“Não é possível que nós não tenhamos consciência que a desinformação, o discurso de ódio, discursos preconceituosos, discursos agressivos nas redes sociais vêm corroendo a nossa democracia”, voltou à carga Alexandre de Moraes, ministro do STF e presidente do TSE, hoje em evento empresarial ocorrido em Nova York (EUA). “Não é possível que as milícias digitais possam atacar impunemente sem que haja uma responsabilização dentro do binômio tradicional histórico da liberdade de expressão, que é a liberdade com responsabilidade”, afirmou Moraes.
O ministro aproveitou para novamente reforçar a necessidade de regulamentação das plataformas digitais, “não é possível que as redes sociais sejam terra de ninguém”. O jornalista Merval Pereira, mediador do debate, perguntou ao ministro como ele poderia trabalhar a aparente contradição entre o combate à desinformação e a contenção da liberdade de expressão, ao que foi respondido por Moraes com “não há nada, ao meu ver, de contraditório. Não há nada de contraditório nisso porque não há nenhuma novidade. A única novidade é que se trata de redes sociais”, para concluir que “o que nós defendemos, e foi o que o Tribunal Superior Eleitoral defendeu, é trazer para as redes sociais nada mais, mas também nada menos, do que existe em relação a todas as outras formas de expressão”.
Para ilustrar seu argumento, Moraes lembrou do caso Ellwanger (julgado pelo STF em 2003, quando ele ainda não era ministro da Corte) para dizer que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que discurso de ódio não configura liberdade de expressão. No referido caso, escritor gaúcho Siegfried Ellwanger Castan foi condenado por apologia ao nazismo pela Suprema Corte e teve seus escritos proibidos de publicação e comercializados. Moraes retomou a analogia para questionar “por que no livro é possível essa responsabilização e se ele compartilha isso e coloca na rede, é censura? Não é censura porque é uma responsabilização posterior”. As redes sociais, na perspectiva do presidente do TSE, devem ter absolutamente o mesmo tratamento das outras formas de expressão, o binômio liberdade com responsabilidade”.
“As milícias digitais podem falar o que quiser, só que tem que ter coragem de ser responsabilizadas pelo que falam, criminal e civilmente”, destacou Moraes, dizendo que as redes sociais não merecem um tratamento diferenciado, não devendo ser punidas de forma mais rigorosa “mas também não pode haver uma impunidade total”, defendendo que as plataformas não podem “se esconder sob uma suposta classificação de empresa de tecnologia para deixar passar desde ataques à democracia e ao Estado de Direito até pedofilia”, acreditando que elas devem ser responsabilizadas como as empresas de mídia atualmente já são.
Numa complementação, o ministro aposentado do Supremo Ayres Britto usou uma metáfora para defender o princípio absoluto da democracia: “se se usa de uma Liberdade para cortar os pulsos da Democracia, a Democracia vai morrer por assassinato, e a própria Liberdade vai morrer por suicídio. É lógico isso, é lógico”. Ayres Britto concluiu, concordando com o ministro Alexandre de Moraes, “que não é censura fazer isso, isso é auto-defesa da democracia. A Democracia está mandando um recado para a Autocracia”.
O ministro aposentado disse ainda que vem acompanhando as decisões do ministro Alexandre de Moraes como presidente do TSE, e afirmou que “voluntariamente, com toda a consciência, eu me tenho feito um escudeiro das decisões do ministro Alexandre de Moraes nesse contexto constitucional democrático”.
“Dissonância cognitiva coletiva”
A mesa fez parte da abertura do “1st Lide Brazil Conference”, promovido pelo grupo Lide em Nova York, Estados Unidos. Além de Moraes e Ayres Britto, participaram da mesa os ministros do STF Dias Tóffoli, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e Antonio Anastasia, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU).
O ministro Gilmar Mendes também referiu-se à circulação de desinformação ao dizer que vemos um “populismo embalado por um discurso de ódio, disseminado por soluções de tecnologia de alcance nunca visto”, também sobre a necessidade de se olhar para as manifestações contra o reconhecimento do resultado das eleições: “merece atenção porque denota estado de dissonância cognitiva coletiva cuja prolongação no tempo também parece ter ocasionado modificações profundas na sociedade brasileira”.
Em tom de sarcasmo, porém preocupado, Mendes ressaltou que “é preciso indagar se há algo mais por trás dos discursos lunáticos que pedem intervenção militar e a prisão do inventor da tomada de três pinos”. E prosseguiu: “o que torna os cidadãos presas fáceis de milícias digitais que exploram recalques e frustrações? Sem de modo algum diminuir a relevância penal de posturas criminosas e golpistas, o ponto é saber o que joga tais cidadãos nos braços do autoritarismo”.