O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) aceitou denúncia do Ministério Público Eleitoral contra os deputados Nikolas Ferreira (PL) e Bruno Engler (PL), que agora respondem a processo por suposta disseminação de informações falsas durante o segundo turno das eleições municipais de 2024, em Belo Horizonte. Caso sejam condenados, os parlamentares podem se tornar inelegíveis, como aconteceu no início deste ano com a ex-deputada Carla Zambelli.
A ação aponta uma “campanha sistemática de desinformação” contra o então prefeito e candidato à reeleição, Fuad Noman (PSD), que morreu em março deste ano. Segundo o MP, o objetivo era prejudicar a imagem de Fuad e favorecer Engler, que disputou a prefeitura com apoio direto de Nikolas. Também são rés na ação a deputada Delegada Sheila (PL) e Coronel Cláudia (PL), vice na chapa de Engler.
Para especialistas, a judicialização do caso pode ter efeitos significativos no enfrentamento à desinformação em contextos eleitorais. Diretor de Relações Institucionais do Instituto Democracia em Xeque, Beto Vasques destaca que a ação movida contra Nikolas Ferreira e aliados se insere em um “caso exemplar de desinformação eleitoral”, com potencial de ampla repercussão pública.
“Trata-se de uma acusação de campanha sistemática de desinformação, que envolve o parlamentar com maior presença nas redes sociais atualmente”, aponta Vasques, referindo-se ao desempenho de Nikolas – deputado federal mais votado do país em 2022.
A decisão que tornou os parlamentares réus foi assinada em 25 de julho pelo juiz Marcos Antônio de Oliveira, da 29ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte. No despacho, o magistrado apontou que a denúncia apresentada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) contém “detalhamento suficiente” para indicar possíveis violações à legislação eleitoral, justificando o prosseguimento da ação penal.
Uso descontextualizado de livro é peça central da denúncia
O centro da acusação envolve o uso distorcido de trechos do livro Cobiça, de Fuad Noman (PSD). A obra é uma ficção que inclui, em determinado ponto, a descrição de um abuso sexual. Os acusados também acusaram Noman de ter exposto menores a conteúdo sexual no Festival Internacional de Quadrinhos de BH.
Em um vídeo publicado em suas redes sociais em 24 de outubro de 2024, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) apresentou o livro como “pornográfico”, desconsiderando seu caráter literário e o contexto da cena descrita. Já o deputado estadual Bruno Engler (PL-MG) teria utilizado a mesma obra para sugerir que o autor fazia apologia a um crime hediondo, segundo consta na denúncia.
Para o Ministério Público, o uso descontextualizado da obra teve o objetivo de difamar o então candidato à reeleição à prefeitura, em meio à reta final do pleito municipal de 2024.
Desobediência e ataque à Justiça
Segundo o Ministério Público Eleitoral, o deputado Nikolas Ferreira teve papel central na propagação da desinformação, utilizando seu alcance digital para espalhar o conteúdo ofensivo. Outros meios de comunicação, como rádio, TV e internet, também foram usados para amplificar as mensagens.
Durante a campanha, a Justiça Eleitoral determinou a remoção do vídeo feito por Nikolas após pedido da equipe de Fuad, sob pena de multa de cinco mil reais por hora em caso de descumprimento. Mesmo assim, ele ignorou a decisão e manteve a publicação.
Pouco depois, o parlamentar publicou um novo vídeo, desta vez atacando diretamente a Justiça Eleitoral.
Vasques avalia que o desrespeito reiterado às decisões da justiça eleitoral “coloca em suspeição, também, a higidez do processo eleitoral e a atuação do poder judiciário e do próprio Estado Democrático de Direito”.
Justamente por a denúncia ter Nikolas Ferreira como peça central – político com grande projeção nacional e forte presença nas redes sociais -, a aceitação da denúncia pelo TRE-MG pode dar maior visibilidade ao caso e gerar efeitos mais amplos, segundo avaliação de Vasques.
Para ele, essa repercussão pode ajudar a estabelecer jurisprudência e aprimorar futuras resoluções da Justiça Eleitoral, além de inibir práticas semelhantes em pleitos futuros. Ele acrescenta que a atenção ao caso pode também facilitar denúncias e responsabilizações em situações parecidas, fortalecer a atuação institucional e da sociedade civil no enfrentamento à desinformação eleitoral e servir como base para políticas de educação midiática.
Consequências políticas e resposta democrática
Se a Justiça aceitar a denúncia e os acusados forem condenados de forma definitiva, os efeitos podem ser severos: perda de mandato, inelegibilidade e até suspensão dos direitos políticos. Caso a condenação ocorra antes de 2026, eles poderiam ficar afastados das eleições ao menos até 2033.
Além disso, o Ministério Público pediu o pagamento de indenização por danos morais coletivos, a ser revertido para instituições de caridade. A base legal da denúncia são artigos do Código Eleitoral, que não mencionam diretamente o termo “fake news”, mas tratam da difamação e da divulgação de mentiras graves durante campanhas eleitorais, condutas que podem afetar diretamente a vontade do eleitorado.
Beto Vasques destaca que a apreciação desses ataques no âmbito do devido processo legal, com direito ao contraditório e à ampla defesa, “é a resposta que se espera das instituições democráticas, demonstrando sua robustez e sua atuação ajustada a direito, saindo ainda mais fortalecidas desse processo de ataque, sem sucumbir a tentações autoritárias, vingativas ou ilegais na perseguição da delinquência antidemocrática.”
Outros casos
A deputada Carla Zambelli não foi a primeira a ter seu mandato cassado por disseminar desinformação sobre o processo eleitoral. Em 2021, outro deputado federal também passou pelo mesmo processo. Fernando Francischini foi o primeiro parlamentar a sofrer cassação por esse motivo.
Nas eleições de 2018, o então deputado fez uma live nas redes sociais alegando que duas urnas estavam fraudadas e não estavam aceitando votos para o candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro. Francischini também afirmou em seu vídeo que urnas tinham sido apreendidas e que ele teria tido acesso a documentos da Justiça Eleitoral que confirmariam a fraude.
Na decisão, o ministro Luís Roberto Barroso, disse que “é um precedente muito grave que pode comprometer todo o processo eleitoral se acusar, de forma inverídica, a ocorrência de fraude e se acusar a Justiça Eleitoral de estar mancomunada com isso”.
Um levantamento do jornal O Globo indicou que outros deputados também enfrentam processos que podem levar à cassação de seus mandatos pelo menos motivo.