O Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como o PL das fake news, não será apreciado com urgência no plenário da Câmara dos Deputados, contrariando as expectativas dos especialistas na área. A votação contra a tramitação em regime de urgência aconteceu no dia 6 de abril com placar apertado e deixa dúvidas sobre o futuro da regulamentação da internet e das plataformas digitais no país.
Com a pandemia, os trâmites no Congresso Nacional foram alterados. Na Câmara dos Deputados, para que um projeto de lei seja votado no plenário, ele precisa tramitar em regime de urgência, visto que as comissões especiais não estão atuando. Assim, sem a urgência, o PL das fake news não pode ser avaliado por todos os deputados.
Para Renata Mielli, secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e integrante da Coalizão Direitos da Rede, o impasse tem duas consequências claras com impacto negativo: judicialização da temática e vácuo para outros projetos sem debate.
“Nem sempre o Judiciário vai legislar olhando o que é de interesse público ou que garante os direitos humanos”, destaca Mielli. Com a ausência de uma legislação para regular o assunto, a jornalista lembra que coube à justiça decidir recentemente sobre o Telegram, sem um parâmetro legal para seguir. “Por exemplo, sem debater o mérito do bloqueio do Telegram em si, mas a decisão previa uma sentença ao usuário comum de R$ 100 mil, caso usasse o aplicativo por uma VPN, algo totalmente desproporcional”, ressalta.
A falta de uma lei sobre o tema cria um limbo que desloca a regulação do poder legislativo para o judiciário. Além dessa consequência, Renata Mielli acredita que a derrota parcial do PL 2630 abre um espaço para outros textos que não foram tão debatidos e aperfeiçoados. “Tem dezenas de projetos de lei sobre o assunto muito piores que o 2630 na Câmara. Piores porque violam direitos de uma maneira absurda ou porque eles têm propostas que violam direitos fundamentais ou porque são regulações de faz de conta que, na verdade, não mudam nada”. O PL das fake news é um dos projetos que recebeu mais contribuições com audiências públicas e amplos debates com a sociedade civil, acadêmicos e especialistas.
O lobby do governo e big techs contra o PL 2630
Apesar das críticas sobre o conteúdo do projeto de lei (mais ao fim do texto), Bia Barbosa, representante do 3º setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil e integrante da Coalizão Direitos da Rede, não acredita que elas foram determinantes para a rejeição da tramitação em regime de urgência.
1/8 Não foi positiva a derrota do requerimento de urgência para apreciação do PL 2630 na Câmara. Hoje, não receber o carimbo de “urgente” é o mesmo que não ser discutido na Casa. E o Brasil precisa SIM de uma lei democrática para regular as plataformas digitais
— Bia Barbosa (@BiaBarbosa2020) April 7, 2022
Para Bia, dois grupos foram fundamentais para essa derrota parcial do projeto: as big techs e o governo. As grandes empresas de tecnologia fizeram campanhas contra o projeto de lei. “Um discurso de que o projeto dificultaria a inovação tecnológica, criaria empecilhos para o funcionamento das plataformas e restrições à publicidade digital no país, tudo isso de uma maneira muito desinformativa em relação ao que o projeto traz”, aponta.
Às vésperas da votação, por exemplo, o Google patrocinou uma campanha no Instagram instigando os usuários a pressionarem seus deputados, pois o projeto poderia “obrigar o Google a financiar notícias falsas”.
Já o governo, de acordo com Bia Barbosa, investiu em um discurso que o colocava como um projeto de censura. “O que é uma uma distorção absoluta do que o texto efetivamente promove, ele estabelece inclusive regras para garantir o exercício da liberdade de expressão pelos usuários nas redes”.
Renata Mielli destaca ainda dois fatores para o insucesso da votação no dia 6 de abril: o crescimento do partido do presidente Jair Bolsonaro após o fim da janela partidária e a ação direta do presidente para impedir a aprovação do regime de urgência na véspera da votação.
Qual o futuro do PL das fake news?
Mesmo com a rejeição do regime de urgência neste momento, não é o fim da linha para o PL das fake news. A votação final foi de 249 votos favoráveis a 207 votos contrários (era necessário um total de 257 votos para que a solicitação fosse adiante).
Renata Mielli e Bia Barbosa apontam que a maioria dos votos favoráveis indica que muitos deputados estão abertos a debater a temática na Câmara. Além disso, não há impedimento para que a urgência do projeto de lei seja votada novamente, visto que não foi debatido o mérito do texto, e sim uma questão procedimental. Ou seja, o projeto pode ser debatido e alterado mesmo após ser aprovada a urgência – o que na prática permite que ele seja apreciado pelos parlamentares.
Mielli está otimista com o futuro do projeto. “Eu acho que tem uma parcela grande dos parlamentares que percebem a importância de uma legislação como essa aprovada antes das eleições no Brasil para que a gente possa ter um ambiente mais seguro para a circulação da informação durante o processo eleitoral”, coloca.
Quais as principais críticas ao PL das fake news?
O PL das fake news já passou por muitos debates polêmicos ao longo da construção do texto. Os principais alvos de críticas atualmente se concentram nos artigos 22 e 38 do texto.
O parágrafo 8º do artigo 22 traz o tópico da imunidade parlamentar. De acordo com o texto, essa imunidade parlamentar material vai se estender às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de redes sociais. Tal medida é amplamente criticada pela sociedade civil e outras instituições porque:
“O PL 2630 pode acabar, em nome da imunidade parlamentar, dando um passe livre para que contas de deputados e de senadores possam ser usadas para ampliar a disseminação de notícias falsas e desinformação nas redes”. – ITS Rio
“Apesar do argumento de que o texto apenas reforça o que já está na Constituição Federal, sua presença em lei específica representa um alargamento da imunidade parlamentar, permitindo o entendimento de que esses atores estariam acima das regras de moderação de conteúdo de plataformas digitais. O texto cria, inclusive, um regime desequilibrado e preocupante entre parlamentares e usuários comuns de redes sociais, no qual o primeiro grupo estaria blindado das regras de moderação de conteúdo em função da imunidade proposta”. – Coalizão Direitos na Rede
O segundo ponto de atenção praticamente unânime diz respeito à remuneração do conteúdo jornalístico, disposto no artigo 38. A agência de fact-checking Lupa indica que a norma pode “inviabilizar a atuação de iniciativas jornalísticas de menor porte e independentes, agravando, ainda mais, a concentração da mídia nas mãos de poucos, uma realidade no Brasil”.
A Coalizão Direitos na Rede também defende a retirada do artigo para o debate mais aprofundado sobre meios de financiamento e fortalecimento do jornalismo “visando a construção de um modelo de remuneração equilibrado e dedicado a apoiar todo o setor e também a equacionar eventuais desequilíbrios entre empresas e iniciativas de pequeno e médio porte e os grandes grupos em operação no país”.
Outros pontos também são levantados por instituições como o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio que questiona moderação de conteúdo e publicidade digital.