Em 2024, o Brasil vai estar no centro das discussões que moldarão o futuro de economias e governos do mundo todo. Isso porque, neste ano, o país preside o Grupo dos 20 (G20), o principal fórum de cooperação econômica internacional que reúne os líderes e representantes das maiores economias do mundo para discutir as questões econômicas globais, como desenvolvimento sustentável, governança de plataformas e Inteligência Artificial.
O principal evento do grupo, a Cúpula do G20, será nos dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro e receberá os líderes dos 19 países que integram o bloco, além da União Europeia e União Africana. A cúpula, porém, será o ponto de conclusão de um processo mais longo que começa neste primeiro semestre e está mobilizando um esforço não só de representantes governamentais, mas também de organizações da sociedade civil, think tanks e pesquisadores brasileiros e internacionais.
Para dar conta de tantas questões a serem debatidas, o próprio G20 se divide em duas trilhas de discussão: a de Sherpas e a de Finanças. Cada uma delas é dividida em grupos de trabalho e técnicos coordenados pelos ministérios brasileiros, nos quais representantes dos países membros e convidados também participam das conversas e atividades. Os grupos já tiveram os primeiros encontros na semana passada.
Outros 13 grupos de engajamento também são organizados paralelamente aos esforços governamentais, reunindo representantes de diversos setores da sociedade para debaterem as questões-chave do G20 entre si. Entre eles estão o Think Tanks 20 (T20), que reúne representantes de think tanks, o Civil 20 (C20), de organizações da sociedade civil, e o Science 20 (S20), focado na academia e centros de pesquisa. Cada um deles possui grupos de trabalho e eixos temáticos específicos.
Como explica Bruna Martins dos Santos, gerente de campanhas globais da Digital Action, a estrutura desses grupos paralelos permite a participação de diferentes setores no processo de discussão do G20, fazendo com que eles também influenciem o debate dos líderes globais. “Os grupos de engajamento começam seus trabalhos agora e terminam no final de junho e julho, eles irão elaborar recomendações para as discussões de alto nível e do grupo ministerial a fim de que elas sejam acatadas dentro do processo”, comenta.
Entre a diversidade de temas-chave que serão debatidos no contexto do G20 em 2024, a pauta digital será um dos destaques. A governança de plataformas, o fenômeno da desinformação (que vem sob o termo “integridade da informação”) e a IA são algumas das questões prioritárias escolhidas pelo governo federal na discussão do digital. Os tópicos também serão debatidos pelos grupos de engajamento, como T20, C20 e S20.
Para Bruna, o atravessamento desses temas em diferentes grupos e setores torna possível uma “polinização cruzada” dos assuntos e das expertises de diferentes grupos setoriais. “É interessante que o Brasil tenha trazido os temas da IA e da regulação de plataformas para podermos avançar em alguns consensos mínimos sobre temas que são tão urgentes para nossa sociedade”.
Além disso, espera-se que os eventos internacionais, ao tratar dos assuntos do digital, impulsionem os debates sobre regulação tanto das plataformas, representado pelo Projeto de Lei 2630/2019 (também conhecido como PL das Fake News), como também da Inteligência Artificial, o Projeto de Lei 2338/2023. “A expectativa é que esses eventos sirvam, inclusive, para conversar com o Congresso brasileiro”, aposta Bruna.
Para ajudar na compreensão da sopa de letrinhas que são os grupos de trabalho e de engajamento em torno do G20, fizemos uma síntese de cada um dos grupos G20, T20 e C20 e onde a pauta do digital e do combate à desinformação está presente em cada um deles.
O que é G20?
Fundado em 1999, após diversas crises financeiras na década de 90, o Grupo dos 20 é considerado o principal fórum de cooperação econômica internacional. O evento, realizado anualmente, busca facilitar as negociações entre os países sobre as principais questões políticas e econômicas da atualidade global.
Neste ano, com o tema “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”, o governo federal tem o objetivo de orientar a elaboração de compromissos para uma governança mais equitativa, com acordos comerciais que promovam tanto prosperidade econômica como a inclusão social. As discussões também visam trazer e concretizar a perspectiva dos países do Sul Global.
O G20 é dividido em duas trilhas: a de Sherpas e a de Finanças. A primeira é comandada por emissários dos países-membros e conta com 15 grupos de trabalho que debaterão assuntos voltados, por exemplo, à agricultura, à saúde e à educação. O termo sherpa é uma alusão a uma etnia tibetana considerada guardiã e guia das montanhas. Já a segunda trata de temas macroeconômicos e é liderada por ministros das finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos integrantes do bloco.
Onde estão as pautas do digital e do combate à desinformação no G20?
As questões voltadas ao digital serão debatidas no Grupo de Trabalho de Economia Digital (DEWG, na sigla em inglês), que faz parte da Trilha de Sherpas. O grupo, criado em 2017, tem o objetivo de tratar temas relacionados à transição digital em curso e seus impactos positivos e negativos sobre a economia e a sociedade.
Este ano, o DEWG será coordenado pelo Ministério das Comunicações (MCom) e contará com quatro eixos temáticos:
- Inclusão Digital, Conectividade Universal e Significativa;
- Governo Eletrônico: construindo uma infraestrutura pública confiável e inclusiva;
- Integridade da informação em ambientes digitais e confiança na economia digital;
- Inteligência Artificial para um desenvolvimento sustentável inclusivo e redução de desigualdades.
Os fenômenos da desinformação, do discurso de ódio e da responsabilização de plataformas digitais serão tratados especificamente pelo eixo da Integridade da Informação, coordenado pela Secretaria de Comunicação (Secom). De acordo com o secretário de Políticas Públicas da Secom, João Brant, o termo “integridade da informação” está sendo utilizado pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) e remete a um ambiente informacional dotado de informações consistentes, precisas e confiáveis.
“Os produtos desse debate serão: uma declaração com os pontos de consenso entre os países, documentos com mapeamento do que está sendo feito e dos caminhos possíveis para enfrentar o problema e um evento de grande porte em São Paulo, dias 30 de abril e 1 de maio”, afirmou Brant em seu perfil no twitter.
A primeira reunião do DEWG foi realizada entre os dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro. Outras três reuniões presenciais estão previstas até setembro em Brasília (DF), São Luís (MA) e Maceió (AL).
O que é T20?
O Think Thanks 20 (T20) é um dos diversos grupos de engajamento paralelos ao G20 que reúne representantes de diferentes setores, como centros de pesquisa e organizações da sociedade civil, para debater e refletir sobre pontos importantes para o bloco dos países envolvidos.
O T20 no Brasil é coordenado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O grupo é dividido em 6 diferentes forças-tarefas que tratam de assuntos como o combate à desigualdade social e econômica, mudanças climáticas e governança global.
O T20 está atualmente com chamadas abertas para propostas de eventos paralelos (chamados de side events) a serem realizados com o selo do grupo de engajamento. Até o último dia 5, também estavam com chamadas para resumo de propostas de políticas (policy briefings, em inglês) que serão consideradas para a formulação das recomendações a serem enviadas aos líderes do G20.
Onde estão as pautas do digital e do combate à desinformação no T20?
A força-tarefa 5, que trata sobre Transformação Digital Inclusiva, tem o objetivo de impulsionar as inovações digitais para promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, garantindo, ao mesmo tempo, a inclusão e considerações éticas. O grupo tem como líderes o brasileiro Bruno Bioni, diretor do Data Privacy, e Anirban Sarma, da organização indiana Observer Research Foundation.
A força-tarefa está dividida em seis sub trilhas:
- Inclusão Digital e Conectividade Universal Significativa
- Transformação Digital e Plataformização de Serviços Públicos
- Integridade Digital, Proteção de Dados e Cibersegurança
- Novas tecnologias digitais para ODS e Trabalho Decente
- Desafios, Oportunidade e Governança de Inteligência Artificial
- Governança Digital Global e Regulação de Plataformas Digitais
Em janeiro, foram anunciados os nomes dos 21 integrantes que compõem a força-tarefa. A lista de participantes possui forte presença de pessoas dos países do Sul Global, com oito representantes brasileiros. Cada uma das sub trilhas da força tarefa são coordenadas por um representante de um país do Sul Global.
De acordo com Bioni, a presidência do Brasil no G20 neste ano, logo após a Índia, em 2023, e antecedendo a África do Sul, em 2025, é um momento único, em que os países líderes dos recentes encontros não estão localizados no Norte Global. “A ideia é justamente a gente dar uma continuidade a esse olhar mais especializado sobre o que significa transformação digital nessa parte específica do globo [Sul Global], porque muitas vezes esses processos de digitalização podem amplificar a exclusão ao invés de gerar inclusão”.
O que é C20?
O Civil 20 (C20) é o local de concentração das organizações da sociedade civil. O grupo foi criado em 2013 e também busca contribuir para as discussões e tomadas de decisão do G20 a partir do conhecimento e das experiências acumuladas por esse setor. Neste ano, o C20 está sob a coordenação da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).
“O G20 sendo realizado por um país que se alinha com as propostas articuladas no ambiente do desenvolvimento sustentável dá muita esperança para a sociedade civil”, afirmou Alessandra Nilo, coordenadora da organização Gestos e representante Sherpa do C20, responsável por coordenador os diálogos entre o grupo das ONGs com o G20. “A nossa expectativa é que seja um momento de muitas tensões, mas que nós possamos avançar no processo de uma forma que ainda não avançamos no último G20, na Índia”.
Em 2024, uma das prioridades levantadas pelo governo federal é a maior valorização da sociedade civil nas discussões dos líderes do G20. Para isso, foi criado o G20 Social, que também contará com um evento oficial, chamado de Cúpula Social, previsto para acontecer entre os dias 15 e 17 de novembro, às vésperas da Cúpula de Líderes do G20, as duas no Rio de Janeiro. No encontro presencial, espera-se a discussão dos trabalhos desenvolvidos pelos 13 grupos de engajamento oficiais do evento.
Onde as pautas do digital e do combate à desinformação serão debatidas no C20?
O Grupo de Trabalho 7 será o responsável por trazer o tema da digitalização e tecnologias no C20. De acordo com Alessandra, serão debatidos as questões relacionadas à educação digital, governo aberto, IA e regulação. O C20 está com inscrições abertas para participação nos grupos de trabalho até dia 25 de fevereiro.
E os outros grupos?
Além do T20 e do C20, outros 11 grupos de engajamento também ocorrem paralelamente ao G20. Alguns deles também trazem a pauta do digital nas reuniões de discussão. É o caso, por exemplo, do Business 20 (B20), que reúne mais de 900 representantes do setor empresarial dos países-membros e que, neste ano, tem a transformação digital como um dos temas prioritários. Os demais grupos ainda não compartilharam publicamente as forças-tarefas e grupos de trabalho.