No fim de janeiro, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) teve o seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo pela disseminação de desinformação. A decisão faz com que a congressista perca o seu mandato – o que pode afetar os mandatos de Tiririca e Paulo Bilynskyj – e fique 8 anos inelegível a partir de 2022 caso a sentença seja reafirmada nas instâncias superiores após os recursos apresentados por Zambelli.
“Essa condenação mostra que o processo de responsabilização sobre quem desinforma sobre o processo eleitoral, ele pode ser até tardio, pode ser até falho, mas ele chega em algum momento. Não importa se você é um cidadão comum ou se você é uma das pessoas com mais votos no país, o processo eleitoral e a democracia são soberanos e ela vai prevalecer sob qualquer um que tente vilipendiá-la”, avaliou Arthur Mello, coordenador de advocacy do Pacto pela Democracia.
A autora da ação foi a, também deputada, Samia Bonfim (PSOL – SP), que alegou que Zambelli teve um papel relevante em um “ecossistema de desinformação” criado para conquistar apoio político por meio da divulgação de informações falsas sobre o sistema eleitoral, além de ter usado o alcance nas redes para atingir instituições democráticas em troca de protagonismo político. Isso, de acordo com a ação, configura abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, “afetando a normalidade das eleições com comprometimento do livre exercício livre e consciente da soberania popular”
O desembargador Encinas Manfré, relator do caso, reconheceu em seu voto as acusações alegando que o teor das publicações de Carla Zambelli revela que ela alimentou “páginas mantidas em redes sociais com informações falsas ou gravemente descontextualizadas, sempre enfatizando incitação de animosidade e hostilidade contra o sistema eleitoral e a membros do Poder Judiciário”. Para exemplificar, o magistrado elenca cinco das publicações com informações falsas feitas pela deputada, que também foram checadas pela Agência Lupa:
- Em 19 de fevereiro de 2022, ela publicou: “Barroso, Fachin e Alexandre comandam no STF o mais feroz partido de oposição a Bolsonaro”. Nesta publicação, ela tentou deslegitimar a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal, acusando-os de atuarem de forma tendenciosa e partidária.
- Em 10 de abril de 2022, no Facebook, Zambelli afirmou: “A verdade: TSE confessa que as eleições de 2018 ocorreram com ‘712 riscos’. – Desde então, nada fizeram para zerar esses riscos. Imaginem a confiabilidade das eleições anteriores”. Aqui, ela atacou o sistema eleitoral com alegações infundadas sobre riscos nas eleições de 2018.
- Em 27 de setembro de 2022, Zambelli compartilhou um vídeo insinuando irregularidades no procedimento de carga e lacração de urnas eletrônicas em Itapeva (SP). Este vídeo foi considerado falso sobre suposta manipulação de urnas.
- No dia 28 de setembro de 2022, Zambelli divulgou um documento intitulado “Resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE”, com afirmações falsas sobre o controle do código fonte das urnas eletrônicas e sistemas eleitorais, alegando que um grupo restrito de técnicos poderia manipular resultados eleitorais sem deixar rastros.
- Zambelli também foi condenada por divulgar que o Código QR do e-Título contabilizaria votos para um candidato adversário, informação que foi desmentida pelo Tribunal Superior Eleitoral e removida das redes sociais a pedido da Justiça Eleitoral. Além disso, na época, a deputada foi multada em R$ 30 mil.
Para o relator do caso, as condutas da congressista não são abrangidas pela liberdade de expressão, “porque esse direito fundamental não se compatibiliza à propagação de informações falsas e discursos que incitem o ódio e o desprezo ao Estado democrático de Direito”.
“Não é demasiado se reconhecer que as condutas da representada alcançaram repercussão e gravidade aptas a influenciar na vontade livre e consciente do eleitor e em prejuízo da isonomia da disputa eleitoral. Portanto, realidades justificadoras da cassação do diploma de deputada federal e da declaração de inelegibilidade, sanções a ela impostas por prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, em conformidade ao artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/1990”, concluiu o desembargador que foi acompanhado pelo voto de outros quatro magistrados.
A votação, contudo, não foi unânime. Dois juízes foram contrários à cassação, uma delas a juíza Maria Cláudia Bedotti. Em seu voto de discordância, disse que faltaram provas de que a desinformação impactou significativamente a eleição, apesar de reconhecer a gravidade da conduta. “Sob o aspecto qualitativo, o seu discurso a respeito do sistema eletrônico de votação desbordou dos limites do exercício legítimo da liberdade de expressão, assumindo um caráter irresponsável e aviltante, colocando em xeque a confiabilidade da Justiça Eleitoral”, coloca a magistrada.
“Essa medida fortalece a democracia uma vez que mostra que ninguém está acima da lei, ninguém está acima do Estado Democrático de Direito e eu acho que vai fazer com que pessoas com poder, sejam parlamentares, lideranças políticas e empresários, pensem duas vezes antes de se meterem contra a democracia”, pontua Mello.
Outros casos
A deputada Carla Zambelli não foi a primeira a ter seu mandato cassado por disseminar desinformação sobre o processo eleitoral. Em 2021, outro deputado federal também passou pelo mesmo processo. Fernando Francischini foi o primeiro parlamentar a sofrer cassação por esse motivo.
Nas eleições de 2018, o então deputado fez uma live nas redes sociais alegando que duas urnas estavam fraudadas e não estavam aceitando votos para o candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro. Francischini também afirmou em seu vídeo que urnas tinham sido apreendidas e que ele teria tido acesso a documentos da Justiça Eleitoral que confirmariam a fraude.
Na decisão, o ministro Luís Roberto Barroso, disse que “é um precedente muito grave que pode comprometer todo o processo eleitoral se acusar, de forma inverídica, a ocorrência de fraude e se acusar a Justiça Eleitoral de estar mancomunada com isso”.
Um levantamento do jornal O Globo indicou que outros deputados também enfrentam processos que podem levar à cassação de seus mandatos pelo menos motivo.