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Fundação Nobel lança diretrizes para enfrentamento da crise informativa e Maria Ressa cita eleições brasileiras

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O diretor-executivo da Fundação Nobel, Vidar Helgesen, anunciou o lançamento de um documento com 10 diretrizes para enfrentar os desafios contemporâneos na busca pela verdade, dentro do contexto digital: “nós sabemos que atualmente nós vivemos uma ‘tempestade perfeita’ de problemas”, alertou durante a Conferência  promovida pelo Nobel Prize Center, em Oslo, Noruega, na manhã desta sexta-feira (02/09).

O documento é uma contribuição elaborada pelos ganhadores do Nobel da Paz de 2021, os jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov, e conta com a adesão de outros 11 vencedores do mesmo prêmio, além de mais de 80 entidades da sociedade civil. A íntegra pode ser encontrada aqui (em inglês).

Na introdução das medidas, o manifesto afirma que “neste momento, o enorme potencial da tecnologia para o avanço de nossas sociedades foi prejudicado pelo modelo de negócios e pelo design das plataformas online dominantes”. E prossegue “mas lembramos a todos aqueles que estão no poder que o verdadeiro progresso humano vem do aproveitamento da tecnologia para promover direitos e liberdades para todos, não sacrificá-los pela riqueza e poder de alguns”.

O plano possui três demandas gerais: o fim do modelo de negócios de “vigilância com fins lucrativos” que coleta dados dos usuários para maximizar o engajamento e sustenta gastos multi-bilionários por anunciantes em empresas de mídia social; pedir às empresas de tecnologia que tratem todos os usuários igualmente em todo o mundo; e estimular redações e governos a apoiar o jornalismo independente.

Além disso, os “governos democráticos que respeitam os direitos” são instados a: exigir que as empresas de tecnologia realizem avaliações independentes de impacto sobre os direitos humanos; introduzir leis robustas de proteção de dados; e financiar e ajudar a mídia independente sob ataque em todo o mundo.

Como orientações específicas à União Europeia, o documento propõe que se efetive a “Digital Service Act” (Lei de Serviços Digitais) e a “Digital Market Act” (Lei de Mercados Digitais), aprovadas recentemente pelo Parlamento Europeu, pressionando para que as empresas façam “mudanças em seu modelo de negócios, como acabar com a amplificação algorítmica que ameaça direitos fundamentais e espalha desinformação e ódio, inclusive nos casos em que os riscos se originam fora das fronteiras da UE”.

Os signatários do documento apontam a necessidade da União Europeia propor urgentemente uma legislação para proibir a publicidade de vigilância, reconhecendo que esta prática é fundamentalmente incompatível com os direitos humanos; aplicar adequadamente o Regulamento Geral de Proteção de Dados (da UE) para que os direitos de dados das pessoas sejam finalmente tornados realidade; incluir fortes salvaguardas para a segurança dos jornalistas, sustentabilidade da mídia e garantias democráticas no espaço digital na próxima “Lei Europeia de Liberdade de Mídia”; proteger a liberdade da mídia eliminando a desinformação crescente (não deve haver isenções ou exclusões especiais para qualquer organização ou indivíduo em qualquer nova tecnologia ou legislação de mídia). “Com os fluxos de informação globalizados, isso daria um cheque em branco aos governos e atores não estatais que produzem desinformação em escala industrial para prejudicar democracias e polarizar sociedades em todos os lugares”, consta no documento, orientando, por fim, que desafie a “extraordinária maquinaria de lobby, as campanhas de ‘astroturfing’ e a porta giratória de recrutamento entre grandes empresas de tecnologia e instituições governamentais europeias”.

Como orientação às Nações Unidas (ONU), os vencedores do Nobel da Paz de 2021 pedem que seja criado um Enviado Especial da Secretaria-Geral da ONU com foco na segurança dos jornalistas (Special Envoy focused on Safety of Journalists, SESJ, em inglês).

Maria Ressa alerta para a escalada autoritária e cita o Brasil

“Nós temos o Brasil em outubro, as eleições de meio-mandato nos Estados Unidos em novembro, próximo ano nós temos eleições em nações africanas, na Turquia… Em 2024 nós temos na Ásia, a maior população muçulmana no mundo, nós temos na Índia, a maior democracia do mundo, e as eleições presidenciais nos Estados Unidos. Se nós seguirmos a tendência e não fizermos nada agora, eu penso que em 2024 será o ano que nós cairemos no penhasco”. O duro alerta foi feito por Maria Ressa, jornalista ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2021 (conjuntamente com o também jornalista Dimitry Muratov), fundadora do site de notícias Rappler.

Maria Ressa participou hoje (02/09) do painel “Sem verdade”, promovido pelo Nobel Prize Center, antes da divulgação do documento que subscreve com Dmitry Muratov. Após sua apresentação inicial, colaboraram com a discussão Frances Haugen, Bruce Mutsvairo (professor da Universidade de Utrecht), Alexandra Geese (membro do Parlamento Europeu) e Pál Nedregotten (presidente da Associação Norueguesa de Empresas de Mídia).

Perseguida pelo regime de seu país natal, as Filipinas, Maria Ressa acredita que o fascismo está “tirando pena por pena da galinha”, corroendo as democracias ao redor do mundo com as eleições de líderes autocráticos a anti-liberais. “Em 2024, com a eleição desses tipos de líderes, o balanço da geopolítica mundial poderá mudar”, acrescentou.

Relatando a experiência que passou nas Filipinas, a laureada com o Nobel apontou as táticas de ataque “DDoS”, que são aqueles que inviabilizam o acesso a determinado site pelo aumento repentino do fluxo de “visitas”, e a manipulação de distribuição de links “tóxicos” com o objetivo de diminuição da circulação das notícias, como preocupantes e recorrentes. Ainda em seu caso, relatou o processo de “weaponization of the Law”, que pode ser traduzido como “instrumentalização política do Direito”, ao citar os processos pelos quais responde numa tentativa de censurá-la em seu próprio país.  

Feito o diagnóstico nada animador dos dias atuais, a jornalista Maria Ressa apontou algumas ações necessárias na tentativa de se evitar o pior: “nossa coragem determina o destino da humanidade”. Apresentou uma iniciativa que construiu articulando o engajamento da sociedade civil no combate à desinformação a alteração comportamental promovidas pelas mídias sociais, por meio de processos de checagem de fatos, articulação de teias de distribuição das notícias, pesquisas sobre interesses políticos e econômicos envolvidos e também a articulação de respostas jurídicas e incidências na construção de legislações protetivas. Ressa reforçou a importância de legislações, dizendo que “impunidade online é também impunidade offline”.

“O comportamento humano que emerge atualmente enfatiza o medo, a raiva, o ódio, e é estimulado pelas redes sociais” problematiza a jornalista em um de seus comentários, lembrando as informações trazidas à tona por Frances Haugen pelas quais o modelo de negócio da empresa Facebook (Meta) lucrava com a circulação de discurso de ódio. Alexandra Gesse, eurodeputada, ressaltou que essa polarização incentivada pelas redes sociais afeta o jornalismo e os partidos políticos, que acabam reproduzindo discursos extremistas na busca de maior alcance de suas mensagens: “se você não polariza, você não consegue audiência”, lamentou Geese.

Maria Ressa construiu ainda uma analogia das redes sociais com a droga fictícia “soma”, presente no livro “Admirável Mundo Novo”, escrito por Aldous Huxley. O romance é ambientado num futuro distópico com uma sociedade autoritária, na qual a droga é distribuída à população para que elas não fiquem tristes. Acrescentou, ainda, que da mesma maneira que outras substâncias que causam o vício como o álcool e a nicotina, dando exemplos, é importante olhar para as plataformas digitais dentro de uma perspectiva de proteção da saúde, com especial atenção às crianças e adolescentes.  

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