As fake news têm uma escrita diferente do noticiário tradicional? A estrutura das notícias falsas tem alguma relação com a sua viralização? Essas foram as perguntas que o cientista político e doutorando da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ulisses Melo, tentou responder em sua pesquisa de mestrado. Segundo o estudo, as notícias falsas são bem mais curtas e mais acessíveis para diferentes públicos. Isso porque usam frases mais curtas, com menos palavras, sílabas e letras.
Para chegar a esses resultados, o pesquisador analisou as notícias coletadas pelo projeto Fake.Br, que forneceu mais de 7000 notícias falsas e verdadeiras publicadas entre janeiro de 2016 e janeiro de 2018. Segundo Melo, a simplicidade também pode ser encontrada na temática dos textos desinformativos que, em geral, focam em um tema em vez de conectar diferentes assuntos que estão em pauta no noticiário.
Nomes de lideranças e ideologias políticas são bastante usados em notícias falsas, o que está relacionado ao uso do raciocínio (politicamente) motivado. Em outras palavras, as pessoas partidarizadas tendem a acreditar em informações que estão em harmonia com suas premissas ideológicas. “Diversos estudos mostram que o raciocínio motivado pode suplantar qualquer tipo de correção”, explica Melo. A checagem e a alfabetização digital têm sido fundamentais para garantir um ambiente democrático, apesar de existirem evidências de seu efeito limitado.
Ao citar termos relacionados a lideranças e ideologias políticas, as notícias falsas incentivam o engajamento. Um estudo recente aponta que, ao contrário do que se pensava, o “compromisso” que esses indivíduos têm com seus grupos ideológicos é o que os leva a consumirem e disseminarem desinformação.
Noticiário político inverídico é mais atraente
A pesquisa também identificou que notícias falsas de cunho político são mais acessíveis que as que abordam outros tópicos e, portanto, não buscam reproduzir a escrita jornalística. Já notícias falsas sobre outros tópicos, como celebridades e esportes, tendem a reproduzir o formato jornalístico. “As notícias falsas se tornaram um novo meio de comunicação política, extremamente eficiente e que, em certos nichos políticos, não traz custos negativos à reputação da liderança ou meio de comunicação que a compartilha. Ela é politicamente e economicamente rentável se você tiver o público certo”, afirma Melo.
As notícias políticas “verdadeiras” também se diferenciam pela complexidade e riqueza de vocabulário, o que pode dificultar e afastar o público geral. “Os jornalistas, principalmente aqueles que estão iniciando no ofício, podem aprender algo com esse formato, e como combatê-lo, já que existe uma estrutura que olhos atentos podem captar”, defende o pesquisador.
O pesquisador também lembra que o estudo pretende valorizar a profissão do jornalista, já que as diferenças estruturais encontradas são “consequências de uma prática jornalística bem realizada”.
Próximo passo: estudar o comportamento político
A ideia dessa pesquisa foi construída junto com a professora Nara Pavão, também da UFPE, que pesquisava os efeitos das desinformação no comportamento político dos indivíduos. Juntos notaram que havia uma carência, principalmente na ciência política, de estudos que analisassem a estrutura das notícias falsas.
Apesar desses resultados promissores, Melo indica no seu estudo que é preciso verificar se essas diferenças estruturais tornam o texto mais atrativo para todos os tipos de leitores ou se existe diferença na recepção da audiência. No doutorado, ele vai buscar estabelecer com mais segurança a correlação entre o formato de comunicação e o comportamento político através de experimentos e com um foco nas mídias hiperpartidárias, que hoje são responsáveis por grande parte da desinformação circulando nas redes.