Quando as contagens oficiais mostraram que candidatos aliados com o partido Paquistão Tehreek-e-Insaf, ou PTI, tinham conquistado o maior número de assentos na Assembleia Nacional, em fevereiro passado, um vídeo feito por Inteligência Artificial foi a principal ferramenta de comunicação dos vencedores com seus eleitores.
“Eu tinha plena confiança de que todos vocês iriam votar. Vocês responderam à fé que tenho em vocês e a participação massiva surpreendeu a todos”, disse a voz suave e levemente robótica no vídeo de um minuto, que usou imagens históricas e filmagens de Imran Khan, ex-primeiro ministro do Paquistão, preso desde agosto do ano passado, impedido de concorrer no pleito, bem como seu partido, por decisão de forças militares, segundo a matéria do jornal India Today.
O discurso sintético, que rapidamente se espalhou pelas redes sociais, rejeitou a reivindicação de vitória do rival de Khan, Nawaz Sharif, e instou os apoiadores a defenderem a vitória.
Imran Khan passou toda a campanha eleitoral do país na prisão, desqualificado para concorrer naquela que os especialistas descreveram como uma das eleições gerais menos confiáveis nos 76 anos de história do país. E usou intensamente a Inteligência Artificial, assessorado por conhecedores da tecnologia para replicar sua voz e se comunicar com os eleitores, driblando a censura imposta no país.
Durante a campanha eleitoral, as autoridades impediram os seus candidatos do PTI de fazerem campanha e censuraram a cobertura noticiosa do partido. Em resposta, os organizadores realizaram comícios online em plataformas como YouTube e TikTok.
Mudando a crença no que se ouve e no que se vê
À medida que crescem as preocupações sobre o uso da inteligência artificial e o seu poder de enganar, especialmente nas eleições, os vídeos de Khan são um exemplo de como a IA pode funcionar para contornar a supressão, segundo alguns especialistas. Mas também aumentam o medo sobre os seus perigos potenciais.
“Neste caso é para um bom fim, talvez um fim que apoiaríamos – alguém que está preso sob acusações forjadas de corrupção poder falar com os seus apoiadores”, disse Toby Walsh, autor de “Faking It: Inteligência Artificial em um mundo humano” . “Mas, ao mesmo tempo, está minando a nossa crença nas coisas que vemos e ouvimos.”
A jornalista paquistanesa Ramsha Jahangir, especialista em tecnologia e direitos humanos, acredita que o uso da IA pelo partido PTI tenha sido inovador e responsável porque todos os vídeos e áudios vinham com a informação de que se tratava de um conteúdo sintético e foi uma alternativa para contornar a censura que impera no país.
Mesmo assim, ela admite que a população paquistanesa não é tão alfabetizada digitalmente, o que abriria lacunas para a interpretação do conteúdo. Jahangir falou à organização Tech Policy sobre o cenário político, tecnológico e dos direitos humanos no Paquistão.
Apagão nas redes sociais gera insegurança e dúvidas
Nestes primeiros meses de 2024, os 128 milhões de usuários da Internet no Paquistão mergulharam repetidamente na escuridão digital, enfrentando interrupções nas redes móveis e nas plataformas de redes sociais, segundo a AlJazeera.
Em pelo menos três casos em janeiro, plataformas de redes sociais como Facebook, YouTube e Instagram estiveram fora do ar. Muitos usuários foram desconectados do X (antigo Twitter) por mais de 72 horas após a votação em 8 de fevereiro.
Segundo jornalista paquistanesa Ramsha Jahangir, as plataformas foram coniventes com a censura imposta ao PTI. “E isto acontece principalmente porque o PTI e os seus apoiantes têm utilizado o Twitter e plataformas de redes sociais para mobilizar e gerar provas de fraude eleitoral”.
Uso de IA nas eleições asiáticas
Esta não é a primeira vez que partidos políticos usam inteligência artificial nos países asiáticos. Na Indonésia, um dos principais usos e que teve mais apelo foi a versão de desenho animado dos candidatos Prabowo Subianto e Gibran Rakabuming gerada por IA generativa, especificamente pelo Midjourney. O cartoon que fez com que Subianto (acusado de crimes contra os direitos humanos) fosse considerado “gemoy”, uma gíria indonésia para fofo, estampa peças publicitárias, moletons, adesivos e outdoors. Vídeos nas redes sociais colocam os avatares em movimento ocupando ruas e atraindo a atenção do público.
Na Coreia do Sul, o então opositor Partido do Poder Popular criou uma avatar com I.A. de seu candidato presidencial, Yoon Suk Yeol, que interagiu virtualmente com os eleitores e falou em gírias e piadas para atrair um público mais jovem antes da votação de 2022. (Ele ganhou.)
Durante as eleições estaduais de 2020 em Delhi, Índia, Manoj Tiwari, um candidato do partido governante Bharatiya Janata, criou um A.I. deepfake de si mesmo falando a língua Haryanvi para atingir os eleitores desse grupo demográfico. Ao contrário do vídeo de Khan, ele não parecia estar claramente rotulado como IA.
“A integração da IA, especialmente dos deepfakes, nas campanhas políticas não é uma tendência passageira, mas uma tendência que continuará a evoluir ao longo do tempo”, disse Saifuddin Ahmed, professor assistente da escola de comunicação e informação da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura, ao India Today.