A universalização do acesso à internet avançou nas últimas décadas, mas ainda possui uma grande desigualdade regional. É o que aponta o relatório “Latin America in a Glimpse: Amazonia” publicado pela organização Derechos Digitales, que analisa uso da internet na Amazônia, incluindo as áreas pertencentes à Bolívia, Colômbia e Equador, além do Brasil. As pesquisas mostraram que o acesso na região é limitado, caro e de baixa qualidade.
No caso brasileiro, a parceria foi firmada com o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que realizou um estudo tomando como foco a comunidade Nossa Senhora do Livramento, dentro da Reserva Sustentável do Tupé, na zona rural de Manaus. Foram realizadas entrevistas com 12 moradores da comunidade que apontaram o fornecimento intermitente de energia elétrica e o sinal de telefone ruim na cidade como fatores que dificultam o acesso à internet.
“É bastante sintomático que uma das principais questões levantadas no relatório esteja no problema de abastecimento de energia elétrica”, salienta Marina Senese, integrante do grupo de pesquisa Direito Econômico das Novas Tecnologias, da Faculdade de Direito da USP. “Nesse sentido, precisamos voltar alguns passos na discussão e refletirmos criticamente sobre esses resultados da amostra. Afinal, como garantir acesso à internet quando a própria energia elétrica é fornecida em condições precárias? No Brasil, como é o caso dessa investigação sobre a comunidade amazônica, há lugares onde sequer a segunda revolução industrial alcançou sua plenitude”, completa a pesquisadora.
Dentre as respostas apontadas pelos entrevistados, ao falar sobre a internet, percebe-se como essa tecnologia, nova para a maioria, pode conectar o lugar distante onde moram com o mundo, mesmo que o mundo seja Manaus, que fica a 25 km de distância. No entanto, também é possível perceber como a desigualdade de preços e oferta de serviços entre as áreas urbanas e rurais da região Norte impacta nas possibilidades de acesso da população daquela cidade.
Ainda que exista conectividade, os preços praticados pelo mercado inviabilizam a manutenção do acesso a um plano de dados pago. “Oito dos entrevistados possuem uma renda familiar de até R$1.254,00, sem subsídios e opções de internet pública e gratuita, o orçamento familiar fica comprometido em um serviço que deveria ter mais opções de ser obtido de forma gratuita em espaços coletivos como escolas e bibliotecas públicas”, aponta Senese ao comentar o relatório.
Entre os entrevistados, três não acessam a internet em nenhum tipo de dispositivo, apenas cinco podem pagar internet fixa com Wi-Fi em casa e sete disseram poder acessar através de celulares com planos de dados móveis, que na maioria das vezes não duram todo o mês. Dentro dessa realidade, se destaca na pesquisa o uso predominante de plataformas digitais por parte dos entrevistados. Marina Senese questiona: “dentro da questão sobre garantia equânime de acesso à internet, remanesce uma dúvida: afinal, as pessoas estão acessando mesmo a internet ou somente as plataformas digitais como WhatsApp, Instagram, Facebook, YouTube e outras (por meio da franquia de dados gratuitas/zero-rating)? Essa é outra questão”.
A pesquisa também apresenta iniciativas que podem ser realizadas para que a desigualdade do acesso à internet na região possa ser superada, incluindo a efetivação do direito ao acesso à internet (que, no Brasil, é previsto pelo Marco Civil da Internet), políticas de redução de preços de servidores, com estímulo à criação de Pequenos Provedores Privados (PPP), além de políticas que sejam universais e equitativas, considerando as especificidades de todos os habitantes das comunidades indígenas e tradicionais, bem como a situação do fornecimento de infraestrutura de conectividade local.
Aspectos comuns entre os diferentes países
A partir das pesquisas específicas que também foram realizadas na região amazônia da Bolívia, Colômbia e Equador, a organização Derechos Digitales fez comparativos que pudessem identificar pontos comuns. As pesquisas mostraram que o acesso à internet na região amazônica é limitado, caro e de baixa qualidade.
O estudo aponta ainda que as pessoas usuárias da internet têm desejo de participar de uma experiência tecnológica próspera que garanta uma melhoria em suas vidas e das pessoas com quem interagem. De modo geral, observa-se que há um consenso de que uma melhoria nas condições de acessibilidade traria consequências positivas em aspectos como educação, comunicação, liberdade de expressão, saúde, cultura e autodeterminação. Isso coincide com uma visão da internet como facilitadora do exercício dos direitos humanos.
“Ao mesmo tempo”, segue o relatório, “existem preocupações em algumas comunidades de que o acesso à Internet possa corroer a identidade cultural, especialmente entre a população mais jovem. Essa preocupação foi apontada por líderes comunitários nas investigações realizadas por Dejusticia na Colômbia e Fundamedios no Equador, e fatores como a falta de conteúdo sobre suas próprias culturas online e a superprodução de conteúdo ocidental são identificados como preocupantes, o que pode levar, por exemplo, à perda de idiomas nativos”.