Se você é jornalista, mulher e negra, sua vida ficou mais perigosa nos últimos anos. O relatório “Como operações de influência entre plataformas são usadas para atacar jornalistas e enfraquecer democracias?” aponta que tanto no Twitter, como em comentários no YouTube, as ofensas dirigidas a mulheres com termos sexuais e questionamentos de suas habilidades foram frequentes. Homens brancos, por outro lado, receberam mais ofensas direcionadas a sua profissão e menos a eles próprios como pessoas (considerando os tweets analisados qualitativamente). As mulheres foram também mais atacadas em vídeos excluídos do YouTube, focados nas vidas pessoais das jornalistas, e em ataques personalizados no WhatsApp.
A pesquisa é uma parceria entre o InternetLab, INCT.DD, DFRLab, Instituto Vero, AzMina e Volt Data Lab, e buscou entender como os agressores de profissionais da imprensa usam as diferentes plataformas e como a vida das vítimas é concretamente atingida. O relatório observou os ataques contra jornalistas no Brasil com foco especial na articulação entre gênero e raça.
Abordando dados quantitativos e qualitativos, criou-se uma lista de 200 jornalistas brasileiros para monitoramento. Entre eles, havia 133 mulheres e 67 homens com diferentes perfis sociais, trabalhando em diferentes áreas. A partir dessa primeira listagem, o relatório selecionou 13 perfis que foram entrevistados e tiveram seus perfis no Twitter, comentários no YouTube e mensagens em grupos de WhatsApp monitorados.
“As entrevistas revelaram uma percepção amplamente difundida de que jornalistas mulheres e jornalistas não brancos são atacados mais frequentemente do que seus colegas homens e brancos”, conclui a pesquisa, afirmando ainda que “algumas mulheres afirmaram ter sido atacadas com conteúdos específicos ao gênero, como conteúdos sexualizados e misóginos. Jornalistas negros afirmaram ser frequentemente comparados a criminosos e ofendidos por conta de sua aparência”.
No Twitter, dos cinco jornalistas mais associados aos ataques, quatro são mulheres, incluindo a jornalista mais atacada. Dentro da amostragem analisada, as mulheres receberam mais do que o dobro de ofensas do que seus colegas homens nesta plataforma. No YouTube, dos 22 vídeos excluídos ou tornados privados durante o período do projeto, a maior parte (13) mencionava Patrícia Campos Mello, jornalista que se tornou alvo de campanhas de difamação após agressões do presidente Jair Bolsonaro. No WhatsApp, dos 3 jornalistas mais atacados, 2 eram mulheres, inclusive a jornalista mais atacada.
Nina Santos, coordenadora acadêmica do *desinformante e pesquisadora do INCT.DD, que colaborou com a produção do relatório, alerta que “um dos resultados que a gente identificou na pesquisa é que muitas jornalistas, primeiro, não conseguem dar consequência para os ataques que elas sofrem. Quando denunciam para as próprias plataformas, não recebem nenhum tipo de resposta, o que faz com que muitas vezes elas nem denunciem. E, por outro lado, essa sistemática de ataques faz com que as jornalistas acabem tomando decisões que limitam os seus próprios trabalhos”.
Como orientação às plataformas, Nina Santos defende que “é importante deixar claro que as jornalistas e os jornalistas não são usuários quaisquer das mídias sociais. O trabalho deles é absolutamente essencial para a democracia e por isso as plataformas precisam garantir que esse trabalho seja feito de forma livre”.
Imprensa sob ataque
O ano de 2020 foi considerado o mais perigoso para ser um jornalista profissional na história recente do Brasil, segundo levantamento de Júlio Lubianco em artigo publicado pelo Knight Center, citado no relatório. A Federação Nacional de Jornalistas registrou 428 casos de violência, enquanto a ONG Repórteres Sem Fronteiras registrou 580 ataques contra membros de imprensa no país. A ONG Artigo 19 registrou uma queda acentuada na liberdade de expressão no país em seu relatório de 2019/2020, em que o Brasil despencou de um ambiente considerado “Aberto”, para “Restrito”.
Como efeitos desses ataques, o relatório apontou que “as entrevistas [com os profissionais] sugeriram que essas campanhas têm tido efeitos diretos e indiretos nos jornalistas, e na habilidade de conduzir seu trabalho, sugerindo um efeito inibidor para o jornalismo profissional e para a liberdade de expressão como um todo”, além de que “muitos jornalistas revelaram que pensam duas vezes antes de publicar artigos, considerando sua segurança pessoal, emocional e física, e também a de pessoas próximas. Essa insegurança é amplamente associada à falta de proteção institucional e de respostas a esses ataques.”
As plataformas precisam lidar com essa questão de uma forma prioritária, acrescenta Nina Santos, destacando que “quando a gente está falando da possibilidade de exercer o trabalho jornalístico, a gente está falando de um ponto que é absolutamente central na qualidade democrática”.