a Reuters, a Meta garantiu financiamento ao órgão até 2027, com aportes anuais de pelo menos US$ 35 milhões, que se somam aos US$ 150 milhões destinados em 2022 e aos US$ 130 milhões iniciais em 2019.
Composição do comitê
O Comitê de Supervisão da Meta é formado por 21 especialistas de diversas nacionalidades e áreas, como direito, jornalismo, política e direitos humanos, selecionados por sua capacidade de deliberar de forma independente sobre decisões de moderação nas plataformas da empresa.
Os integrantes não são considerados funcionários da Meta, sendo financiados por um fundo fiduciário independente. Entre os atuais membros está o brasileiro Ronaldo Lemos, advogado e pesquisador conhecido por seu papel na criação do Marco Civil da Internet.
A composição do comitê busca refletir a diversidade global de usuários, incluindo representantes da América Latina, África, Ásia e Europa. Segundo a Meta e o próprio Conselho, não há previsão de mudanças estruturais ou renovações imediatas nos membros do comitê, embora sua composição já tenha passado por alterações ao longo dos anos. Desde sua criação, em 2020, alguns integrantes deixaram o cargo e novos membros foram incorporados.