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ago 5, 2024 | Pontos de Vista

Quem lê tanta notícia? O caso de quem prefere evitar o jornalismo

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Uma das crises que o jornalismo tem enfrentado nos últimos anos, além da financeira, há muito tempo instalada, é a dos “news avoiders”, os evitadores de notícias, pessoas que ativamente escolhem evitar consumir conteúdo jornalístico. Esse comportamento vai além da evitação seletiva de notícias, sendo mais relacionado às fontes de notícias e conteúdo em várias plataformas de mídia.

No Brasil, dados da Digital News Report indicam que a evitação de notícias tem crescido ao longo do tempo. Quase metade dos brasileiros evitam notícias, a proporção dos entrevistados que conscientemente não consomem conteúdo jornalístico “frequentemente” ou “às vezes” chegou a 47% em 2024; em 2023, representavam 41%. O consumo de notícias caiu em todas as principais fontes nos últimos anos, incluindo as redes sociais, com exceção do TikTok. 

Uma das razões citadas para a evitação de notícias é a sensação negativa que elas causam. Quando questionadas sobre a evitação, uma das queixas mais comuns é que as notícias são emocionalmente desgastantes, deprimentes ou irrelevantes. Queixas relacionadas à saúde mental são frequentes, destacando como as notícias impactam o humor, o estado de espírito, o rendimento ao longo do dia ou a sensação de impotência causada pelo noticiário.

Outro fator destacado é a falta de confiança na mídia. A evitação de notícias está frequentemente ligada às mídias tradicionais. Algumas pessoas preferem buscar informações políticas em fontes alternativas ou ideologicamente alinhadas, rejeitando as notícias tradicionais por considerá-las parciais. Quando a confiança na mídia é baixa, as pessoas tendem a evitá-la e, em vez disso, buscam fontes que consideram mais confiáveis, como conexões pessoais. 

A pesquisadora Ruth Palmer estudou o tema da evitação de notícias e é uma das autoras do livro “Avoiding the News”. Para Palmer, mesmo que o conteúdo da notícia seja importante, as identidades, crenças, ideologias e as infraestruturas que usamos para interagir com as informações atuam como um filtro através do qual vivenciamos nossa relação com as notícias. E o filtro que tem empacotado a forma como as pessoas consomem informação são as redes sociais online e os aplicativos de mensagem.

Quais os impactos deste comportamento na sociedade?

A pesquisa “Desigualdades Informativas: entendendo os caminhos informativos dos brasileiros na internet” (2023), do Aláfia Lab, aponta que as redes sociais são usadas por 94% das pessoas para se informar, e 86% utilizam aplicativos de mensagens em busca de informação. Em sua pesquisa, Palmer indica que aqueles que evitam notícias tendem a pertencer a segmentos social e politicamente desfavorecidos, como mulheres, jovens e pessoas de classes socioeconômicas mais baixas. Esse comportamento agrava as desigualdades informativas já presentes no consumo midiático.

É interessante pensar que, em uma época de abundância e facilidade de acesso à informação sem precedentes, as pessoas desenvolvam, quase como um comportamento autorregulatório, a decisão consciente de não acessar notícias. Com a mesma facilidade com que podemos acessar notícias, é possível também evitá-las. Ao rolar um feed infinito entre fotos de amigos, vídeos engraçados de gatinhos e conteúdos jornalísticos, é comum a sensação de fadiga causada pelas publicações, todas embaladas em um mesmo lugar sob a mesma caixa preta de um algoritmo desconhecido, de empresas cujos modelos de negócios têm como base a venda de dados dos seus usuários.

O consumo de notícias em redes sociais, integrado a padrões mais amplos de sociabilidade, leva a uma competição constante entre notícias e entretenimento. Alguns perfis de influenciadores têm se destacado dentro deste nicho de consumo nas redes sociais. O Digital News Report (2024) destaca que, nos Estados Unidos e no Brasil, há um número maior de notícias alternativas ou contas individuais citadas em oposição às principais mídias tradicionais e jornalistas, sugerindo haver uma tendência em direção a criadores que fazem uma intersecção entre notícias e entretenimento. A pesquisa destaca perfis como Leo Dias e Hugo Gloss, que têm mais de 15 milhões de seguidores no Instagram e combinam isso com seus próprios sites, além de trabalhar em estreita colaboração com portais de mídia tradicionais para estender seu alcance.

A evitação intencional de notícias é prejudicial para o funcionamento de uma sociedade democrática. Por isso, é essencial buscar caminhos e compreender como a maneira como interagimos com as notícias tem mudado. Reconquistar os públicos que evitam notícias vai além de simplesmente ajustar a cobertura; requer uma compreensão mais profunda e empática das relações das pessoas com as notícias, levando em conta questões relacionadas à saúde mental, fronteiras sociais, políticas e tecnológicas.

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Ellen Guerra

Jornalista, Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Gerente de Projetos do Aláfia Lab.

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